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sábado, agosto 19, 2023

Menos a mim

 


Conheço a aurora com seu desatino, conheço o amanhecer com o seu tesouro. Conheço as andorinhas sem destino, conheço rios sem desaguadouros. Conheço o medo do princípio ao fim, conheço tudo, conheço tudo, menos a mim.

Conheço o ódio e seus argumentos, conheço o mar e suas ventanias. Conheço a esperança e seus tormentos, conheço o inferno e suas alegrias. Conheço a perda do princípio ao fim, conheço tudo, conheço tudo, menos a mim.

Mas depois que chegaste de algum céu, com teu corpo de sonho e margarida, pra afinal revelar-me quem sou eu, posso afirmar enfim, que não conheço nada desta vida, que não conheço nada, nada, nada. Nem mesmo a mim.

(Ferreira Gullar)

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira que nasceu em São Luiz, Maranhão no dia 10 de setembro de 1930. Foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo.

Foi o postulante da cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras, na vaga deixada por Ivan Junqueira, da qual tomou posse em 5 de dezembro de 2014.

Gullar foi reverenciado pelos maiores poetas e escritores brasileiros de sua geração. Vinício de Moraes disse que seu Poema Sujo foi “o mais importante poema escrito no Brasil (e não só no Brasil) nos últimos dez anos, pelo menos.

De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, Gullar foi “o nosso único poeta maior dos tempos de hoje”, no qual “a voz pública não se separa em momento algum do seu toque íntimo [...], das recordações da infância numa cidade azul, evocada no meio de triste exílio portenho”, sendo que “para a singularidade e importância da sua contribuição, só encontro de comparável, no Brasil, a prosa de Guimarães Rosa”.

Início de vida

Ferreira Gullar é um dos onze filhos do casal Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart. Sobre o pseudônimo, o poeta declarou o seguinte: "Gullar é um dos sobrenomes de minha mãe.

O nome dela é Alzira Ribeiro Goulart, e Ferreira é o sobrenome da família, eu então me chamo José Ribamar Ferreira; mas como todo mundo no Maranhão é Ribamar, eu decidi mudar meu nome e fiz isso.

Usei o Ferreira que é do meu pai e o Gullar que é de minha mãe, só que eu mudei a grafia porque o Gullar de minha mãe é o Goulart francês; é um nome inventado, como a vida é inventada eu inventei o meu nome".

Segundo Mauricio Vaitsman, ao lado de Bandeira Tribuzi, Lucy Teixeira, Lago Burnett, José Bento, José Sarney e outros escritores, fez parte de um movimento literário difundido através da revista que lançou o pós-modernismo no Maranhão, A Ilha, da qual foi um dos fundadores.

Até sua morte, muitos o consideravam o maior poeta vivo do Brasil e não seria exagero dizer que, durante suas seis décadas de produção artística, Ferreira Gullar passou por todos os acontecimentos mais importantes da poesia brasileira e participou deles.

Morando no Rio de Janeiro, participou do movimento da poesia concreta, sendo então um poeta extremamente inovador, escrevendo seus poemas, por exemplo, em placas de madeira, gravando-os.

Em 1956 participou da exposição concretista que é considerada o marco oficial do início da poesia concreta, tendo se afastado desta em 1959, criando, junto com Ligia Clark e Hélio Oiticica, o neoconcretismo, que valoriza a expressão e a subjetividade em oposição ao concretismo ortodoxo. 

Posteriormente, ainda no início dos anos de 1960, se afastará deste grupo também, por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia, passando a produzir uma poesia engajada e envolvendo-se com os Centros Populares de Cultura (CPCs).

Em 2014, ele foi considerado um imortal na Academia Brasileira de Letras, passando a ocupar a cadeira de número trinta e sete antes ocupada por Ivan Junqueira.

Ferreira Gullar morreu em 4 de dezembro de 2016, na cidade do Rio de Janeiro em decorrência de vários problemas respiratórios que culminaram em uma pneumonia. O velório do escritor foi realizado inicialmente na Biblioteca Nacional, pois esse era um desejo de Gullar.

Dali, o corpo foi levado em um cortejo fúnebre até a Academia Brasileira de Letras no Rio de Janeiro. Uma semana antes de morrer, Ferreira Gullar pediu à filha Luciana para que o levasse até a Praia de Ipanema. O enterro foi no Cemitério de São João Batista em Botafogo no Rio de Janeiro.

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