“Meu otimismo está baseado
na certeza que essa civilização vai desmoronar. Meu pessimismo em tudo aquilo
que ela faz para arrastar-nos em sua queda!”
A servidão moderna é uma
escravidão voluntária, aceita por essa multidão de escravos que se arrastam
pela face da Terra. Eles mesmos compram as mercadorias que lhes escravizam cada
vez mais.
Eles mesmos correm atrás de
um trabalho cada vez mais alienante, que lhes é dado generosamente se estão
suficientemente domados, eles mesmos escolhem os amos a quem deverão servir.
Para que essa tragédia
absurda possa ter sucedido, foi preciso tirar desta classe, a capacidade de se
conscientizar sobre a exploração e a alienação do qual são vítimas. Eis então a
estranha modernidade da época atual.
Ao contrário dos escravos
da antiguidade, aos servos da idade média e aos operários das primeiras
revoluções industriais, estamos hoje frente a uma classe totalmente escrava
que, no entanto, não se dá conta disso ou pior ainda, que não quer enxergar.
Eles não conhecem a rebelião, que deveria ser a única reação legítima dos
explorados.
Aceitam sem discutir, a
vida lamentável que foi planificada para eles, a renúncia e a resignação são a
fonte de sua desgraça. Eis então o pesadelo dos escravos modernos que não
pedem, realmente, o que deixou para trás, que só aspiram a deixar-se levar pela
dança macabra do sistema de alienação.
À medida que o homem
constrói seu mundo com a força do trabalho alienado, o cenário deste mundo se
converte na prisão onde terão que viver. Um mundo sórdido, sem sabor, sem odor,
que leva consigo a miséria do modo de produção dominante.
Este cenário esta em eterna
construção. Nada é estável. A remodelação permanente do espaço que nos envolve
se justifica pela amnésia generalizada e pela insegurança na qual devem viver
seus habitantes. Trata-se de refazer tudo a imagem do sistema: o mundo se torna
cada dia mais sujo e barulhento, como uma usina.
Cada parcela deste mundo é
propriedade de um estado ou de um particular. Este roubo social que é a
apropriação exclusiva do solo se encontra materializada na onipresença de
muros, barreiras e fronteiras...
São as marcas visíveis
desta separação que invade tudo. Mas, ao mesmo tempo, a unificação do espaço de
acordo com os interesses da cultura mercante é o grande objetivo da nossa
triste época.
O mundo deve transformar-se
em uma imensa autopista, racionalizada ao extremo, para facilitar o transporte
das mercadorias. Todo obstáculo natural ou humano, deve ser destruído.
O ambiente onde se aglomera
esta massa servil é o fácil reflexo de sua vida: se assemelha a jaulas, a
prisões, a cavernas. Porém, contrariamente aos escravos e aos prisioneiros, o
explorado dos tempos modernos deve pagar por sua jaula.
E é nesse lugar estreito e
lúgubre, onde o escravo moderno acumula as novas mercadorias que deveriam,
segundo as mensagens publicitárias onipresentes, trazer-lhe a felicidade e a
plenitude. Porém, quanto mais acumula mercadorias, mais ele se afasta da
oportunidade de ser feliz.
A mercadoria, ideológica
por essência, despoja de seu trabalho aquele que a produz e despoja de sua vida
aquele que a consome. No sistema econômico dominante, já não é mais a demanda
que condiciona a oferta, mas a oferta que determina a demanda.
Então é assim que de
maneira periódica, surgem novas necessidades que são rapidamente consideradas
como vitais para a maioria da população: primeiro foi o rádio, depois o carro,
a televisão, o computador e agora o telefone celular.
Todas essas mercadorias
distribuídas massivamente em um curto lapso de tempo modificam profundamente as
relações humanas: servem por um lado para isolar os homens um pouco mais do seu
semelhante e por outro a difundir as mensagens dominantes do sistema.
As coisas que possuem
acabam por possuir-nos. Porém, é quando se alimenta que o escravo moderno
ilustra melhor o estado de decadência em que se encontra.
Dispondo de um tempo cada
vez mais limitado para preparar a comida que regurgita, ele se vê obrigado a
engolir rápido o que a indústria agroquímica produz, errando pelos
supermercados à procura dos produtos que a sociedade da falsa abundância
consente em dar-lhes. Ai ainda, só lhe resta à ilusão da escolha.
A abundância dos produtos
alimentícios apenas dissimula sua degradação e sua falsificação. Não são mais
que organismos geneticamente modificados, uma mistura de corantes e
conservantes, de pesticidas, de hormônios e de outras tantas invenções da
modernidade.
