Mais uma manhã perdida no verão
vai se arrefecendo. Acho que perdi um pouco a referência de anos, estações,
dias etc.
Aquela desorganização ordeira de
passos compromissados vai dando espaço a um silêncio desconfortável: aquele angustiante
hiato de tempo antes do soco - já previsto - acertar o estômago.
Caninos afiados (levemente gastos
pelo uso constante) começam a perfurar as expressões de vida cuspindo-as no
balde da rotina. Olho para todos estes zumbis vestidos de pressa e precisões
inadiáveis e luto contra a sensação de estar frente a um espelho sujo e
demasiado lúcido.
Queria sentir-me resignado, mas
algo em mim ainda refuta o papel de engrenagem. Então grito sem proferir som
algum; vocifero à minha alma com a intensidade inerente às coisas que já doeram
tanto que nem doem mais.
Abro a janela enferrujada da
rotina e vejo filhotes de pardal reinventando o voo; descobrindo a liberdade em
sua quintessência: jogam-se da árvore como se viver ou morrer não fossem
opções, mas apenas uma força despreparada contra a covardia.
Uma brisa de monóxido de carbono
carrega esta hora inexata enquanto o rebanho tenta seguir ordens de pastores
desorientados. Ao contrário dos pequenos pássaros, elas já nem balem, apenas
aceitam a covardia.
Começo a andar no sentido
contrário de tudo, sem me preocupar com o itinerário e, sem querer, tenho a
leve e perfumada sensação de que isso talvez seja viver.
A. Christo.
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