Grandes admirações me causam os navios e a letra de
certas pessoas que esforço por imitar.
Dos meus, só eu conheço o mar.
Conto e reconto, eles dizem ‘anh’.
E continuam cercando o galinheiro de tela.
Falo de espuma, do tamanho cansativo das águas,
eles nem lembram que tem o Quênia, nem de leve adivinham que estou pensando em
Tanzânia.
Afainosos me mostram o lote: aqui vai ser a
cozinha, logo ali a horta de couve.
Não sei o que fazer com o litoral.
Fazia tarde bonita quando me inseri na janela,
entre meus tios, e vi o homem com a braguilha aberta, o pé de rosa-doida
enjerizado de rosas.
Horas e horas conversamos inconscientemente em
português como se fora está a única língua do mundo.
Antes de depois da fé eu pergunto cadê os meus que
se foram, porque sou humana, com capricho tampo o restinho de molho na panela.
Saberemos viver uma vida melhor que esta, quando
mesmo chorando é tão bom estarmos juntos?
Sofrer não é em língua nenhuma.
Sofri e sofro em Minas Gerais e na beira do oceano.
Estarreço de estar viva. Ó luar do sertão, ó matas
que não preciso ver pra me perder, ó cidades grandes, estados do Brasil que amo
como se os tivesse inventado.
Ser brasileira me determina de modo emocionante e
isto, que posso chamar de destino, sem pecar, descansa meu bem-querer.
Tudo junto é inteligível demais e eu não suporto.
Valha-me noite que me cobre de sono.
O pensamento da morte não se acostuma comigo.
Estremecerei de susto até dormir.
E, no entanto, é tudo tão pequeno.
Para o desejo do meu coração o mar é uma gota.
Adélia Prado
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