Era só uma fresta de sol na janela. Mas era
tão intensa, tão viva e tão bonita que parecia impossível vir de um único
ponto. Por aquele fio dourado cruzava um mundo inteiro: o canto de um
passarinho recém-acordado, o perfume leve das flores do campo, uma brisa fresca
que parecia chegar de muito longe.
Por ali passava tudo o que ela precisava para
despertar, agradecer, levantar e acreditar. Naquele instante, o quarto escuro
se encheu de luz como um coração que volta a bater.
Ela abriu os
olhos devagar, sentindo o calor dourado tocar sua pele como um carinho antigo,
desses que ficam guardados na memória mesmo depois de desaparecerem da vida.
Lembrou-se dos dias cinzentos que haviam
ficado para trás, daquelas manhãs pesadas em que até o ar parecia mais espesso,
e das noites longas em que o silêncio pesava mais que as cobertas.
Mas agora, com
aquela fresta insistente, o mundo lá fora parecia chamá-la pelo nome. Levantou-se
devagar, descalça, e caminhou até a janela. A madeira rangia levemente sob seus
passos, como se a casa também estivesse acordando.
Abriu a janela um pouco mais e deixou a brisa
entrar sem pedir licença. O passarinho, que até então cantarolava tímido,
aumentou o tom, como se comemorasse a vitória da luz sobre a sombra.
Lá embaixo, no
jardim vizinho, as flores silvestres balançavam ao vento, espalhando seu
perfume doce pelo ar. Ela sorriu. Agradeceu em silêncio por mais um dia - por
aquela pequena brecha que, de tão simples, transformava tudo.
Vestiu-se sem
pressa e saiu para a rua. O sol agora se espalhava por inteiro no céu, sem
disfarces. O ar parecia mais leve, e os passos dela também. Na esquina,
encontrou um velho amigo que não via havia anos. Ele a reconheceu de imediato.
- Não é possível,
é você? - disse, abrindo um sorriso feito de surpresa e saudade.
- Sou eu - ela
respondeu, e por um instante sentiu o passado chegar com o mesmo frescor da
manhã.
Conversaram ali
mesmo, de pé na calçada, como quem reencontra um pedaço importante de si.
Trocaram palavras que curaram feridas antigas, relembraram histórias que tinham
se perdido no tempo e prometeram não deixar tantos anos passar outra vez.
Seguindo seu
caminho, viu crianças brincando na praça, correndo com uma alegria tão alta que
parecia tocar o céu. Riam como se nada no mundo pudesse detê-las. E, ao vê-las,
ela percebeu que a vida, apesar de tudo, ainda pulsava forte, teimosa e bonita.
Ao longo do dia,
pequenas maravilhas continuaram acontecendo: um café quente servido com
gentileza no balcão da padaria; uma conversa inesperada que trouxe novas
ideias; um pôr do sol avermelhado que parecia prometer mais frestas amanhã.
E, quando a noite caiu, ela compreendeu com uma certeza tranquila: às vezes, basta uma pequena abertura, quase nada, para que o mundo inteiro entre - e mude tudo.









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