Lindomar Castilho e Eliane de Grammont
Lindomar Castilho e Eliane de Grammont - Eliane Aparecida de Grammont era cantora e tinha 26 anos de idade quando foi assassinada. No dia 30 de março de 1981, ela cantava no bar "Belle Epoque", situado na Alameda Santos, 1091, em São Paulo, quando seu ex-marido Lindomar Castilho, portando arma de fogo, surgiu de repente, em estado visivelmente alterado, aproximou-se da moça e disparou cinco tiros.
Eliane foi alvejada no peito. Outro tiro acertou o violonista Carlos Roberto da Silva, cujo nome artístico era Carlos Randal, que tocava ao seu lado, era primo de Lindomar e foi ferido no abdômen. Dois tiros ficaram fixados na parede e a quinta bala não foi encontrada.
Faltava pouco para a uma hora da manhã. A jovem cantora, de promissora carreira, terminava ali sua vida, fulminada pelo despeito e pelo rancor do ex-marido.
Lindomar, que praticou o ato na presença do público e depois tentou fugir, foi agarrado e dominado pelo dono do bar e pelos frequentadores do local. Quase foi linchado.
A Polícia chegou algum tempo depois e encontrou o assassino com os pés e mãos amarrados, caído na calçada. Levaram-no ao Hospital das Clínicas e depois ao 4º Distrito Policial, onde foi autuado em flagrante e recolhido à Casa de Detenção.
Eliane morreu antes de ser atendida no Pronto-Socorro Brigadeiro, para onde chegou a ser levada. Seu corpo foi sepultado, à tarde, no cemitério do Araçá, sob grande revolta da família, dos amigos e dos fãs. Deixou uma filha de 2 anos, que tivera com Lindomar.
O violonista Carlos Randal, embora
ferido, foi socorrido e recuperou-se.
Conforme declarações prestadas por
Randal ao jornal Folha de S. Paulo, de 12 de abril de 1981, no
dia dos fatos, acompanhava Eliane ao violão quando Lindomar chegou.
"Levantei os olhos, deparei com Lindomar que apontava a arma na direção de
Eliane, segurando com as duas mãos.
Ele estava quase a dois metros dela quando
disparou. Levantei do banco e atirei o violão no rosto do assassino, saltando
em seguida sobre ele, sendo ajudado pelo proprietário do café, que desarmou
Lindomar.
Somente mais tarde, quando corria em direção à rua Pamplona para
pedir socorro, percebi que também estava ferido, com uma bala na barriga.
Mesmo assim, acompanhei Eliane, que chegou morta no hospital".
O assassinato da cantora, na flor
da idade, pelo ex-marido, também cantor, ambos conhecidos e estimados pelo
público, gerou grande comoção popular. O homicídio fora cruel, desnecessário,
despropositado.
Eliane havia conhecido Lindomar na
gravadora RCA, na qual ambos gravaram discos. O cantor estava bem de vida, já
tendo constituído um patrimônio pessoal.
Fixaram o regime nupcial de separação
de bens por exigência de Eliane, que não queria dar a impressão de estar
interessada no patrimônio do consorte. Ela afirmava que realmente gostava dele.
Sua família, porém, não via a união com bons olhos.
Casaram-se em 10 de março de 1979,
depois de morar um tempo juntos, e tiveram uma filha, mas o casamento nunca
andou bem.
O cantor era agressivo, ciumento, tinha conduta violenta e costumava
fazer uso de bebidas alcoólicas sem nenhuma moderação. Espancava a esposa e,
em episódio anterior, tentara estrangulá-la.
Eliane teve de abandonar sua
profissão de cantora, que somente retomou depois da separação do casal.
Quando morreu, fazia seis meses
que tinha voltado a cantar e apenas vinte dias que o desquite havia sido
formalizado.
Em 24 de abril do mesmo ano, o
Juiz José Roberto Barbosa de Almeida, da 1ª Vara Auxiliar do Júri da Capital,
atendeu ao pedido de liberdade provisória, formulado pelos advogados de
Lindomar, e permitiu que ele aguardasse o julgamento em liberdade.
A decisão
que o libertou fundamentou-se na primariedade do réu e na inexistência de
perigo para a sociedade, não estando presentes os pressupostos da prisão
preventiva.
Em 8 de maio, Lindomar foi ao
Fórum para ser interrogado, ocasião em que declarou ter certeza de que sua
ex-mulher tinha um caso com Carlos Randal. Formou-se um grande tumulto no
local, com feministas da organização "SOS Mulher" portando faixas de
protesto.
O advogado de defesa Valdir Trancoso Peres não quis que o acusado
entrasse ou saísse pela porta dos fundos, insistindo para que Lindomar
enfrentasse a imprensa e os manifestantes, utilizando-se dos espaços públicos
do Fórum. "Meu cliente", disse ele, "não tem motivos para se
esconder".
Assim, foi necessário um pelotão formado por dezesseis
policiais, comandados por um tenente, para acompanhar réu e advogado na
tumultuada saída da audiência.
