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terça-feira, dezembro 16, 2025

Os Deuses devem estar loucos


 

Os Deuses Devem Estar Loucos - A História de Nǃxau ǂToma

Nǃxau ǂToma, também conhecido como N!xau, nasceu em Tsumkwe, no norte da Namíbia, em 16 de dezembro de 1944. De origem san (bosquímano), era camponês e caçador antes de se tornar, quase por acaso, uma figura mundialmente conhecida do cinema.

Nǃxau ganhou notoriedade internacional ao interpretar Xixo, um bosquímano do deserto do Kalahari, no filme The Gods Must Be Crazy (1980), lançado no Brasil como Os Deuses Devem Estar Loucos.

A produção alcançou um impacto global inesperado, tornando-se um dos filmes estrangeiros mais bem-sucedidos da história do cinema, com bilheteria superior a 200 milhões de dólares.

O nome de Nǃxau contém sinais gráficos incomuns para falantes de línguas indo-europeias. O ponto de exclamação representa um clique consonantal, típico de sua língua nativa, o !Kung (Juǀʼhoan), em que os sons dentais e palatais têm função fonética essencial.

A pronúncia de seu nome verdadeiro, Gǃkau, envolve um clique dental vocalizado, o que explica as inúmeras variações e erros de grafia ao longo de sua carreira.

Após o sucesso do primeiro filme, Nǃxau participou de diversas sequências e produções derivadas, entre elas: The Gods Must Be Crazy II. Crazy Safari, Crazy Hong Kong e The Gods Must Be Funny in China

Apesar de sua imagem icônica e da enorme rentabilidade dos filmes, a trajetória financeira de Nǃxau revela um lado obscuro da indústria cinematográfica e das relações de poder entre o Norte global e povos tradicionais africanos.

Segundo o Internet Movie Database (IMDb), Nǃxau recebeu apenas algumas centenas de dólares por sua atuação no primeiro filme. Há relatos de que o valor pago teria sido cerca de 300 dólares, uma quantia irrisória diante do sucesso comercial da obra.

O jornal The Namibian, em seu obituário, mencionou que, “segundo a lenda”, Nǃxau teria deixado o dinheiro “ser levado pelo vento”, pois não compreendia plenamente o conceito monetário nem o valor simbólico do dinheiro dentro da economia capitalista.

No entanto, com o passar do tempo e após novas experiências cinematográficas, Nǃxau passou a compreender melhor os mecanismos de negociação. Na época da primeira sequência, já possuía maior consciência de seu valor como ator, chegando a negociar sua participação por mais de meio milhão de rands sul-africanos, o equivalente a cerca de 80 mil dólares à época. Ainda assim, esse montante permanecia desproporcional frente aos lucros gerados.

Encerrada sua carreira no cinema, Nǃxau retornou à vida simples em Tsumkwe. Dedicou-se ao cultivo de milho, banana e feijão, além de criar algumas cabeças de gado, mantendo-se fiel ao modo de vida tradicional de seu povo.

Nǃxau faleceu em 5 de julho de 2003, aos 59 anos, vítima de tuberculose multirresistente, enquanto caçava pintadas. Foi sepultado em 12 de julho de 2003, em uma cerimônia fúnebre semi-tradicional, em Tsumkwe, ao lado de sua segunda esposa.

De acordo com seu agente, o nome correto do ator seria G!xau, mas um erro tipográfico durante a produção do filme original acabou consagrando internacionalmente a forma N!xau, que permaneceu nos registros oficiais e na mídia.

Exploração e Contradições

A história de Nǃxau Toma é frequentemente citada como um exemplo emblemático de exploração cultural e econômica. O ator principal de um filme que arrecadou mais de 200 milhões de dólares morreu pobre, sem acesso a cuidados de saúde adequados e distante da riqueza que ajudou a gerar.

Ele foi claramente prejudicado nas negociações iniciais. Não participou das decisões contratuais e apenas aceitou o que lhe foi apresentado, sem plena compreensão do alcance comercial de seu trabalho.

Essa situação reflete uma prática histórica recorrente: a exploração de povos africanos e indígenas, muitas vezes tratados como recursos exóticos, e não como sujeitos de direitos.

O próprio enredo de Os Deuses Devem Estar Loucos simboliza o choque entre dois mundos: o da sociedade moderna e o das culturas tradicionais. No filme, um grupo de bosquímanos vive em harmonia no deserto até que sua rotina é interrompida pela queda de uma garrafa de Coca-Cola lançada de um avião - um objeto estranho que desencadeia conflito, disputa e desordem. Ironicamente, essa metáfora se concretizou na vida real do protagonista.

Nǃxau morreu pobre não apenas porque foi explorado, mas porque lhe foram negadas as ferramentas necessárias para compreender plenamente o sistema que lucrava com sua imagem e talento.

Sua história ecoa a de muitos africanos ao longo dos séculos: explorados como escravizados, utilizados como cobaias, marginalizados economicamente e culturalmente silenciados.

Mesmo em um filme que se valeu da autenticidade, carisma e presença de um homem simples - que desempenhou seu papel com perfeição - o reconhecimento justo não veio. Nǃxau Toma tornou-se um símbolo involuntário das desigualdades globais e da persistente exploração dos povos originários, cuja contribuição ao mundo muitas vezes é celebrada, mas raramente recompensada com justiça.


segunda-feira, dezembro 15, 2025

Aurora Mardiganian: Voz, Memória e Resistência do Genocídio Armênio


 

Aurora Mardiganian, nascida Arshaluys Mardigian em 1901, na cidade de Çemişgezek, então parte do Império Otomano (atual Turquia), tornou-se uma das figuras mais emblemáticas da memória histórica armênia.

