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segunda-feira, dezembro 22, 2025

Lindomar Castilho e Eliane de Grammont

Lindomar Castilho e Eliane de Grammont


O Caso Lindomar Castilho e Eliane de Grammont

Eliane Aparecida de Grammont nasceu em 10 de agosto de 1955, em São Paulo, e despontava como uma cantora e compositora promissora da Música Popular Brasileira. Filha da compositora Elena de Grammont e irmã da jornalista Helena de Grammont, cresceu em um ambiente profundamente ligado à arte e à cultura.

Desde jovem, demonstrou talento musical e iniciou sua trajetória profissional ainda na década de 1970. Foi em 1977, nos corredores da gravadora RCA, que Eliane conheceu o cantor Lindomar Castilho.

À época, Lindomar já era um artista consagrado, conhecido como o “Rei do Bolero”, com sucessos populares como “Você É Doida Demais” e “Eu Vou Rifar Meu Coração”. Ele era cerca de 15 anos mais velho que Eliane.

O namoro evoluiu rapidamente e, após dois anos, os dois se casaram em 1979. Da união nasceu uma filha, Liliane, conhecida como Lili de Grammont. Apesar da imagem pública de romance, o relacionamento era marcado por um cotidiano de conflitos.

Relatos posteriores indicam que Lindomar demonstrava ciúmes excessivos, comportamento possessivo, episódios de agressão física e abuso de álcool. Além disso, pressionava Eliane a abandonar a carreira artística, o que representava uma forma de controle sobre sua autonomia. Após cerca de um ano de casamento, Eliane decidiu se separar, buscando retomar sua vida pessoal e profissional.

Na madrugada de 30 para 31 de março de 1981, Eliane, então com 25 anos, apresentava-se na boate Belle Époque, localizada na Alameda Santos, nº 1091, no bairro da Bela Vista, em São Paulo.

Durante o show, ela interpretava “João e Maria”, de Chico Buarque, acompanhada pelo violonista Carlos Roberto da Silva, conhecido artisticamente como Carlos Randall, primo de Lindomar.

O momento tornou-se tragicamente simbólico: Eliane cantava os versos “agora era fatal que o faz de conta terminasse assim” quando o agressor entrou no local.

Visivelmente alterado, Lindomar Castilho invadiu a boate armado com um revólver calibre 38 e disparou cinco tiros. Eliane foi atingida no peito e morreu a caminho do hospital.

Um dos disparos feriu Carlos Randall no abdômen; ele sobreviveu e, junto com o dono da casa noturna e frequentadores, ajudou a imobilizar Lindomar. Dois tiros atingiram a parede, e a quinta bala nunca foi localizada.

Após tentar fugir, Lindomar foi detido no local, espancado por testemunhas e preso em flagrante. O crime, motivado por ciúmes - Lindomar desconfiava de um suposto relacionamento entre Eliane e o músico - chocou o país e teve enorme repercussão na imprensa.

Naquele período, o assassinato foi tratado como “crime passional”, uma classificação que frequentemente servia para atenuar a responsabilidade dos agressores. Hoje, o caso é reconhecido como um claro exemplo de feminicídio.

O enterro de Eliane, realizado no Cemitério do Araçá, tornou-se um ato de protesto. Mensagens de organizações feministas foram deixadas no local, e, dias depois, mais de mil mulheres marcharam vestidas de preto pelas ruas de São Paulo, empunhando cartazes com frases como “Quem ama não mata”.

A mobilização evidenciou a indignação social diante da violência contra a mulher e da conivência histórica do sistema judicial. O caso Eliane de Grammont passou a integrar o debate nacional sobre a chamada “legítima defesa da honra”, argumento jurídico também utilizado em crimes como o assassinato de Ângela Diniz.

A repercussão contribuiu para avanços institucionais importantes, como a criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher em São Paulo, em 1985, e do Centro de Atendimento Casa Eliane de Grammont, fundado em 1990, referência no acolhimento de mulheres vítimas de violência.

Lindomar Castilho respondeu ao processo em liberdade por ser réu primário. Em 1984, foi condenado por júri popular a 12 anos e dois meses de prisão. Durante o julgamento, a defesa tentou desqualificar a vítima, alegando infidelidade e negligência materna - uma estratégia comum na época, hoje amplamente criticada.

Lindomar cumpriu cerca de sete anos em regime fechado e o restante em regime semiaberto, obtendo liberdade definitiva em 1996. Enquanto estava preso, gravou o álbum Muralhas da Solidão. Nos anos 2000, tentou retomar a carreira musical com um disco ao vivo, mas enfrentou protestos de movimentos feministas e acabou se afastando da vida pública, vivendo em relativo ostracismo.

Lindomar Castilho faleceu em 20 de dezembro de 2025, aos 85 anos, em Goiânia (GO), em decorrência de complicações de saúde. Ele havia sido diagnosticado com doença de Parkinson cerca de dez anos antes e enfrentava uma infecção pulmonar.

A morte foi anunciada por sua filha, Lili de Grammont, que retomou contato com o pai na década de 1990 e transformou sua história pessoal em arte, especialmente no espetáculo Memórias em Conta-Gotas.

Em sua declaração pública, Lili refletiu:

“Ao tirar a vida da minha mãe, ele também morreu em vida. O homem que mata também morre. Morre o pai e nasce um assassino, morre uma família inteira.”

Décadas depois, o caso Eliane de Grammont permanece emblemático na luta contra a violência de gênero no Brasil. Ele expõe como assassinatos de mulheres foram historicamente minimizados sob o rótulo de “crimes passionais” e reforça a importância da mobilização feminista, da mudança de mentalidades e do fortalecimento de políticas públicas de proteção às mulheres.


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