Manuel
Blanco Romasanta, conhecido também como “ O Sacamanteigas”, “O Homem do Unto”
ou “O Homem Lobo de Alhariz”, é um caso insólito de licantropia clinica acontecido
em Galiza durante o reinado de Isabel II, no século XIX.
Início de Vida
Manuel
Blanco Romasanta nasce numa pequena localidade galega de Ourense, em Regueiro,
em 18 de novembro de 1809. Pouco se sabe da sua infância e juventude, mas se há
algo que surpreende os especialistas nestes primeiros anos de vida é que seja
batizado com o nome de Manuela e crismado com o de Manuel.
Não é
estranho, pois, que este seja valorado como um possível caso de hermafroditismo
ou de síndrome adreno-genital. Alfaiate de profissão, a sua vida muda após a
morte de sua mulher, três anos após se casarem.
Viúvo e
sem descendência, a partir de 1834 decide trocar a vida sedentária pelo errante
trabalhando como vendedor ambulante não só em terras galegas, mas também além
delas.
Nesta
altura é que comete os primeiros homicídios: ao do criado de um prior de
Castela, e depois outros; mas é o de Vicente Fernández, aguazil de Leão, no
1843, o que levanta as suspeitas de delito. Devido à falta de provas que o
demonstrarem, só é condenado por rebeldia; dez anos de prisão que se livra
fugindo da justiça.
O
prófugo instala-se em Rebordechao, onde compatibiliza a venda com outras
atividades próprias do mundo feminino: cordoeiro, criado, tecelão, etc. Durante
este tempo não só consegue relacionar-se com os oriundos da montanhosa
localidade, e provoca simpatia entre eles; a sua aparência frágil, o seu
carácter afável e a sua educação (é um bom cristão e sabe ler e escrever numa
época em que o analfabetismo está tão estendido como a miséria e a fome)
contribuem a que seja assim.
No
entanto, a situação torna-se desfavorável quando os vizinhos percebem que as
pessoas, sempre mulheres com filhos, que o acompanham nas viagens desaparecem
de maneira misteriosa; mais ainda: ele comercializa os seus pertences.
É a
partir destes feitos que no imaginário da gente surgem cenas horríveis e começa
a divulgar-se a crença de que o unto, isto é, a gordura, que vende,
principalmente em Portugal, é de origem humana. Eis as causas que explicam
algumas das suas alcunhas.
Por
volta de 1852, Manuel é capturado em Nombela (Toledo) e julgado em Alhariz (Ourense).
Após confessar a morte de treze pessoas junto com dois companheiros (Genaro e
António, dos que nunca se soube nada), alega, na sua defensa, que a sua conduta
responde a um malefício (uma fada) que o transforma em lobo.
A sua
causa, a nº 1778, titulada “Causa contra o homem lobo”, ocupa cinco grossos
volumes. O processo judicial prolonga-se por mais de um ano, durante os quais o
acusado é submetido a todo tipo de análises facultativas.
Todas
elas são concludentes: não provam nada do que ele alega. É culpado, e assim sua
sentença foi lida em 6 de abril de 1853. Romasanta é condenado a morte por
garrote vil e a pagar uma indemnização, por cada vítima.
Não
obstante, este veredito é revogado e a pena passa a ser de prisão perpetua. O
indulto, assinado pela própria rainha, é possível graças as gestões do advogado
defensor e à influência de cartas enviadas à Isabel II da autoria de um
afamado hipnólogo francês, o Dr. Joseph-Pierre Durand de Gros, quem afirma ter
experiência em casos semelhantes.
Até o
2011 circulam os nomes de várias vilas como ponto de referência do final dos
seus dias, mas é neste ano que se achegam provas fidedignas de que, doente de um
cancro no estômago, morre em Ceuta o 14 de dezembro de 1863.
Romassanta na Literatura e no Cinema
Em
literatura resulta muito atrativa a confusão de elementos racionais e
fantásticos; se integramos, além disso, altas doses de mediatização, o êxito é
seguro. "O do unto" é fonte de inspiração de composições populares
curtas, como é o Romance Histórico de Félix Castro Vicente.
O
bosque de Ancines (1947), de Carlos Martinez Barbelto; Pele de lobo (2002),
de Xosé Miranda; Romasanta. Memorias incertas do home lobo, de Alfredo
Conde (2004) ou Brañaganda (2011), de David Monteagudo.
As filmagens
também são testemunhos dos acontecimentos criminosos; O bosque do Lobo,
dirigida por Pedro Olea em 1871; Romassanta: A caça da besta, de Paco Plaza
(2004); ou, mais recentemente, Juízo a Romassanta, dirigida por Luís Morales,
são proba disso.
Existem
ainda outros trabalhos que desenvolvem o tema desde uma perspectiva mais
objetiva; como se pode ver no discurso de ingresso de Vicente Risco na
Real Academia Galega, no ano 1929 (Un caso de licantropía).
Outros
têm um carácter mais científico; é o caso relatado pelo psiquiatra Pedro J.
Téllez Carrasco, ou o do médico Eduardo Pérez Hervada. Destaca especialmente
neste âmbito uma publicação de Enrique González Duro, quem toma como fonte
principal da sua investigação um artigo de Celso Emilio Ferreiro, Un caso
de licantropia, publicado no semanário Tribuna médica.
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