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quinta-feira, setembro 11, 2025

Multidões



Eu sou muitos. Há multidões em mim. Na mesa da minha alma, sentam-se inúmeros, e eu sou todos eles. Há um velho encurvado pela sabedoria do tempo, uma criança que ainda se maravilha com o brilho do mundo, um sábio que contempla o infinito e um tolo que tropeça nas próprias ilusões.

Há guerreiros cansados, poetas que sangram em silêncio, rebeldes que desafiam o céu e peregrinos que buscam um lar que nunca encontram. Você nunca saberá com quem está sentado, nem por quanto tempo cada um de mim permanecerá à sua frente.

Sou um mosaico em constante mutação, um caleidoscópio de vozes que se entrelaçam e se contradizem. Mas prometo, com a sinceridade de quem carrega o peso de ser muitos, que, se nos sentarmos à mesa - nesse ritual sagrado da convivência -, eu lhe entregarei ao menos um desses eus, com toda a sua verdade, ainda que fugaz.

E, nesse encontro, correrei os riscos de nos vermos refletidos, de estarmos juntos no mesmo plano, vulneráveis à luz crua da existência. Não se iluda, porém: também carrego sombras.

Há em mim um lado sombrio, um demônio que tento manter acorrentado, mas que, por vezes, escapa e me envergonha. Ele é o grito que não controlo, a raiva que queima sem motivo, o vazio que sussurra nas noites mais longas.

Não sou santo, nem exemplo, e talvez nunca serei. Sou humano, demasiadamente humano, e essa é minha glória e minha ruína. Entre tantos que sou, busco-me incessantemente.

Cada dia é uma batalha para reunir esses fragmentos, para encontrar o fio que costura o velho, a criança, o sábio e o tolo em um só ser. Como já foi dito, em ecos que atravessam séculos: ouse conquistar a ti mesmo.

Mas essa conquista não é um fim, é um eterno começar. É o enfrentamento diário das multidões que me habitam, das vozes que clamam por sentido, das feridas que o tempo não apaga e das esperanças que o mesmo tempo reacende.

E assim sigo, carregando essas multidões, essas almas que dançam e colidem dentro de mim. Cada acontecimento da vida - a alegria que explode, a dor que corta, o amor que eleva, a perda que despedaça - molda essa assembleia interior.

Recentemente, vi-me diante de um espelho partido: a morte de alguém querido trouxe o velho à tona, com sua melancolia sábia, enquanto a criança chorava a ausência.

O sábio tentou explicar o inexplicável, e o tolo quis fugir. Todos eles, em sua desordem, me ensinaram que ser muitos é também ser incompleto, mas é essa incompletude que me faz seguir, que me faz ousar.

Um dia, talvez, eu me descubra. Um dia, serei eu mesmo, definitivamente - ou, quem sabe, aprenderei a amar a multidão que sou, sem exigir um fim para o caos.

Até lá, convido você a sentar-se à minha mesa, a ouvir as vozes que ecoam em mim e a compartilhar as suas. Pois, no fim, somos todos muitos, e é na partilha dessas multidões que encontramos o que nos faz humanos.

Inspirado em Friedrich Nietzsche

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