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sexta-feira, julho 25, 2025

Não tive tempo

 

Hoje, ao atender o telefone que tocava insistentemente, meu mundo desabou. Entre soluços e uma voz embargada do outro lado da linha, recebi a notícia que nunca imaginei ouvir: meu melhor amigo, meu companheiro de jornada, aquele que sempre esteve ao meu lado nos momentos mais difíceis, havia sofrido um grave acidente de carro.

Ele faleceu quase instantaneamente. O choque me paralisou. Desliguei o telefone sem dizer muito, como se as palavras tivessem se dissolvido na dor. Caminhei lentamente até meu quarto, meu refúgio, onde o silêncio parecia gritar mais alto que meus pensamentos.

Fechando a porta, as lembranças de nossa amizade inundaram minha mente como um filme em câmera lenta. Voltei à nossa juventude, à faculdade, aos dias em que a vida parecia leve e cheia de possibilidades.

Lembrei das noites em bares, das conversas intermináveis regadas a risadas e cervejas, dos amores não correspondidos que confessávamos entre suspiros, das colas improvisadas para as provas, da cumplicidade que nos unia.

Os sorrisos... ah, como eles vinham fácil naquela época! Cada gargalhada compartilhada era um tijolo na construção de uma amizade que eu julgava inabalável. Lembrei da formatura, um marco agridoce.

A emoção de conquistar o diploma misturava-se à melancolia das despedidas. Nos abraçamos com lágrimas nos olhos, prometendo que a distância não nos separaria, que manteríamos contato, que novos encontros viriam.

Nos olhos dele, vi a promessa sincera de que eu nunca seria esquecido. E, de fato, ele nunca me esqueceu. Ele cumpriu sua parte. Mas eu... eu falhei. Perdi a conta das vezes em que ele me ligou quando eu estava no fundo do poço, com sua voz calorosa trazendo alento.

Ele sempre encontrava tempo para me ouvir, para me encorajar. E eu? Quantas vezes respondi aos e-mails que ele me enviava, cheios de esperança, histórias engraçadas e promessas de um futuro melhor?

Minha caixa de entrada se acumulava com suas mensagens, mas eu as deixava lá, intocadas, porque "não tinha tempo". Sempre tão ocupado, tão preso às minhas prioridades, eu ignorava o que realmente importava.

Lembro do dia em que acordei no hospital após a cirurgia para retirada do apêndice. Foi o rosto preocupado dele que vi ao abrir os olhos, sua presença silenciosa me dando força.

Quando perdi meu pai, foi no ombro dele que chorei até esgotar as lágrimas. Quando meu noivado desmoronou, foi ele quem ouviu minhas lamúrias, pacientemente, sem nunca julgar.

Ele estava lá, sempre. Mas eu... onde estive quando ele precisou de mim? Vasculhei minha mente, tentando lembrar de uma única vez em que peguei o telefone só para dizer o quanto ele era importante, o quanto sua amizade iluminava minha vida.

Não consegui. Eu era um homem ocupado demais. O trabalho, as reuniões, as metas, a correria do dia a dia - tudo parecia mais urgente. Não me dei ao trabalho de enviar um texto simples, uma mensagem de carinho, algo que pudesse alegrar o dia dele. Não tinha tempo.

Agora, com o coração em pedaços, percebo meu egoísmo. Nunca notei que ele estava bebendo mais do que o normal. Achava graça no seu jeito expansivo após alguns copos, no seu riso fácil, na sua energia contagiante.

Para mim, ele era apenas uma ótima companhia, bêbado ou não. Só agora, tarde demais, enxergo os sinais que ignorei. Talvez ele estivesse se sentindo sozinho, perdido, precisando de alguém que o ouvisse como ele sempre me ouviu.

Aquelas mensagens engraçadas que ele deixava na minha secretária eletrônica, as mesmas que deletei sem responder, talvez fossem um pedido de ajuda disfarçado. Elas nunca sairão da minha consciência.

Se eu tivesse saído do meu pedestal egocêntrico, se tivesse dedicado um pouco do meu precioso tempo, talvez ele não tivesse se afogado na bebida. Talvez não tivesse pegado o carro naquela noite, em um estado em que claramente não podia dirigir.

Talvez ele ainda estivesse aqui, com seu sorriso largo e sua energia que iluminava tudo ao redor. Mas eu não vi. Eu não quis ver. E agora, as perguntas que martelam minha mente - “Por que ele estava bebendo tanto?

Por que não me contou o que sentia? Como eu não percebi?” - jamais terão resposta. O tempo, que sempre usei como desculpa, me roubou a chance de fazer diferente.

Com o coração pesado, escolho uma roupa preta, que reflete o luto que carrego. Ligo para meu chefe e aviso que não irei trabalhar hoje. Talvez nem amanhã, nem depois.

Preciso desse tempo para chorar, para homenagear com meu pranto aquele que foi uma das pessoas mais importantes da minha vida. E, ironicamente, descubro que, para acompanhar seu corpo sem vida, para me despedir dele em um funeral silencioso, eu tenho tempo.

Essa dor me ensinou uma lição amarga: o tempo é implacável. Ele não espera, não perdoa, não volta atrás. Se você não tomar as rédeas da sua vida, ele te engole e te escraviza.

Hoje, trabalho com o mesmo empenho de sempre, mas apenas durante o expediente. Fora dele, sou um ser humano, não apenas “o profissional”. Nunca mais deixei uma mensagem na minha secretária eletrônica sem resposta, nem que seja com um simples “oi”.

Encho a caixa de entrada dos meus amigos com mensagens de carinho, histórias engraçadas, palavras de esperança. Digo às pessoas o quanto elas são importantes para mim, porque aprendi que essas palavras não podem esperar.

Abraço meus irmãos, meus pais, meus amigos. Esses laços, tão frágeis e tão preciosos, podem se desfazer em um instante. Distribuo sorrisos e gestos de afeto a todos que cruzam meu caminho - afinal, por que guardá-los?

A vida é curta, e o tempo é um mestre cruel que nos ensina, às vezes tarde demais, o que realmente importa. Se você chegou até aqui, encontrou um tempinho para ler este texto.

Agora, peço que reserve mais um minuto para fazer algo simples, mas poderoso: mande uma mensagem para um amigo, diga a um familiar que você o ama, mostre às pessoas queridas que elas são importantes.

Não deixe para amanhã, porque o amanhã pode não chegar. Faça alguém sorrir hoje, amanhã e sempre. A vida é feita de pequenos gestos, e são eles que constroem memórias que nunca serão apagadas.

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