Conhecida como a “Joana d’Arc da Armênia”, sua trajetória simboliza coragem, resistência e a força do testemunho diante de um dos maiores crimes contra a humanidade do século XX: o Genocídio Armênio.

Sua infância foi brutalmente interrompida em 1915, quando o governo otomano, sob a liderança do Comitê de União e Progresso - os chamados Jovens Turcos - deu início a uma campanha sistemática de extermínio contra a população armênia cristã.

Sob o pretexto de suposta “traição” e colaboração com inimigos durante a Primeira Guerra Mundial, cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos por meio de massacres, deportações forçadas, marchas da morte e abandono deliberado no deserto sírio.

Um marco desse processo foi a prisão em massa de intelectuais, líderes religiosos e políticos armênios em 24 de abril de 1915, data que hoje é lembrada mundialmente como o Dia da Memória do Genocídio Armênio.

A partir daí, comunidades inteiras foram desmanteladas, famílias separadas e populações civis submetidas a violência extrema, fome, sede, doenças, estupros sistemáticos e escravização.

Aos apenas 14 anos, Aurora foi arrancada de sua família e forçada a integrar uma das infames marchas da morte. Caminhou centenas de quilômetros sob condições desumanas, presenciando a morte de familiares, vizinhos e compatriotas ao longo do trajeto.

Seu pai e seu irmão foram assassinados pelas forças otomanas, e ela testemunhou atrocidades que marcaram sua vida para sempre, incluindo estupros coletivos, torturas e a crucificação de mulheres armênias - práticas destinadas não apenas à eliminação física, mas também à destruição moral e simbólica do povo armênio.

Sequestrada, Aurora foi vendida como escrava e passou por diversos haréns turcos, sendo tratada como mercadoria e submetida a abusos físicos e sexuais. Em uma ocasião, foi trocada pelo equivalente a apenas 85 centavos de dólar, um símbolo brutal da desumanização a que foi submetida.

Ainda assim, demonstrando uma notável força de espírito, conseguiu escapar após meses de cativeiro, disfarçando-se e atravessando territórios hostis até alcançar a Rússia. Posteriormente, passou pela Noruega e, em 1917, emigrou para os Estados Unidos, onde encontrou refúgio junto a parentes distantes em Nova York.

Nos Estados Unidos, sua história rapidamente ganhou projeção internacional. Em 1918, Aurora publicou sua autobiografia, Ravished Armenia: The Story of Aurora Mardiganian (publicada em português como Armênia Devastada), um relato impactante e detalhado de sua sobrevivência e das atrocidades cometidas contra o povo armênio.

A obra teve papel fundamental na conscientização da opinião pública ocidental sobre o genocídio. No ano seguinte, o livro foi adaptado para o cinema no filme mudo Auction of Souls (Leilão de Almas, 1919), no qual Aurora interpretou a si mesma.

O filme chocou plateias ao redor do mundo e arrecadou milhões de dólares, destinados em parte a campanhas humanitárias como a Near East Relief, organização que salvou e amparou dezenas de milhares de órfãos armênios.

Entretanto, o sucesso teve um alto custo pessoal. A indústria cinematográfica de Hollywood explorou sua dor, forçando-a a reviver repetidamente seus traumas diante das câmeras.

A ausência de apoio psicológico e o peso da exposição levaram Aurora a um colapso emocional, marcando o início de uma vida posterior de isolamento e sofrimento silencioso. Em busca de anonimato e paz, ela passou a viver discretamente, afastada dos holofotes.

Aurora Mardiganian faleceu em 1994, aos 93 anos, em Los Angeles. Sua narrativa permanece como um dos testemunhos mais contundentes do Genocídio Armênio - reconhecido oficialmente por mais de 30 países, mas ainda negado pelo Estado turco.

Sua vida destaca não apenas os horrores do genocídio, mas também o papel essencial das sobreviventes na preservação da memória histórica e na luta contra o esquecimento.

Obras contemporâneas, como o documentário animado Aurora’s Sunrise (2023), resgatam e reinterpretam sua história para novas gerações, combinando animação e imagens de arquivo para honrar seu legado.

Aurora permanece, assim, um símbolo universal de resistência, uma voz contra o negacionismo e um alerta permanente sobre os perigos da impunidade diante dos crimes contra a humanidade.

domingo, dezembro 14, 2025

O Caso de Abdução de Luís Carlos Serra em Penalva, Maranhão


 

Em 24 de março de 1978, uma Sexta-Feira Santa, na pequena e tranquila cidade de Penalva, no interior do Maranhão, o jovem Luís Carlos Serra, então com apenas 16 anos, protagonizou um dos episódios mais inquietantes da ufologia brasileira. O que lhe ocorreu naquele dia ultrapassou os limites da compreensão comum e permanece, até hoje, envolto em mistério.

O caso aconteceu pouco tempo após a intensa onda de avistamentos conhecida como “Chupa-Chupa”, fenômeno que, entre 1977 e 1978, aterrorizou comunidades ribeirinhas do Pará e do Maranhão. Naquele período, dezenas de moradores relataram ataques de luzes estranhas que pareciam sugar energia ou até sangue das vítimas, deixando marcas de queimaduras, paralisia temporária, fraqueza extrema e traumas psicológicos profundos.

