O Putsch da Cervejaria - A Tentativa de Golpe de Adolf Hitler em 1923
O
Putsch da Cervejaria, também conhecido como Putsch de Munique, foi uma
tentativa frustrada de golpe de Estado liderada por Adolf Hitler e pelo Partido
Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) contra o governo da
Baviera, em 8 e 9 de novembro de 1923.
Este
evento marcou um momento crucial na ascensão de Hitler, apesar de seu fracasso
imediato, pois proporcionou ao futuro ditador uma plataforma para consolidar
sua imagem pública e refinar sua estratégia política.
Contexto Histórico
A
Alemanha do início da década de 1920 vivia um período de instabilidade
política, econômica e social após a derrota na Primeira Guerra Mundial
(1914-1918).
O
Tratado de Versalhes (1919) impôs duras reparações ao país, alimentando
ressentimentos nacionalistas. A hiperinflação devastava a economia, enquanto
movimentos extremistas de esquerda e direita disputavam o poder em meio a
greves, revoltas e crises governamentais.
A
Baviera, uma região com forte tradição autonomista, era particularmente
instável, governada por uma coalizão conservadora sob a liderança de fato de
Gustav von Kahr, comissário estadual, que mantinha uma relação ambígua com
grupos nacionalistas radicais, incluindo os nazistas.
Inspirado
pela Marcha sobre Roma de Benito Mussolini em 1922, que levou os fascistas ao
poder na Itália, Hitler viu na Baviera uma oportunidade para iniciar uma
"revolução nacional".
Seu
plano era tomar o controle de Munique, capital da Baviera, e de lá marchar para
Berlim, desafiando o governo central da República de Weimar.
O Golpe
Na
noite de 8 de novembro de 1923, Hitler, acompanhado por membros da SA
(Sturmabteilung, a milícia paramilitar nazista), invadiu a cervejaria
Bürgerbräukeller, em Munique, onde Gustav von Kahr discursava para cerca de
3.000 pessoas.
Hitler
subiu em uma mesa, disparou um tiro no teto para chamar a atenção e declarou
que a "revolução nacional" havia começado. Ele anunciou a formação de
um novo governo com Erich Ludendorff, um general da Primeira Guerra Mundial e
figura respeitada entre os nacionalistas, como líder simbólico.
Hitler,
Ludendorff e seus seguidores contavam com o apoio inicial de Kahr, do chefe de
polícia Hans von Seisser e do comandante da Reichswehr (exército bávaro) Otto
von Lossow. Esses líderes, embora simpáticos à ideias nacionalistas, hesitavam
em apoiar abertamente um golpe contra o governo central.
Após
negociações tensas na cervejaria, Hitler acreditava ter garantido a lealdade
deles, mas Ludendorff, confiando em sua palavra, permitiu que Kahr, Seisser e
Lossow fossem libertados.
Essa
decisão seria fatal: uma vez livres, os três líderes denunciaram o golpe e
mobilizaram as forças estatais para esmagá-lo. Na manhã de 9 de novembro,
Hitler e cerca de 2.000 seguidores, incluindo figuras como Rudolf Hess, Hermann
Göring e Ernst Röhm, marcharam em direção ao centro de Munique, rumo ao
Ministério da Guerra Bávaro.
A
marcha, que pretendia ser o início da "Marcha sobre Berlim", foi
interceptada por forças policiais na Odeonsplatz. Um confronto violento
resultou na morte de 16 nazistas e 4 policiais. Ludendorff foi ferido, mas
continuou marchando até ser preso.
Hitler,
que sofreu uma luxação no ombro durante a confusão, fugiu do local e se
escondeu na casa de Ernst Hanfstaengl, um apoiador do partido. Lá, ele
considerou o suicídio antes de ser capturado pelas autoridades dois dias
depois, em 11 de novembro.
Consequências e Julgamento
Hitler
foi acusado de alta traição e enfrentou julgamento em abril de 1924. O
processo, realizado em Munique, tornou-se uma plataforma inesperada para sua
propaganda.
Os
juízes, simpáticos às ideias nacionalistas, permitiram que Hitler discursasse
livremente, transformando o tribunal em um palco para suas ideias. Seus
discursos inflamados, que atacavam a República de Weimar e exaltavam o
nacionalismo, conquistaram a atenção da imprensa e de setores da sociedade
alemã.
Ele
afirmou, por exemplo, que "a história me absolverá", projetando-se
como mártir de uma causa maior. Condenado a cinco anos de prisão, Hitler foi
enviado à fortaleza de Landsberg, onde cumpriu apenas nove meses, beneficiado
por um regime leniente.
Durante
seu encarceramento, ele recebeu tratamento privilegiado, incluindo visitas
frequentes e correspondências de apoiadores, o que reforçou sua percepção de
popularidade. Foi nesse período que escreveu Mein Kampf ("Minha
Luta"), um manifesto que combinava sua autobiografia, ideologia
antissemita, anticomunista e expansionista, além de sua visão para o futuro da
Alemanha. O livro, inicialmente recebido com pouco entusiasmo, tornou-se um
pilar da propaganda nazista anos depois.
Impacto a Longo Prazo
O
fracasso do Putsch da Cervejaria ensinou a Hitler lições cruciais. Ele
abandonou a ideia de tomar o poder pela força e decidiu buscar a ascensão por
meios legais, manipulando o sistema democrático da República de Weimar.
Como
ele próprio afirmou, a democracia deveria ser "destruída por suas próprias
forças". Essa estratégia culminaria em sua nomeação como chanceler em 30
de janeiro de 1933, menos de uma década depois, em um contexto de crise
econômica agravada pela Grande Depressão e de crescente polarização política
entre nazistas e comunistas.
A
propaganda nazista transformou os 16 mortos do Putsch em mártires, celebrados
como heróis do movimento. A data de 9 de novembro tornou-se um marco no
calendário nazista, com cerimônias anuais após a ascensão de Hitler ao poder.
A
cervejaria Bürgerbräukeller permaneceu um símbolo do movimento, usada em
eventos do partido até sua destruição durante a Segunda Guerra Mundial.
Detalhes Adicionais
Apoio e
Traição: A relação de Hitler com Kahr, Seisser e Lossow reflete as tensões
entre nacionalistas radicais e conservadores tradicionais na Baviera. Enquanto
Hitler buscava uma revolução total, seus aliados hesitavam, temendo as
consequências de um confronto direto com o governo central.
Papel
de Ludendorff: A presença de Ludendorff conferiu legitimidade ao golpe, mas sua
decisão de libertar Kahr e os outros líderes revelou uma ingenuidade política
que contrastava com a astúcia de Hitler.
Propaganda
Nazista: Após o golpe, os nazistas transformaram a derrota em uma narrativa de
heroísmo e sacrifício, explorando a morte dos 16 membros para galvanizar apoio
ao partido.
Conexão
com a Crise Econômica: A hiperinflação de 1923, que devastou a classe média
alemã, criou um terreno fértil para o discurso de Hitler, que prometia
restaurar a "grandeza" da Alemanha.
Conclusão
O
Putsch da Cervejaria foi um fracasso militar e político, mas um sucesso
propagandístico. Ele revelou a ambição de Hitler, sua habilidade em transformar
derrotas em vitórias simbólicas e sua capacidade de aprender com os erros.
O
evento consolidou o NSDAP como uma força política emergente e preparou o
terreno para a ascensão de Hitler ao poder em 1933, em um contexto de crise que
ele soube explorar magistralmente.
O Putsch permanece um marco histórico, ilustrando como momentos de instabilidade podem ser usados por líderes carismáticos para alcançar objetivos de longo prazo.
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