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segunda-feira, janeiro 30, 2023

Rotina




Mais uma manhã perdida no verão vai se arrefecendo. Acho que perdi um pouco a referência de anos, estações, dias etc.

Aquela desorganização ordeira de passos compromissados vai dando espaço a um silêncio desconfortável: aquele angustiante hiato de tempo antes do soco - já previsto - acertar o estômago.

Caninos afiados (levemente gastos pelo uso constante) começam a perfurar as expressões de vida cuspindo-as no balde da rotina. Olho para todos estes zumbis vestidos de pressa e precisões inadiáveis e luto contra a sensação de estar frente a um espelho sujo e demasiado lúcido.

Queria sentir-me resignado, mas algo em mim ainda refuta o papel de engrenagem. Então grito sem proferir som algum; vocifero à minha alma com a intensidade inerente às coisas que já doeram tanto que nem doem mais.

Abro a janela enferrujada da rotina e vejo filhotes de pardal reinventando o voo; descobrindo a liberdade em sua quintessência: jogam-se da árvore como se viver ou morrer não fossem opções, mas apenas uma força despreparada contra a covardia.

Uma brisa de monóxido de carbono carrega esta hora inexata enquanto o rebanho tenta seguir ordens de pastores desorientados. Ao contrário dos pequenos pássaros, elas já nem balem, apenas aceitam a covardia.

Começo a andar no sentido contrário de tudo, sem me preocupar com o itinerário e, sem querer, tenho a leve e perfumada sensação de que isso talvez seja viver.

A. Christo.

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