Lindomar foi pronunciado por
homicídio qualificado pelo motivo fútil e pelo emprego de recurso que
impossibilitou a defesa da vítima, além de tentativa de homicídio.
A defesa
recorreu e, em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qualificadora do
motivo fútil foi afastada. O relator, Desembargador Prestes Barra, entendeu que
"o ciúme, fonte de paixão, não pode ser considerado motivo fútil".
Inicialmente, a família de Eliane
contratou o advogado José Carlos Dias para assistente da acusação.
Algum tempo
depois, o caso foi entregue a Márcio Tomaz Bastos, então presidente da seção
paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, encarregado de atuar em plenário do
Júri.
Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo (23-8-1984),
em seu escritório, Márcio declarou: "Não se aceita mais um crime como
este. Os ventos mudaram. É o chamado falso crime passional. Lindomar se dizia
apaixonado e traído pela mulher, mas eles já estavam separados há um ano.
Foi
um crime premeditado. Quando Lindomar entrou naquele bar, ele entrou para
fuzilar Eliane". E finalizou repetindo "quem ama não mata",
frase cunhada pelos movimentos feministas de então.
O julgamento de Lindomar foi
acompanhado por grande quantidade de pessoas, tanto no auditório do 1º
Tribunal do Júri de São Paulo quanto do lado de fora do prédio. Havia manifestantes
na rua cortando faixas e gritando: "quem ama não mata", "bolero
de machão só se canta na prisão", "sem punição, as mulheres
morrerão".
As feministas, bem organizadas, ficaram de vigília até o final
do julgamento. Houve reação de um grupo que se autodenominou os
"machistas", que proferia agressões verbais e atirava ovos nas mulheres.
Gritavam "olê, olá, Lindomar tá botando pra quebrar".
A Praça da Sé
transformou-se em área de conflito e a Polícia compareceu para evitar o
tumulto.
Enquanto isso, em plenário, o
Promotor de Justiça Antônio Visconti proferia a acusação. Saiu-se muito bem, em
sua fala de uma hora.
Seguiu-se o advogado assistente de acusação, Márcio Tomaz
Bastos, por mais uma hora, empolgando a assistência. Concluída a acusação, o
público aplaudiu de pé.
A tarefa da defesa, por sua vez,
não foi fácil. Lindomar matou Eliane de surpresa, na frente de muita gente,
depois de consolidada a separação do casal.
Não havia desculpa para ele. O
advogado Valdir Troncoso Peres não falou da legítima defesa da honra, mas de
homicídio privilegiado, resultante de violenta emoção. Embora muito talentoso,
Valdir não convenceu os jurados neste aspecto.
A tese da violenta emoção, que
atenua a pena do homicídio, não foi aceita. Quanto à tentativa de homicídio
contra Carlos Randal, Valdir alegou não ter existido. Lindomar não teria tido a
intenção de matar o primo, tendo-o atingido por imperícia na utilização da arma
de fogo.
Ele teria apontado a arma na direção de Eliane e atingido, sem querer,
o violonista que se encontrava próximo. O crime seria apenas de lesão corporal
culposa, de natureza leve, e nunca de tentativa de homicídio. Esta tese
convenceu o Conselho de Sentença.
Ao final, por 4 votos a 3, o Júri
decidiu ter ocorrido homicídio qualificado pelo meio que impossibilitou a
defesa da vítima, sendo que, com relação a Randal, não teria havido tentativa
de homicídio, mas sim lesão corporal culposa.
A pena fixada foi de doze anos e
dois meses de reclusão. Era 25 de agosto de 1984. Lindomar tinha 46 anos.
O condenado apresentou-se para ser
preso e foi levado à Casa de Detenção de São Paulo. Posteriormente, foi
transferido para Goiânia, sua terra natal e onde residia a maioria de seus
parentes.
Em 1986, conseguiu progredir para o regime semiaberto de cumprimento
de pena, e, em 1988, recebeu o benefício do livramento condicional cumpriu integralmente sua pena, embora de forma flexível, em decorrência dos benefícios
que lhe foram concedidos.
A época, não havia a Lei dos Crimes Hediondos, que, a
partir de 1994, considerou o autor de homicídio qualificado merecedor de maior
rigor no regime de cumprimento de pena.
Durante o período em que esteve
preso, Lindomar chegou a gravar um LP. A gravadora fez um play-back em
estúdio e depois mandou uma equipe a Goiânia gravar a voz do cantor.
Em São Paulo, por iniciativa da
Prefeita Luiza Erundina, em 9 de março de 1990, criou-se a "Casa Eliane de
Grammont", que dá amparo às mulheres vítimas de violência e promove
debates sobre o tema.
(A história de Lindomar e Eliane
está baseada em material de imprensa colhido nos arquivos dos jornais O
Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde.)
Do Livro: A Paixão no Banco dos
Réus
Autora: Dra. Luiza Nagib Eluf