O prazer imediato é a regra
do modo de alimentação dominante, também é a regra de todas as formas de
consumo. E as consequências que ilustram esta forma de alimentação se veem em
todas as partes.
Mas a frente à indigência
da maioria que o homem ocidental goza de sua posição e de seu consumismo
frenético. Em vista disso, a miséria está em todos os lados onde reina a
sociedade totalitária mercante.
A escassez é o reverso da
moeda da falsa abundância. E num sistema que promove a desigualdade como
critério de progresso, mesmo se a produção agroquímica é suficiente para
alimentar a totalidade da população mundial, a fome nunca deverá desaparecer.
A outra consequência da
falsa abundância alimentícia é a generalização das usinas de concentração e de
exterminação massiva e bárbara das espécies que servem de alimento aos
escravos. Esta é a real essência a do modo de produção dominante. A vida e a
humanidade não resistem ante o desejo de proveito de certos indivíduos.
A espoliação dos recursos
do planeta, a abundante produção de energia ou de mercadorias, o lixo e os
resíduos do consumo ostentoso, hipotecam a possibilidade de sobrevivência de
nossa Terra e das espécies que nela habitam. Porém, para deixar livre curso ao
capitalismo selvagem, o crescimento econômico nunca deve parar.
É preciso produzir,
produzir e reproduzir mais ainda. E são os mesmos poluidores que se apresentam
hoje como salvadores potenciais ao planeta. Estes imbecis das indústrias dos
espetáculos patrocinados pelas empresas multinacionais tentam convencer-nos de
que uma simples mudança em nossos hábitos seria suficiente para salvar o
planeta de um desastre.
A criança é a primeira vítima
destas imagens, pois se trata de sufocar a liberdade desde o berço. É
necessário torná-los estúpidos e tirar-lhes toda capacidade de reflexão e de
crítica.
Tudo isso se faz,
evidentemente, com a cumplicidade desconcertante dos pais, que não buscam se
quer resistir frente a força imponente de todos os meios modernos de
comunicação. Eles mesmos compram todas as mercadorias necessárias para
escravizar sua progenitura.
Desapropriam-se da educação
de seus filhos e deixam que o sistema alienador e medíocre, se encarregue dela.
Existem imagens para todas as idades e para todas as classes sociais. Os
escravos modernos confundem essas imagens com cultura e, às vezes, com arte.
Recorrem-se aos instintos
mais baixos para vender qualquer mercadoria. E, é a mulher duplamente escrava
da sociedade atual, que paga o preço mais alto. Ela é apresentada como simples
objeto de consumo.
A revolta foi também
transformada em uma imagem que se vende para melhor destruir seu potencial
subversivo. A imagem ainda é, até hoje, a forma de comunicação mais direta e
mais eficaz: ela cria modelos, aliena as massas, menti e promove frustrações.
Difunde-se a ideologia
mercantil pela imagem, pois o objetivo continua sendo o mesmo: vender modelos
de vida ou produtos, comportamentos ou mercadorias. Vender é o único que
importa.
Estas pobres criaturas se
divertem, mas esse divertimento só serve para distrair os mesmos do verdadeiro
mal que lhes afeta. Deixaram que fizessem de suas vidas qualquer coisa e fingem
sentirem-se orgulhosos por isso. Tentam transmitir uma satisfação, mas ninguém
acredita.
Não conseguem se quer
enganar-se a si mesmos quando se deparam com o reflexo frio do espelho da vida.
Assim, perdem tempo com estúpidos que lhes fazem rir e cantar, sonhar ou
chorar.
Através do esporte
midiatizado se representam o êxito e o fracasso, os esforços e as vitórias, que
os escravos modernos deixaram de viver em seu cotidiano. Sua insatisfação lhe
incita a viver por procuração frente ao aparelho de televisão.
Assim como os imperadores
da Roma Antiga, comprovam a submissão do povo com pão e jogos. Hoje em dia é
com diversões e consumo do vazio que se compra o silêncio dos escravos.
O controle das consciências
passa essencialmente pela utilização viciada da linguagem utilizada pela classe
economicamente e socialmente dominante, sendo o detentor de todos os meios de
comunicação, o poder prolixo a ideologia mercantil através da definição
petrificada, parcial e falsa que ele dá das palavras.
As palavras são
apresentadas como neutras e sua definição como evidente. Porém, estando sob
controle do poder, a linguagem designa sempre algo muito diferente da vida
real. É antes de tudo uma linguagem de resignação e impotência, a linguagem da
aceitação passiva das coisas tais como são e tais quais devem permanecer.