O clima de medo era generalizado, a ponto de o Exército Brasileiro ter conduzido investigações sigilosas, posteriormente associadas à chamada Operação Prato. Foi nesse contexto de tensão e inquietação coletiva que ocorreu o episódio envolvendo Luís Carlos Serra.

Por volta do meio-dia, Luís encontrava-se em uma área de mata densa a oeste de Penalva, colhendo goiabas para ajudar a família. O dia estava claro e silencioso, quando, de repente, ele ouviu um ruído alto e incomum, semelhante a um zumbido metálico.

Ao erguer os olhos, deparou-se com uma luz intensa e cegante acima das palmeiras, proveniente de um objeto descrito como redondo, com uma cúpula no topo e três janelas ao redor.

Dominado pelo pavor, Luís sentiu o corpo perder completamente os movimentos. Caiu de costas no chão e, em seguida, percebeu-se sendo erguido no ar por uma força invisível, sem dor, mas incapaz de resistir.

Foi assim que, segundo seu relato, acabou sendo levado para dentro do que identificou como uma nave espacial. No interior do objeto, encontrou três seres humanoides de baixa estatura, com cerca de 1,20 metro de altura.

Eles vestiam macacões metálicos prateados, aparentemente soltos, além de luvas, botas e capacetes redondos translúcidos, com visores que ocultavam parcialmente os rostos. A comunicação entre eles ocorria por meio de sons guturais, incompreensíveis para o jovem.

O tratamento dispensado a Luís foi descrito como frio e impessoal. Um dos seres introduziu um tubo em seu nariz, sem causar dor, enquanto outro colocou em sua boca uma esfera transparente, forçando a ingestão de um líquido estranho. A substância provocou engasgos e, rapidamente, a perda de consciência.

Quando recobrou parcialmente os sentidos, ainda imobilizado, Luís sentiu a nave se deslocar. Em seguida, foi novamente levitado e depositado sobre uma rocha plana, cercada por vegetação alta. Acima dele, não havia céu visível, estrelas ou árvores - apenas uma escuridão absoluta, descrita como opressiva e antinatural. Mais líquido foi aplicado em sua boca, e ele desmaiou outra vez.

Luís permaneceu desaparecido por três dias, causando grande comoção em Penalva. Familiares e moradores realizaram buscas na mata, temendo o pior. Na noite de 27 de março de 1978, o pescador José Ribamar dos Santos ouviu gritos fracos de socorro vindos do mato.

Ao se aproximar, encontrou o jovem caído no chão, rígido, atordoado e incapaz de falar ou se mover, como se estivesse paralisado. Com a ajuda de vizinhos, Luís foi levado para a casa da mãe, Maria, e, em seguida, encaminhado ao pequeno hospital da cidade.

Os médicos constataram um quadro grave e incomum: Luís encontrava-se em estado catatônico, com os olhos abertos e fixos, mas sem responder a estímulos externos. Seus membros estavam tão rígidos que mal podiam ser dobrados.

Diante da gravidade do caso, ele foi transferido, dois dias depois, de avião, para um hospital maior em São Luís, onde permaneceu internado por quase uma semana, começando a recuperar-se lentamente.

Anos mais tarde, o episódio foi investigado pelo renomado ufólogo americano Bob Pratt, que entrevistou Luís Carlos Serra, médicos, familiares, moradores locais e até o então prefeito de Penalva, João Francisco Mendes. Todos foram unânimes em destacar a simplicidade, humildade e honestidade do jovem, afirmando que ele não tinha motivos para inventar uma história tão extraordinária.

O estado físico e psicológico em que foi encontrado também reforçou o caráter enigmático do caso. Curiosamente, em agosto de 1978, poucos meses depois do ocorrido, um novo relato surgiu na região: três humanoides luminosos, vestindo macacões prateados e capacetes translúcidos, teriam sido vistos em um campo próximo a Penalva.

Embora não exista comprovação direta de ligação entre os dois episódios, a semelhança das descrições chamou a atenção dos pesquisadores.

O caso de Luís Carlos Serra permanece como um dos relatos de abdução mais detalhados e perturbadores da ufologia brasileira nos anos 1970, período marcado por intensa atividade OVNI no Nordeste do país.

Até hoje, não há explicação convencional capaz de esclarecer plenamente os acontecimentos. Ao longo dos anos, Luís manteve seu relato de forma consistente, sem contradições significativas, o que continua a alimentar debates, hipóteses científicas, psicológicas e, para muitos, a possibilidade de visitas extraterrestres.

O Desastre do Lago Nyos


 

O Desastre do Lago Nyos: A Explosão Silenciosa de 1986

Em 21 de agosto de 1986, o Lago Nyos, um lago de cratera vulcânica localizado na região noroeste de Camarões (África), sofreu uma rara erupção límnica - um fenômeno em que grandes quantidades de dióxido de carbono (CO) dissolvido nas profundezas do lago são liberadas repentinamente.

Uma nuvem invisível e densa de CO, mais pesada que o ar, desceu pelas encostas e varreu vilas próximas em questão de minutos, sufocando tudo o que precisava de oxigênio para sobreviver.

O desastre matou 1.746 pessoas (número oficial mais aceito) e cerca de 3.500 cabeças de gado, além de incontáveis animais selvagens. Foi um dos desastres naturais mais letais e misteriosos do século XX, frequentemente descrito como "silencioso" porque as vítimas morreram dormindo, sem sinais de luta ou violência.

O Que Aconteceu na Noite do Desastre

Na noite de 21 de agosto, por volta das 21h, moradores das vilas de Nyos, Cha, Kam e Subum ouviram um estrondo semelhante a uma explosão ou deslizamento.

