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sexta-feira, dezembro 12, 2025

Fresta de sol


 

Era só uma fresta de sol na janela. Mas era tão intensa, tão viva e tão bonita que parecia impossível vir de um único ponto. Por aquele fio dourado cruzava um mundo inteiro: o canto de um passarinho recém-acordado, o perfume leve das flores do campo, uma brisa fresca que parecia chegar de muito longe.

Por ali passava tudo o que ela precisava para despertar, agradecer, levantar e acreditar. Naquele instante, o quarto escuro se encheu de luz como um coração que volta a bater.

Ela abriu os olhos devagar, sentindo o calor dourado tocar sua pele como um carinho antigo, desses que ficam guardados na memória mesmo depois de desaparecerem da vida.

Lembrou-se dos dias cinzentos que haviam ficado para trás, daquelas manhãs pesadas em que até o ar parecia mais espesso, e das noites longas em que o silêncio pesava mais que as cobertas.

Mas agora, com aquela fresta insistente, o mundo lá fora parecia chamá-la pelo nome. Levantou-se devagar, descalça, e caminhou até a janela. A madeira rangia levemente sob seus passos, como se a casa também estivesse acordando.

Abriu a janela um pouco mais e deixou a brisa entrar sem pedir licença. O passarinho, que até então cantarolava tímido, aumentou o tom, como se comemorasse a vitória da luz sobre a sombra.

Lá embaixo, no jardim vizinho, as flores silvestres balançavam ao vento, espalhando seu perfume doce pelo ar. Ela sorriu. Agradeceu em silêncio por mais um dia - por aquela pequena brecha que, de tão simples, transformava tudo.

Vestiu-se sem pressa e saiu para a rua. O sol agora se espalhava por inteiro no céu, sem disfarces. O ar parecia mais leve, e os passos dela também. Na esquina, encontrou um velho amigo que não via havia anos. Ele a reconheceu de imediato.

- Não é possível, é você? - disse, abrindo um sorriso feito de surpresa e saudade.

- Sou eu - ela respondeu, e por um instante sentiu o passado chegar com o mesmo frescor da manhã.

Conversaram ali mesmo, de pé na calçada, como quem reencontra um pedaço importante de si. Trocaram palavras que curaram feridas antigas, relembraram histórias que tinham se perdido no tempo e prometeram não deixar tantos anos passar outra vez.

Seguindo seu caminho, viu crianças brincando na praça, correndo com uma alegria tão alta que parecia tocar o céu. Riam como se nada no mundo pudesse detê-las. E, ao vê-las, ela percebeu que a vida, apesar de tudo, ainda pulsava forte, teimosa e bonita.

Ao longo do dia, pequenas maravilhas continuaram acontecendo: um café quente servido com gentileza no balcão da padaria; uma conversa inesperada que trouxe novas ideias; um pôr do sol avermelhado que parecia prometer mais frestas amanhã.

E, quando a noite caiu, ela compreendeu com uma certeza tranquila: às vezes, basta uma pequena abertura, quase nada, para que o mundo inteiro entre - e mude tudo.

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