"Você
nunca observa animais praticando as absurdas, e por vezes horríveis, enganações
associadas à mágica ou à religião. Apenas o ser humano se entrega a tais
ilusões com tamanha disposição e, muitas vezes, sem qualquer benefício
evidente.
Esse é
o preço que ele paga por sua inteligência - uma inteligência que o eleva acima
das demais criaturas, mas que, paradoxalmente, não é suficiente para livrá-lo
das armadilhas que ele mesmo cria."
Essa
reflexão de Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo, aponta para uma
característica singular da humanidade: a capacidade de criar narrativas
complexas, sejam elas místicas, religiosas ou ilusionistas, que muitas vezes
transcendem a realidade objetiva.
Diferentemente
dos animais, que agem movidos por instintos e necessidades concretas, o homem
utiliza sua inteligência para construir sistemas de crenças que, embora possam
inspirar, unir ou consolar, também têm o potencial de manipular, dividir e
causar sofrimento.
Huxley
sugere que essa tendência à "enganação gratuita" é um subproduto da
inteligência humana - uma inteligência que permite ao homem imaginar o
impossível, mas que frequentemente falha em discernir entre o que é ilusão e o
que é verdade.
A
mágica, por exemplo, encanta ao desafiar as leis da física, criando momentos de
espanto e deleite. No entanto, sua essência reside na manipulação da percepção,
um truque que explora as limitações do cérebro humano.
Da
mesma forma, Huxley critica certas manifestações religiosas que, em sua visão,
podem se basear em dogmas ou promessas infundadas, levando as pessoas a agirem
contra seus próprios interesses ou a perpetuarem conflitos.
Ao
longo da história, essa propensão à enganação tem se manifestado de maneira
trágica e fascinante. Guerras foram travadas em nome de crenças religiosas,
enquanto charlatães e falsos profetas exploraram a fé alheia para enriquecer ou
exercer poder.
No
século XX, por exemplo, regimes totalitários usaram propaganda – uma forma
moderna de "mágica" - para manipular milhões, criando ilusões de
superioridade nacional ou utopias inalcançáveis.
Mesmo
na era contemporânea, a disseminação de desinformação nas redes sociais reflete
essa mesma vulnerabilidade humana: a predisposição a acreditar em narrativas
que confirmem nossos desejos ou medos, mesmo que careçam de fundamento.
No
entanto, a crítica de Huxley não deve ser lida como uma condenação absoluta da
religião ou da imaginação humana. A espiritualidade, em suas formas mais
genuínas, pode oferecer sentido e esperança, enquanto a mágica, como arte,
celebra a criatividade e a capacidade de surpreender.
O
problema reside no excesso, na manipulação e na falta de autocrítica. A
inteligência humana, embora poderosa, exige humildade e discernimento para não
se perder em suas próprias criações.
Assim,
o desafio proposto por Huxley permanece atual: como podemos usar nossa
inteligência para transcender as ilusões que nós mesmos criamos?
Talvez
a resposta esteja em cultivar uma mente curiosa, que questione sem cinismo e
busque a verdade sem arrogância. Somente assim poderemos pagar o preço da nossa
inteligência sem sucumbir às enganações que ela nos impõe.
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