Jesus Morreu para Nos Salvar? Uma Crítica à Doutrina da Expiação
Fiz a
um crente a velha pergunta: “Por que o seu deus e não o deus dos outros?”.
A
resposta veio rápida e confiante: “Deus enviou seu único filho para morrer por
nós. Quer um deus melhor do que este?”.
Essa é
a essência da doutrina cristã da salvação pela cruz, baseada principalmente no
Evangelho de João (3:16): “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a
vida eterna”.
Mas, ao
analisar com lógica fria, a narrativa revela incoerências profundas. Vamos
dissecá-la passo a passo, expandindo com analogias, contextos históricos e
comparações bíblicas para destacar o absurdo.
A Analogia do Rei e dos Criminosos: Justiça ou Capricho Arbitrário?
Imaginem
um rei todo-poderoso que condena um bando de criminosos à morte por seus
delitos. De repente, tomado por “pena”, ele decide matar o próprio filho
inocente no lugar deles e, em seguida, os liberta.
Por que
sacrificar um inocente para perdoar culpados que ele mesmo condenou? Se o rei
tem autoridade absoluta para perdoar (como Deus é descrito como onipotente),
por que não o faz diretamente?
A morte
do filho não adiciona nada à equação; parece apenas um ritual desnecessário e
sádico. Na Bíblia, Deus estabelece as regras do pecado (Gênesis 2:17: “No dia
em que dela comeres, certamente morrerás”) e depois as contorna com um
sacrifício. Isso não é misericórdia; é burocracia divina.
Como a
morte de um inocente “cancela” a culpa alheia? Não há transferência lógica de
responsabilidade. Um crime não anula outro; na verdade, se os criminosos
matassem o filho do rei (como a humanidade crucifica Jesus, segundo o Novo
Testamento), isso somaria um novo crime à lista original.
O
criminoso continua criminoso - a não ser que acreditemos em magia expiatória,
onde sangue inocente apaga manchas morais. Isso ecoa sacrifícios pagãos, não
justiça racional.
No caso
bíblico específico, o “pecado original” vem de Adão e Eva roubando uma fruta do
Éden (Gênesis 3). A punição? Morte eterna para toda a humanidade. Séculos
depois, Deus envia Jesus (seu “filho unigênito”) para ser torturado e morto.
Agora,
o ladrão de fruta é perdoado porque o filho do “dono do pomar” foi assassinado?
É como se um juiz condenasse alguém por furtar uma maçã e, para perdoá-lo,
exigisse o assassinato de seu próprio herdeiro. Onde está a proporcionalidade?
O Dilema do Pai Onipotente: Escolha Forçada ou Teatro Cósmico?
Até
poderia fazer sentido um pai escolher entre salvar seu filho ou um grupo de
pessoas - uma troca utilitária, onde muitas vidas valem mais que uma (como em
dilemas éticos clássicos, tipo o “trem desgovernado” de Philippa Foot).
Mas
aqui o pai é Deus, onipotente e onisciente. Ele poderia perdoar todos sem
derramar uma gota de sangue. Por que condiciona a salvação à crucificação
brutal de Jesus?
Contexto
histórico dos acontecimentos: A crucificação de Jesus ocorreu por volta do ano
30-33 d.C., em Jerusalém, sob o governador romano Pôncio Pilatos.
Os
Evangelhos (Mateus 27, Marcos 15, Lucas 23, João 19) descrevem um julgamento
farsesco: Jesus é acusado de blasfêmia pelos líderes judeus (por se declarar
Filho de Deus) e de sedição pelos romanos (por se proclamar “Rei dos Judeus”).
Ele é
flagelado, coroado com espinhos, carregado com a cruz até o Gólgota e pregado
entre dois ladrões. Morre após horas de agonia, com eventos “milagrosos” como
escuridão no meio-dia e terremoto (possivelmente embelezamentos teológicos).
Três
dias depois, a ressurreição - o “clímax” da salvação. Mas por que Deus
orquestra esse espetáculo de dor? Teólogos como Anselmo de Cantuária (no Cur
Deus Homo, século XI) argumentam que era necessário “satisfazer” a justiça
divina ofendida pelo pecado. Resposta: se Deus define a justiça, ele poderia
redefini-la sem autoflagelação.
Paulo,
em Romanos 3:25, chama Jesus de “propiciação pelo seu sangue”. Isso remete
diretamente a rituais do Antigo Testamento, como o Yom Kippur (Levítico 16),
onde um bode carregava os pecados do povo e era sacrificado ou expelido.
Jesus
seria o “Cordeiro de Deus” definitivo (João 1:29). Mas por que um Deus eterno
precisa de sangue para se apaziguar? É antropomorfismo primitivo: projetamos em
Deus emoções humanas como ira e necessidade de vingança.
Herança de Pecado e Lavagem Cerebral: Nascemos Culpados?
O
absurdo escala quando consideramos o pecado original. Não fomos nós que comemos
a fruta; foram ancestrais míticos, há supostos 6.000 anos (ou milhões, se
conciliarmos com evolução). Romanos 5:12 diz: “Portanto, como por um homem
entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porquanto todos pecaram”.
Nascemos
endividados por uma dívida alheia, e a quitação exige o sacrifício de um deus
encarnado. Crentes aceitam isso sem questionar, repetindo desde a infância:
“Jesus morreu por seus pecados”.
Isso é
lavagem cerebral clássica: doutrinação precoce inibe o raciocínio crítico.
Estudos em psicologia cognitiva (como os de Daniel Kahneman sobre vieses)
mostram como narrativas emocionais repetidas suprimem análise lógica. Cresças
ouvindo “Deus amou tanto que deu seu Filho” e o absurdo vira verdade absoluta.
Sobrevivência de Sacrifícios Bárbaros no Século XXI
É
fascinante - e perturbador - como o conceito de apaziguar deuses com sangue
persiste. Povos antigos faziam isso rotineiramente:
Astecas:
Sacrifícios humanos em pirâmides para alimentar o sol.
Celtas:
Druidos queimavam vítimas em “homens de vime”.
Canaanitas:
Oferendas a Moloch, incluindo crianças.
Até no
Antigo Testamento: Abraão quase sacrifica Isaque (Gênesis 22); Jephtah cumpre
voto sacrificando a filha (Juízes 11).
O
cristianismo “evolui” isso: em vez de apaziguar deuses externos, Deus se auto
sacrifica (como Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo). Jesus é 100% Deus e
100% homem, então Deus morre para salvar a humanidade... dele mesmo.
É um
loop teológico: Deus cria regras, quebra-as com um truque trinitário, e exige
fé cega para aceitação. No século XXI, com ciência explicando origens do
universo (Big Bang, evolução), neurociência mapeando crenças como padrões
cerebrais, e ética secular promovendo responsabilidade individual, essa
doutrina parece relíquia tribal.
Por que
um deus amoroso usaria terror (ameaça de inferno eterno) para forçar adoração?
Não é amor; é síndrome de Estocolmo cósmica. Em resumo, a pergunta inicial
permanece: quer um deus “melhor”?
Prefiro
um que perdoe sem teatro de sangue, sem heranças de culpa fictícia. A cruz não
salva; expõe as contradições de uma fé que prioriza dogma sobre lógica.









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