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sexta-feira, abril 14, 2023

Lindomar Castilho e Eliane de Grammont

Lindomar Castilho e Eliane de Grammont

Lindomar Castilho e Eliane de Grammont - Eliane Aparecida de Grammont era cantora e tinha 26 anos de idade quando foi assassinada. No dia 30 de março de 1981, ela can­tava no bar "Belle Epoque", situado na Alameda Santos, 1091, em São Paulo, quando seu ex-marido Lindomar Castilho, portando arma de fogo, surgiu de repente, em estado visivelmente alterado, aproxi­mou-se da moça e disparou cinco tiros.

Eliane foi alvejada no peito. Outro tiro acertou o violonista Carlos Roberto da Silva, cujo nome artístico era Carlos Randal, que tocava ao seu lado, era primo de Lindomar e foi ferido no abdômen. Dois tiros ficaram fixados na parede e a quinta bala não foi encontrada.

Faltava pouco para a uma hora da manhã. A jovem cantora, de promissora carreira, terminava ali sua vida, fulminada pelo despeito e pelo rancor do ex-marido.

Lindomar, que praticou o ato na presença do público e depois tentou fugir, foi agarrado e dominado pelo dono do bar e pelos frequentadores do local. Quase foi linchado. 

A Polícia chegou algum tempo depois e encontrou o assassino com os pés e mãos amarrados, caído na calçada. Levaram-no ao Hospital das Clínicas e depois ao 4º Distrito Policial, onde foi autuado em flagrante e recolhido à Casa de Detenção.

Eliane morreu antes de ser atendida no Pronto-Socorro Briga­deiro, para onde chegou a ser levada. Seu corpo foi sepultado, à tarde, no cemitério do Araçá, sob grande revolta da família, dos amigos e dos fãs. Deixou uma filha de 2 anos, que tivera com Lindomar.



O violonista Carlos Randal, embora ferido, foi socorrido e recuperou-se.

Conforme declarações prestadas por Randal ao jornal Folha de S. Paulo, de 12 de abril de 1981, no dia dos fatos, acompanhava Eliane ao violão quando Lindomar chegou. "Levantei os olhos, deparei com Lindomar que apontava a arma na direção de Eliane, segurando com as duas mãos. 

Ele estava quase a dois metros dela quando disparou. Levantei do banco e atirei o violão no rosto do assassino, saltando em seguida sobre ele, sendo ajudado pelo proprietário do café, que desarmou Lindomar. 

Somente mais tarde, quando corria em direção à rua Pamplona para pedir socorro, percebi que também estava feri­do, com uma bala na barriga. Mesmo assim, acompanhei Eliane, que chegou morta no hospital".

O assassinato da cantora, na flor da idade, pelo ex-marido, também cantor, ambos conhecidos e estimados pelo público, gerou grande comoção popular. O homicídio fora cruel, desnecessário, despropositado.

Eliane havia conhecido Lindomar na gravadora RCA, na qual ambos gravaram discos. O cantor estava bem de vida, já tendo cons­tituído um patrimônio pessoal. 

Fixaram o regime nupcial de separa­ção de bens por exigência de Eliane, que não queria dar a impressão de estar interessada no patrimônio do consorte. Ela afirmava que realmente gostava dele. Sua família, porém, não via a união com bons olhos.

Casaram-se em 10 de março de 1979, depois de morar um tem­po juntos, e tiveram uma filha, mas o casamento nunca andou bem. 

O cantor era agressivo, ciumento, tinha conduta violenta e costuma­va fazer uso de bebidas alcoólicas sem nenhuma moderação. Espan­cava a esposa e, em episódio anterior, tentara estrangulá-la. 

Eliane teve de abandonar sua profissão de cantora, que somente retomou depois da separação do casal.

Quando morreu, fazia seis meses que tinha voltado a cantar e apenas vinte dias que o desquite havia sido formalizado.



Em 24 de abril do mesmo ano, o Juiz José Roberto Barbosa de Almeida, da 1ª Vara Auxiliar do Júri da Capital, atendeu ao pedido de liberdade provisória, formulado pelos advogados de Lindomar, e permitiu que ele aguardasse o julgamento em liberdade. 

A decisão que o libertou fundamentou-se na primariedade do réu e na inexistência de perigo para a sociedade, não estando presentes os pressupostos da prisão preventiva.

Em 8 de maio, Lindomar foi ao Fórum para ser interrogado, ocasião em que declarou ter certeza de que sua ex-mulher tinha um caso com Carlos Randal. Formou-se um grande tumulto no local, com feministas da organização "SOS Mulher" portando faixas de protesto. 

O advogado de defesa Valdir Trancoso Peres não quis que o acusado entrasse ou saísse pela porta dos fundos, insistindo para que Lindomar enfrentasse a imprensa e os manifestantes, utilizando-se dos espaços públicos do Fórum. "Meu cliente", disse ele, "não tem motivos para se esconder". 