Uma coluna de água e espuma foi lançada a cerca de 100 metros de altura, seguida pela liberação de cerca de 100.000 a 300.000 toneladas de CO (algumas estimativas chegam a 1,6 milhão de toneladas). A nuvem de gás, com até 50 metros de espessura, desceu a uma velocidade de 20-50 km/h, cobrindo uma área de até 25 km ao redor do lago.

As vítimas foram encontradas como se estivessem dormindo: pessoas caídas nas camas, famílias ao redor da mesa de jantar, animais imóveis. Não havia pânico visível, pois o CO deslocou o oxigênio do ar, causando asfixia rápida e inconsciente em concentrações acima de 10%.

Sobreviventes relataram um cheiro de ovos podres (possivelmente traços de sulfeto de hidrogênio) e um silêncio total - pássaros e insetos também morreram. Dois dias depois, quando equipes de resgate chegaram, encontraram vilas fantasmas. O lago, antes de águas azuis cristalinas, estava avermelhado pelo ferro oxidado remexido do fundo.

Causas Científicas

O Lago Nyos é um lago profundo (cerca de 200 metros) formado em uma cratera vulcânica inativa, parte da Linha Vulcânica de Camarões. Magma abaixo do lago libera CO lentamente, que se dissolve nas camadas mais profundas e frias da água, ficando "preso" devido à estratificação térmica (meromixia): as camadas superiores e inferiores não se misturam.

A liberação foi desencadeada provavelmente por um deslizamento de terras no fundo do lago, possivelmente agravado por chuvas fortes ou uma pequena atividade sísmica/vulcânica.

Isso perturbou a estratificação, fazendo a água saturada subir, reduzir a pressão e liberar bolhas de CO em uma reação em cadeia - semelhante a abrir uma garrafa de refrigerante gigante. Dois anos antes, em 1984, um evento similar no Lago Monoun (também em Camarões) matou 37 pessoas, mas foi menos divulgado.

Consequências Imediatas e de Longo Prazo

Milhares de sobreviventes sofreram lesões como bolhas na pele, problemas respiratórios e neurológicos. Vilas foram abandonadas, e populações realocadas.

O governo de Camarões pediu ajuda internacional; cientistas de todo o mundo investigaram, inicialmente pensando em erupção vulcânica ou até teorias conspiratórias (como bomba química).

O desastre destacou lagos semelhantes perigosos, como o Lago Kivu (entre Ruanda e República Democrática do Congo), que poderia afetar milhões se erupcionasse.

Medidas de Prevenção: A Desgaseificação

Desde o desastre, esforços internacionais (liderados por equipes francesas, japonesas e americanas) instalaram tubos de desgaseificação no lago: O primeiro tubo permanente foi colocado em 2001. Mais dois em 2011.

Os tubos bombeiam água profunda saturada para a superfície, liberando CO de forma controlada em jatos altos (até 45 metros), tornando o processo autossustentável (sem energia externa constante).

Em 2019, estudos concluíram que o lago atingiu um estado estável: um único tubo é suficiente para equilibrar a recarga natural de CO, mantendo níveis seguros indefinidamente. Hoje, o risco de nova erupção límnica é considerado baixo, embora monitoramento continue.

O desastre do Lago Nyos permanece como um lembrete fascinante e assustador de perigos naturais raros, mas devastadores. A ciência transformou uma tragédia em uma história de prevenção bem-sucedida, salvando potencialmente milhões em lagos semelhantes. Sim, é uma das histórias mais impressionantes e pouco conhecidas da geologia moderna!

sábado, dezembro 13, 2025

Zenão de Cítio




Zenão de Cítio: O Naufrágio que Deu Origem ao Estoicismo

A história do estoicismo realmente começa de forma dramática, com um naufrágio - um obstáculo inesperado que transformou a vida de um comerciante em uma das filosofias mais influentes da Antiguidade.

Por volta de 334-330 a.C., Zenão de Cítio, nascido na ilha de Chipre, era um próspero mercador. Ele transportava uma carga valiosíssima: o precioso pigmento púrpura tiriano, extraído de milhares de moluscos marinhos, usado para tingir as vestes de reis e nobres.

Durante uma viagem da Fenícia para o Pireu, o porto de Atenas, seu navio foi atingido por uma tempestade e afundou. Zenão sobreviveu, mas perdeu toda a fortuna. Desorientado e arruinado em Atenas, Zenão consultou o Oráculo de Delfos para saber como viver a melhor vida possível.

A resposta enigmática da pitonisa foi: "tomar a cor, ou compleição dos mortos". Inicialmente confuso, Zenão interpretou isso como um conselho para "assimilar a cor dos homens mortos" - ou seja, estudar os antigos sábios através de seus escritos, em vez de se apegar a bens materiais perecíveis como o pigmento dos moluscos mortos.

Essa interpretação é relatada por fontes antigas, como Diógenes Laércio, e ecoada em obras modernas, como o livro de Donald Robertson Pense como um Imperador - sobre Marco Aurélio -, que menciona uma variação análoga.

Em Atenas, enquanto refletia sobre o ocorrido, Zenão entrou em uma livraria e começou a ler os Memoráveis de Xenofonte, que retratam a vida e os ensinamentos de Sócrates. Impressionado com a figura do filósofo sábio e virtuoso, perguntou ao livreiro onde poderia encontrar alguém como Sócrates.

Por uma coincidência notável, Crates de Tebas - o mais famoso filósofo cínico da época, discípulo de Diógenes de Sinope - passava exatamente naquele momento. O livreiro apontou para ele, e Zenão tornou-se seu aluno.