As palavras trabalham por
conta da organização dominante da vida e o fato mesmo de utilizar a linguagem
do poder nos condena a impotência. O problema da linguagem está no centro da
luta pela emancipação humana.
Não é uma forma de
dominação que se junta a outras, mas o coração mesmo do projeto de submissão do
sistema mercantil totalitário. Para que uma mudança radical surja de novo, é
preciso uma reforma radical da linguagem, e também da comunicação real entre as
pessoas.
É nisto que o projeto
revolucionário se une ao projeto poético. Na efervescência popular, a palavra é
tomada e reinventada por grupos extensos. A responsabilidade criadora se
apodera de cada um e nos reúne a todos. No entanto, os escravos modernos ainda
se veem como cidadãos.
Eles acreditam que votam
realmente e decidem livremente quem vai dirigir seus negócios. Como se eles
ainda tivessem escolha, apenas conservaram a ilusão.
Vocês acreditam que existe
uma diferença fundamental quanto à escolha da sociedade na qual nós queremos
viver entre o Partido Socialista e a Direita Populista na França, entre os
Democratas e os Republicanos nos Estados Unidos, entre os Trabalhistas e
Conservadores no Reino Unido e assim em todos os outros países?
Não existe oposição, pois
os partidos políticos dominantes estão de acordo sobre o essencial que é a
conservação da atual sociedade mercantil. Não existem partidos políticos
susceptíveis de chegar ao poder que dividem do dogma do mercado. E são esses
partidos que com a cumplicidade midiática monopoliza as aparências.
Discutem por pequenos
detalhes esperando que tudo fique onde está. Brigam por saber quem ocupará os
lugares oferecidos pela política mercantil. Estas estúpidas briguinhas são
difundidas pelos meios na intenção de ocultar um verdadeiro debate sobre a
escolha da sociedade na qual desejamos viver.
A aparência e a futilidade
dominam profundamente o afronto e as ideias. Tudo isto não se parece nem de
perto nem de longe a uma Democracia.
A Democracia real se define
primeiro e antes de tudo pela participação massiva dos cidadãos na gestão dos
interesses da cidade. Ela é direta e participativa. Encontra sua maior
expressão na assembleia popular e no diálogo permanente sobre a organização da
vida comum.
A forma representativa e
parlamentar que usurpa o nome da Democracia limitam o poder dos cidadãos pelo
simples direito do voto, ou seja, a nada, tão real, que não existe diferença
entre o cinza claro e o cinza escuro.
As cadeiras do parlamento
estão ocupadas pela imensa maioria da classe econômica dominante, seja ela da
direita ou da pretendida esquerda.
O poder, não é para ser
conquistado, ele tem que ser destruído. O poder é tirano por natureza, seja ele
exercido por um rei, por um ditador ou um presidente eleito. A única diferença
no caso da democracia parlamentar é que os escravos têm a ilusão de que podem
escolher eles mesmos o mestre que eles deverão servir.
O direito ao voto faz dos
mesmos cúmplices da tirania esmagadora. Eles não são escravos porque existem
amos, se não quer que exista amos, é porque decidiram permanecerem escravos.
O sistema dominante se
define então pela onipresença de sua ideologia mercante. Ela ocupa ao mesmo
tempo todo o espaço e todos os setores da vida. Ela não diz nada mais que:
Produza, Venda, Consuma, Acumula!
Ela reduziu todas as
relações humanas em relações mercantis, e considerada nosso planeta como uma
simples mercadoria. O dever que nos impõe é o trabalho servil. O único direito
que ele reconhece é o direito a propriedade privada. O único deus que ele conhece
é o dinheiro.
O monopólio da aparência
total. Somente aparecem os homens e os discursos favoráveis na ideologia
dominante. A crítica deste mundo está afogada no mar mediático que determina o
que é bom ou mau, o que se pode ver ou não.
A onipresença da ideologia,
o culto ao dinheiro, monopólio da aparência, partido único disfarçado de
pluralismo parlamentar, ausência de uma oposição visível, repressão sob todas
as formas, vontade de transformar o homem e o mundo.
Eis o verdadeiro rosto do
totalitarismo moderno que chamamos “Democracia Liberal”, porém, é necessário
chamá-la pelo seu verdadeiro nome: o sistema mercantil totalitário.
O homem, a sociedade e o conjunto de nosso planeta estão ao serviço desta ideologia. O sistema mercantil totalitário realizou o que nenhum totalitarismo conseguiu fazer antes: unificar o mundo a sua imagem. Hoje não existe exílio possível. (Filme: A Servidão Moderna).
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