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quarta-feira, junho 26, 2024

As Três Peneiras



 

Na Grécia Antiga, por volta do século V a.C., Sócrates, um dos maiores filósofos da história, era amplamente reconhecido por sua sabedoria e habilidade em questionar as verdades aparentes. Ele não escrevia livros, mas ensinava nas praças de Atenas, dialogando com cidadãos de todas as classes, desafiando-os a refletir sobre suas crenças e ações.

Sua reputação atraía curiosos, discípulos e, muitas vezes, pessoas trazendo fofocas ou notícias sensacionalistas, na esperança de impressioná-lo ou provocar uma reação.

Certa vez, em uma tarde ensolarada no mercado de Atenas, um homem aproximou-se de Sócrates, visivelmente ansioso para compartilhar algo. Com um tom de urgência, disse:

- Sócrates, sabes o que acabei de ouvir sobre teu amigo?

O filósofo, com sua calma característica e olhar penetrante, ergueu a mão suavemente, interrompendo o interlocutor antes que ele continuasse.

- Um momento - disse Sócrates, com um leve sorriso. - Antes de me contares, gostaria que passasses pelo teste das três peneiras.

O homem, intrigado, franziu a testa e perguntou:

- Três peneiras? O que queres dizer com isso?

- Sim - prosseguiu Sócrates, com a paciência de quem já conduzira inúmeros diálogos. - Antes de falarmos sobre os outros, é sábio filtrar o que pretendemos dizer. Eu chamo isso de teste das três peneiras. Vamos aplicá-lo.

O homem, curioso, aquiesceu, e Sócrates continuou:

- A primeira peneira é a da verdade. Tu examinaste cuidadosamente se o que vais me contar é absolutamente verdadeiro?

O homem hesitou, coçando a barba, e respondeu:

- Bem, não... Eu apenas ouvi de alguém na ágora. Não confirmei com meus próprios olhos.

- Entendo - disse Sócrates, com um aceno sereno. - Então, não sabes se é verdade. Vamos à segunda peneira, a da bondade. O que queres me contar sobre meu amigo é algo bom, que enaltece suas virtudes ou ações?

O homem baixou os olhos, um pouco constrangido, e admitiu:

- Não, Sócrates. Pelo contrário, é algo negativo, uma acusação.

- Hmm - continuou o filósofo, sem alterar o tom. - Então, queres me contar algo ruim sobre meu amigo, sem ter certeza de que é verdade. Ainda assim, há uma última peneira: a da utilidade. O que pretendes me dizer é útil? Vai me ajudar a crescer, a agir com justiça ou a melhorar minha relação com esse amigo?

O homem, agora visivelmente desconfortável, balançou a cabeça.

- Não, creio que não seja útil. É apenas algo que ouvi e achei que deverias saber.

Sócrates, com um brilho de sabedoria nos olhos, concluiu:

- Se o que queres me contar não é comprovadamente verdadeiro, nem bom, nem útil, por que, então, desejas compartilhá-lo? Palavras têm poder, meu amigo. Elas podem construir ou destruir, esclarecer ou confundir. Escolhe com cuidado o que decides dizer.

O homem, refletindo sobre as palavras de Sócrates, ficou em silêncio e, após um momento, agradeceu e se afastou, levando consigo uma nova perspectiva sobre o peso de suas palavras.

O Contexto e o Impacto do Teste das Três Peneiras

Essa história, embora muitas vezes contada como uma parábola, reflete o método socrático de questionamento, uma prática que Sócrates usava para estimular o pensamento crítico e a busca pela verdade.

Em uma Atenas vibrante, mas também cheia de intrigas políticas, rivalidades e boatos, o filósofo alertava para a importância de avaliar cuidadosamente o que se ouve e o que se repete.

O teste das três peneiras não é apenas uma lição sobre fofocas, mas uma metáfora para a responsabilidade ética no uso da palavra, algo essencial em uma sociedade democrática onde a retórica podia tanto elevar quanto derrubar reputações.

O impacto dessa abordagem era profundo. Sócrates, ao desafiar seus interlocutores a filtrar suas palavras, promovia uma cultura de reflexão e autenticidade.

Ele acreditava que a verdade só poderia ser alcançada por meio do diálogo honesto e da introspecção, e que espalhar informações sem critério era um desserviço à justiça e à harmonia social.

Em um episódio histórico famoso, Sócrates foi acusado de corromper a juventude e desrespeitar os deuses, acusações que, ironicamente, poderiam não ter passado no teste das três peneiras, pois careciam de evidências sólidas e utilidade pública.

Mesmo enfrentando a condenação à morte, ele permaneceu fiel aos seus princípios, mostrando que a sabedoria está em questionar, não em aceitar cegamente.

Reflexão Final

Se cada um de nós aplicasse o teste das três peneiras em nossas conversas diárias, talvez evitássemos mal-entendidos, conflitos desnecessários e a disseminação de informações que não contribuem para o bem comum.

Em um mundo onde notícias e rumores se espalham rapidamente - seja nas ágoras da Grécia Antiga ou nas redes sociais de hoje -, a lição de Sócrates permanece atemporal.

Antes de falar, perguntemo-nos: “É verdadeiro? É bom? É útil?” Se a resposta for não, talvez o silêncio seja a escolha mais sábia. Assim, poderíamos construir uma sociedade mais justa, onde as palavras sirvam para unir, esclarecer e inspirar, em vez de dividir ou obscurecer.

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