Zenão treinou com Crates e outros mestres - incluindo influências da Academia de Platão e da escola megárica - por cerca de 20 anos. Inicialmente, adotou o ascetismo rigoroso dos cínicos, mas achou-o extremo demais - Crates, por exemplo, o submeteu a testes humilhantes, como carregar uma panela de sopa de lentilhas pela cidade para curá-lo da vergonha social.

Zenão manteve o foco na virtude e na indiferença aos bens externos, mas moderou o estilo de vida, tornando-o mais acessível. Por volta de 300 a.C., aos cerca de 34 anos, Zenão fundou sua própria escola no Stoa Poikile (o "Pórtico Pintado"), um pórtico público no Ágora de Atenas, decorado com afrescos de batalhas.

Ali, ele e seus seguidores discutiam filosofia abertamente com qualquer interessado - mercadores, cidadãos ou estrangeiros. Inicialmente chamados de "zenonianos", os discípulos logo adotaram o nome "estoicos", em referência ao local de ensino.

O estoicismo baseou-se fortemente nas ideias éticas dos cínicos - virtude como o único bem verdadeiro, vida de acordo com a natureza - e em Sócrates - questionamento, autodomínio e foco na excelência moral -, mas incorporou elementos de outras escolas, como a lógica dos megáricos e influências acadêmicas de Platão.

Zenão dividiu a filosofia em três partes: física - o universo como ordenado por um Logos divino. Lógica - o raciocínio como ferramenta para a verdade. Ética - a virtude como suficiência para a felicidade, com paz de espírito - alcançada pela indiferença aos "indiferentes" como riqueza ou dor.

O estoicismo foi extremamente bem-sucedido, tornando-se a filosofia dominante no período helenístico e, especialmente, na era romana. Influenciou figuras como Sêneca, Epicteto e o imperador Marco Aurélio - cujo Meditações ainda inspira milhões hoje.

Seus sucessores, como Cleanto e especialmente Crisipo - considerado o "segundo fundador" -, sistematizaram e expandiram as doutrinas, dividindo a escola em fases antiga, média e tardia.

Zenão viveu até cerca de 262 a.C., morrendo em Atenas - nunca aceitou cidadania ateniense, permanecendo um estrangeiro respeitado. Os atenienses o honraram com uma coroa de ouro, uma estátua de bronze e chaves da cidade por sua integridade.

Ele costumava dizer aos alunos que havia aprendido a valorizar a sabedoria acima da riqueza ou reputação. Uma de suas frases mais famosas resume sua transformação: "Minha jornada mais lucrativa começou no dia em que naufraguei e perdi toda a minha fortuna".

Esse "naufrágio afortunado" ilustra um princípio central do estoicismo: os obstáculos podem ser oportunidades. O que parece uma catástrofe (perda material) levou Zenão a uma vida de virtude e influência eterna.

Hoje, o estoicismo renasce em contextos modernos, ajudando pessoas a lidar com adversidades, focar no controlável e buscar uma vida significativa - prova de que, às vezes, a Fortuna nos guia exatamente para onde precisamos estar.

sexta-feira, dezembro 12, 2025

Tempestades


“Sabe, Sancho, todas essas tempestades que recaem sobre nós são sinais de que, em breve, o tempo há de se acalmar. Coisas boas estão destinadas a acontecer; porque não é possível que o bem e o mal durem para sempre. Assim, se o mal já se alongou por tanto tempo, é certo que o bem não pode estar longe.”

Dom Quixote fitou o horizonte enquanto falava, segurando firme as rédeas de Rocinante. O vento frio da madrugada soprava poeira pelo caminho de terra, mas seus olhos brilhavam como se vissem muito além das colinas sombrias à frente.

Sancho, montado em seu fiel jumento, ajeitou o chapéu e suspirou, meio desconfiado, meio esperançoso.

- Senhor - respondeu ele, com a voz arrastada e prática de sempre -, se esse bem estiver realmente por perto, que ele venha com pão quente e um teto seguro, porque minhas costas já não aguentam mais tanta desgraça seguida.

Quixote sorriu, aquele sorriso que misturava loucura, fé e nobreza.

- Ah, Sancho! - exclamou, erguendo o braço como se discursasse para um reino inteiro. - Não percebes que é justamente nas horas mais sombrias que o destino prepara seus melhores reveses? É preciso coragem para atravessar a noite, pois é ela que anuncia a aurora.

A estrada era longa, e o céu, ainda carregado de nuvens, ameaçava mais chuva. Os dois cavaleiros prosseguiram mesmo assim, lado a lado. O ranger das selas, o farfalhar dos arbustos e o trotar lento dos animais eram os únicos sons que lhes faziam companhia.

Por um momento, Sancho permaneceu em silêncio. Depois, olhando para o amigo, murmurou:

- Pois bem, meu amo, se a aurora está chegando, que ela venha depressa. Estou cansado de tempestades.

Quixote assentiu com gravidade.

- Ela virá, Sancho. A vida nunca permanece para sempre na mesma estação. Se hoje enfrentamos vendavais, amanhã haveremos de encontrar calmarias. Assim é o mundo: uma balança que insiste em se equilibrar, mesmo quando tudo parece perdido.

Seguiram adiante, envoltos pelo vento, pela incerteza e por aquela estranha esperança que apenas os verdadeiros sonhadores carregam.