Assim, foi necessário um pelotão forma­do por dezesseis policiais, comandados por um tenente, para acom­panhar réu e advogado na tumultuada saída da audiência.

Lindomar foi pronunciado por homicídio qualificado pelo motivo fútil e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima, além de tentativa de homicídio. 

A defesa recorreu e, em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qualificadora do motivo fútil foi afastada. O relator, Desembargador Prestes Barra, entendeu que "o ciúme, fonte de paixão, não pode ser considerado motivo fútil".



Inicialmente, a família de Eliane contratou o advogado José Carlos Dias para assistente da acusação. 

Algum tempo depois, o caso foi entregue a Márcio Tomaz Bastos, então presidente da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, encarregado de atuar em plenário do Júri. 

Em entrevista concedida à Folha de S. Paulo (23-8-1984), em seu escritório, Márcio declarou: "Não se aceita mais um crime como este. Os ventos mudaram. É o chamado falso crime passional. Lindomar se dizia apaixonado e traído pela mulher, mas eles já estavam separados há um ano. 

Foi um crime premeditado. Quando Lindomar entrou naquele bar, ele entrou para fuzilar Eliane". E finalizou repetindo "quem ama não mata", frase cunhada pelos movimentos feministas de então.

O julgamento de Lindomar foi acompanhado por grande quan­tidade de pessoas, tanto no auditório do 1º Tribunal do Júri de São Paulo quanto do lado de fora do prédio. Havia manifestantes na rua cortando faixas e gritando: "quem ama não mata", "bolero de ma­chão só se canta na prisão", "sem punição, as mulheres morrerão". 

As feministas, bem organizadas, ficaram de vigília até o final do julgamento. Houve reação de um grupo que se autodenominou os "machistas", que proferia agressões verbais e atirava ovos nas mu­lheres. Gritavam "olê, olá, Lindomar tá botando pra quebrar". 

A Pra­ça da Sé transformou-se em área de conflito e a Polícia compareceu para evitar o tumulto.

Enquanto isso, em plenário, o Promotor de Justiça Antônio Visconti proferia a acusação. Saiu-se muito bem, em sua fala de uma hora. 

Seguiu-se o advogado assistente de acusação, Márcio Tomaz Bastos, por mais uma hora, empolgando a assistência. Concluída a acusação, o público aplaudiu de pé.


A tarefa da defesa, por sua vez, não foi fácil. Lindomar matou Eliane de surpresa, na frente de muita gente, depois de consolidada a separação do casal. 

Não havia desculpa para ele. O advogado Valdir Troncoso Peres não falou da legítima defesa da honra, mas de homi­cídio privilegiado, resultante de violenta emoção. Embora muito talentoso, Valdir não convenceu os jurados neste aspecto. 

A tese da violenta emoção, que atenua a pena do homicídio, não foi aceita. Quanto à tentativa de homicídio contra Carlos Randal, Valdir alegou não ter existido. Lindomar não teria tido a intenção de matar o primo, tendo-o atingido por imperícia na utilização da arma de fogo. 

Ele teria apontado a arma na direção de Eliane e atingido, sem que­rer, o violonista que se encontrava próximo. O crime seria apenas de lesão corporal culposa, de natureza leve, e nunca de tentativa de ho­micídio. Esta tese convenceu o Conselho de Sentença.

Ao final, por 4 votos a 3, o Júri decidiu ter ocorrido homicídio qualificado pelo meio que impossibilitou a defesa da vítima, sendo que, com relação a Randal, não teria havido tentativa de homicídio, mas sim lesão corporal culposa. 

A pena fixada foi de doze anos e dois meses de reclusão. Era 25 de agosto de 1984. Lindomar tinha 46 anos.

O condenado apresentou-se para ser preso e foi levado à Casa de Detenção de São Paulo. Posteriormente, foi transferido para Goiânia, sua terra natal e onde residia a maioria de seus parentes. 

Em 1986, conseguiu progredir para o regime semiaberto de cumprimento de pena, e, em 1988, recebeu o benefício do livramento condicional cumpriu integralmente sua pena, embora de forma flexível, em decorrência dos benefícios que lhe foram concedidos. 

A época, não havia a Lei dos Crimes Hediondos, que, a partir de 1994, considerou o autor de homicídio qualificado merecedor de maior rigor no regi­me de cumprimento de pena.

Durante o período em que esteve preso, Lindomar chegou a gravar um LP. A gravadora fez um play-back em estúdio e depois mandou uma equipe a Goiânia gravar a voz do cantor.

Em São Paulo, por iniciativa da Prefeita Luiza Erundina, em 9 de março de 1990, criou-se a "Casa Eliane de Grammont", que dá amparo às mulheres vítimas de violência e promove debates sobre o tema.

(A história de Lindomar e Eliane está baseada em material de impren­sa colhido nos arquivos dos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde.)

Do Livro: A Paixão no Banco dos Réus

Autora: Dra. Luiza Nagib Eluf

 

 

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