Miguel de Cervantes em Dom Quixote

quinta-feira, dezembro 11, 2025

Aparências




Nunca julgue pelas aparências. Elas quase sempre mentem - e, quando mentem, humilham quem acreditou nelas. Em 1884, um casal desceu do trem na estação de Boston. Ela usava um simples vestido de algodão estampado, ele um terno escuro já gasto nos punhos.

Caminharam tímidos até o prédio administrativo de Harvard e pediram para falar com o reitor. Não tinham hora marcada. A secretária os mediu de cima a baixo. Para ela, eram apenas “caipiras” perdidos na cidade grande.

- O reitor está ocupado o dia inteiro - respondeu, seca.

- Nós esperamos - disse a mulher, com voz calma.

Passaram-se horas. A secretária os ignorava, torcendo para que desistissem. Não desistiram. Irritada, foi até o reitor:

- São só uns minutos, senhor. Depois eles vão embora.

O reitor, homem vaidoso e apressado, apareceu com o rosto fechado. Nem se deu ao trabalho de cumprimentá-los direito. A mulher falou:

- Nosso filho estudou aqui apenas um ano. Ele amava Harvard. Era feliz. Mas morreu num acidente. Gostaríamos de deixar algo no campus em memória dele.

O reitor cortou, impaciente:

- Senhora, não podemos erguer uma estátua para cada aluno que morre. Isso aqui viraria cemitério.

- Oh, não é estátua - interrompeu ela, serena. - Pensamos em doar um prédio à universidade.

O reitor deu uma risadinha de deboche. Olhou o vestido barato dela, o terno puído dele, e disse:

- Um prédio? Vocês fazem ideia de quanto custa um prédio? Só os edifícios daqui já passaram de sete milhões e meio de dólares.

Silêncio. A mulher virou-se para o marido e falou, quase num sussurro:

- É só isso que custa criar uma universidade? Então por que não fazemos a nossa?

O marido assentiu apenas com a cabeça. O reitor ficou pálido. Pela primeira vez percebeu que estava diante de Leland Stanford e Jane Stanford, um dos casais mais ricos da Califórnia, donos de ferrovias, minas e latifúndios imensos.

Os Stanford saíram sem mais uma palavra. Foram para Palo Alto, compraram 8.180 acres de terra e, em 1891, abriram a Leland Stanford Junior University - em memória do filho que Harvard desprezou.

Hoje, a Universidade Stanford é consistentemente uma das três melhores do mundo (em muitos anos a número 1 ou 2 ou 3), superando Harvard em diversos rankings globais.

Seu patrimônio ultrapassa 42 bilhões de dólares, o quarto maior entre universidades. Moral da história (curta e forte):Roupas velhas não dizem quem a pessoa é.

Arrogância, sim, revela tudo. Quem julga pela casca pode perder a árvore inteira - e, às vezes, ajudar a plantar a floresta do concorrente.

quarta-feira, dezembro 10, 2025

O Especialista



Para você que chegou agora - justamente agora - apenas para criticar o que já está feito: onde estava quando tudo era poeira no chão e esboço no papel? Onde estava quando a gente segurava prego com a mão e esperança com a outra? Onde estava quando precisávamos de ideias - não prontas, não copiadas - mas inventadas ali, no improviso, quando ainda não existia modelo nenhum?

É muito confortável aparecer depois que o prédio está de pé para dizer que a cor da parede poderia ser outra, que a porta não está perfeitamente alinhada ou que o evento teria ficado melhor com música ao vivo.

Conveniente ser especialista quando o risco já passou, o esforço já foi gasto e o tempo já foi consumido. Difícil mesmo é estar lá no dia em que faltou energia no meio do processo, no dia em que um fornecedor cancelou de última hora, no dia em que a equipe era meia dúzia, mas o problema era do tamanho de cem.

Criticar sem jamais ter sujado as mãos é o refúgio preferido de quem não quer assumir responsabilidade. E responsabilidade não é sobre discurso, é sobre presença: é estar no sábado à noite quando ninguém quer estar, é abrir mão de descanso quando o prazo encurta, é reconhecer que talvez fique imperfeito - e fazer mesmo assim.

Quem fez, fez com as ferramentas que tinha, não com as que gostaria de ter. Fez com orçamento contado, com dúvidas penduradas nos ombros e com a coragem mínima necessária para não desistir. Fez sem manual, sem mapa e sem plateia.

Às vezes fez no escuro - literalmente - com lanterna emprestada e café frio. Fez porque alguém precisava tomar a decisão, assinar o documento, puxar o primeiro tijolo, sacrificar o último minuto de energia.

E ainda assim, sabia que você viria depois - você e o seu olhar técnico, retroativo, cirúrgico - e apontaria falhas. Porque crítico nunca falta. É como sombra: aparece quando o sol já brilhou e a obra já está construída.

Antes de abrir a boca para julgar, pergunte-se: Eu teria feito melhor com o que havia disponível naquele momento?

Eu teria feito alguma coisa, ao menos uma, se estivesse no lugar de quem fez?
Ou teria feito aquilo que sempre faço - observar, comentar, esperar o esforço alheio e opinar depois?

Quem critica sem nunca ter construído nada não está colaborando: está apenas anestesiando a própria ausência, justificando sua distância, consolando-se por não ter participado. É a tentativa de transformar falta de ação em superioridade intelectual.

O mundo já tem críticos suficientes. Especialistas em defeitos, consultores da obviedade, guardiões do “se fosse comigo”. O que falta - e falta muito - é gente que faça apesar das incertezas, que construa com o que existe, que assuma riscos e aceite a possibilidade de não ser aplaudida.

Assina com carinho, com algumas cicatrizes e com um pouco de orgulho ferido,
aquele que fez - quando ninguém sabia como fazer, quando ninguém queria fazer, quando todos esperavam que alguém começasse. E alguém começou.

Não Digas Nada!



"Não digas nada. Nem mesmo a verdade. Porque há uma suavidade quase sagrada em nada se dizer e, ainda assim, tudo se compreender - um entendimento suspenso entre o que se vê e o que apenas se pressente; metade de gesto, metade de arrepio.

Não digas nada agora. Deixa que o tempo dissolva, que a memória reencontre o seu lugar. Talvez amanhã - noutra paisagem, noutra claridade, quando o corpo já estiver longe da ferida e da saudade - digas que foi vã toda essa viagem.

Talvez então percebas que o caminho foi feito com passos cansados, mas também com passos de luz. Até onde pude ser quem te agradava; e mesmo assim, mesmo ali, mesmo imperfeita, fui feliz. Por isso, não digas nada."

Este poema, frequentemente lembrado apenas pelo primeiro verso - “Não digas nada” - é um dos segredos mais delicados da obra de Florbela Espanca. Escrito entre 1922 e 1923, pertence ao período em que a autora, já ferida por perdas consecutivas, tentava reinventar-se na escrita porque na vida já não encontrava abrigo.

Florbela vivia um tempo em que quase tudo lhe fugia das mãos: o corpo instável, a saúde mental frágil, os amores breves que nunca bastavam, os sucessivos casamentos que se esvaziavam antes mesmo de amadurecer. As crises nervosas, tratadas com Veronal - medicamento que mais tarde selaria a tragédia final - intensificavam as sensações de inadequação e exílio emocional.

Enquanto escrevia esses versos, ela ainda tentava acreditar na promessa do terceiro casamento com o médico Antônio Guimarães, mas a sombra do fracasso rondava tudo.

As perdas anteriores não haviam cicatrizado: a morte da mãe quando ainda era criança; o divórcio traumático de Alberto Moutinho; as tentativas frustradas de ser mulher e artista em um país que recusava a sua flamboyância emocional.

Quando Florbela diz “talvez amanhã, noutra paisagem”, não fala apenas de um amanhã real, mas de um amanhã impossível - um amanhã onde tudo se explicaria, onde não haveria mais dever, nem dívida emocional, nem inquietação. Na sua escrita, esse amanhã era o lugar da absolvição.

O verso “até onde quis ser quem me agrada” revela uma confissão silenciosa: Florbela sempre se moldou à expectativa do outro. Tentou ser a esposa ideal, a musa ideal, a mulher controlada, pura, discreta - mas nenhuma dessas versões lhe servia. E essa inadequação era, para ela, a ferida que mais doía.

Quando o irmão Apeles morre em 1927 - já depois da composição do poema - a ferida transforma-se em abismo. Ela chamava o irmão de “meu filho, meu pai, meu tudo”. Sua morte trágica num acidente de aviação desfaz o pouco de chão que restava.

A viagem, então, torna-se definitivamente “vã”.

Em dezembro de 1930, no dia em que completava 36 anos, Florbela decide partir. Não há grito, não há escândalo. Apenas silêncio. O mesmo silêncio que o poema suplica. Toma Veronal - o mesmo remédio que a mantinha adormecida - e deixa cartas que nunca foram plenamente reveladas. O livro que seria publicado naquele mesmo dia - Dominó Preto - sairia sem sua presença.

Não apenas se despede. Silencia. Desaparece como quem fecha uma porta por dentro. Esse poema é, portanto, uma espécie de bilhete antecipado - um pedido final que atravessa o tempo: não digam nada.

Nem os jornais, nem os críticos, nem os amantes anteriores, nem os curiosos, nem os que a julgavam exagerada, nem os que confundiam intensidade com escândalo. Não digam nada.

E, ao mesmo tempo, digam tudo através do silêncio. Por isso estes versos, tão breves e tão límpidos, funcionam como epitáfio emocional: Florbela pede que ninguém a explique, ninguém lhe devolva interpretação, ninguém prolongue a dor com justificativas. Nem mesmo a verdade importa.

O que importa é que, por um instante fugaz - nesse poema, nesse fragmento - ela confessa: fui feliz. E essa felicidade, desmontada, insuficiente, tardia, foi suficiente para que pedisse apenas quietude.

Assim termina uma das despedidas mais sublimes da literatura portuguesa: não com ruído, mas com um convite ao silêncio que ainda hoje ecoa.

terça-feira, dezembro 09, 2025

O Retrato de Dorian Gray




O romance O Retrato de Dorian Gray (1891), única obra de ficção longa de Oscar Wilde, é considerado um dos maiores clássicos da literatura inglesa e uma das críticas mais devastadoras à hipocrisia da sociedade vitoriana, ao culto da beleza e ao hedonismo sem limites.

A história começa num ensolarado dia de verão em Londres, na Era Vitoriana. O pintor Basil Hallward, um artista sensível e idealista, está terminando o retrato de Dorian Gray - um jovem de beleza quase sobrenatural que se tornou sua musa e obsessão artística.

Enquanto pinta, Basil recebe a visita de seu amigo Lord Henry Wotton, um aristocrata cínico, brilhante e extremamente articulado, que defende uma filosofia de vida hedonista: “O único modo de livrar-se de uma tentação é ceder a ela”.

Fascinado e influenciado pelas ideias de Lord Henry, Dorian faz um desejo impulsivo e fatal: que o retrato envelheça e sofra no seu lugar, enquanto ele conservaria para sempre a juventude e a beleza. O desejo é misteriosamente atendido.

A tragédia de Sibyl Vane

Encantado com sua própria beleza e com as ideias de Lord Henry, Dorian começa a explorar plenamente os prazeres da vida. Num teatro pobre do East End, conhece a jovem atriz Sibyl Vane, que representa heroínas de Shakespeare com paixão incandescente.

Dorian apaixona-se perdidamente - ou pelo menos pelo reflexo da arte na moça - e pede-a em casamento. Sibyl, extasiada, chama-o de “Príncipe Encantado” (ou “Príncipe Formoso”, em algumas traduções). Seu irmão mais velho, James Vane, um marinheiro rude e protetor, parte para a Austrália, mas antes jura vingar-se caso Dorian magoe a irmã.

Na noite em que Dorian leva Basil e Lord Henry para ver Sibyl atuar em Romeu e Julieta, tudo desmorona. Apaixonada de verdade, Sibyl decide que o amor real é superior à arte fingida e representa mal de propósito. Furioso por perder a “arte” que amava nela, Dorian rejeita-a cruelmente: “Você matou o meu amor”.

Desesperada, Sibyl suicida-se naquela mesma noite ingerindo ácido prussiano (cianídrico). Ao voltar para casa, Dorian nota a primeira mudança no retrato: um traço sutil de crueldade nos lábios. Em vez de horrorizar-se, ele decide esconder o quadro num quarto trancado da casa e abraçar plenamente a vida de prazeres - agora sabendo que nenhum pecado deixará marcas em seu rosto.

Os dezoito anos de corrupção

Nos dezoito anos seguintes, Dorian mergulha numa existência de excessos que a sociedade londrina sussurra, mas nunca ousa condenar abertamente, graças à sua aparência angelical e à sua fortuna. Drogas, orgias, manipulação emocional, destruição de reputações - tudo fica oculto atrás de sua máscara de juventude eterna.

O grande catalisador intelectual dessa fase é um livro francês que Lord Henry lhe dá (nunca nomeado no romance, mas que Wilde, em seu julgamento de 1895, confirmou ser À rebours - “Contra a Natureza”, 1884 - de Joris-Karl Huysmans), uma bíblia do decadentismo e do esteticismo extremo.

O assassinato de Basil Hallward

Anos depois, na véspera de uma viagem a Paris, Basil visita Dorian para confrontá-lo sobre os boatos escandalosos. Dorian, num acesso de raiva e hipocrisia, leva o pintor ao sótão e revela o retrato - agora uma visão grotesca, putrefata, carregada de todos os seus crimes e vícios.

Enfurecido por ser “culpado” da própria danação, Dorian pega uma faca e assassina Basil com várias facadas. Depois, friamente chantageia um antigo amigo cientista, Alan Campbell, obrigando-o a dissolver o corpo em ácido nítrico.

A perseguição de James Vane

Procurando esquecer o crime, Dorian vai a um antro de ópio. Por coincidência, James Vane - que voltou da Austrália ao saber da morte da irmã - está lá. Ao ouvir alguém chamar Dorian de “Príncipe Encantado”, James tenta matá-lo.

Dorian salva-se mentindo que é jovem demais para ser o homem que conheceu Sibyl dezoito anos antes. Uma prostituta do local, porém, reconhece Dorian e revela a James que ele “vendeu a alma ao diabo” para nunca envelhecer.

James corre atrás dele, mas já é tarde. Dias depois, durante uma caçada na propriedade rural de um duque amigo de Dorian, James, escondido num matagal à espreita, é acidentalmente baleado e morto por um dos caçadores.

O fim: a facada no retrato

Com a última ameaça eliminada, Dorian sente, por um breve instante, o desejo de regeneração. Conhece uma jovem pura chamada Hetty Merton e, pela primeira vez, decide não a corromper. Corre ao sótão para ver se o retrato mostra sinais de melhora.

Encontra-o ainda mais horrendo e percebe que até seu “arrependimento” foi motivado apenas por vaidade e curiosidade estética - mais uma sensação nova a experimentar.

Compreendendo que nunca poderá escapar da própria consciência enquanto o retrato existir, Dorian decide destruí-lo. Pega a mesma faca que matou Basil e apunhala o quadro no coração.

Os criados ouvem um grito terrível. Quando arrombam a porta do sótão, encontram um velho cadavérico, enrugado e irreconhecível, esfaqueado no peito - é Dorian Gray, finalmente carregando no corpo toda a podridão de sua alma. Ao lado do corpo, o retrato voltou à sua beleza original, intocado e radiante.

Curiosidades e contexto histórico

Publicado inicialmente em 1890 na revista Lippincott’s Monthly Magazine, o romance causou escândalo imediato. Críticos acusaram-no de imoralidade, e a versão revista de 1891 (com seis capítulos novos e um prefácio famoso defendendo a arte pela arte) foi usada como prova no julgamento de Wilde por “indecência grave” em 1895 - o que acabou levando-o a dois anos de trabalhos forçados e à sua ruína.

Oscar Wilde afirmou que Basil representa o que ele achava que era, Lord Henry o que o mundo pensava que ele era, e Dorian o que ele gostaria de ter sido em outras épocas.

O livro é considerado um dos precursores da literatura gótica moderna, do horror psicológico e até da estética “faustiana” do século XX. O Retrato de Dorian Gray permanece uma das mais perturbadoras fábulas morais da literatura: a beleza sem consciência é o mais terrível dos monstros.