Quando
o deputado Hugo Motta, presidente da Comissão da Câmara dos Deputados, anunciou
que pautaria a votação da urgência do projeto de anistia aos condenados pelos
eventos de 8 de janeiro de 2023, ficou evidente que algo de questionável estava
por vir.
E não
deu outra. A movimentação política por trás dessa proposta, que envolve figuras
como Michel Temer, Paulinho da Força e Aécio Neves, levanta sérias dúvidas
sobre sua legitimidade e intenções. Como algo poderia ser levado a sério com
esses nomes no centro da articulação?
O que
está em jogo não é uma anistia genuína, mas um arremedo legislativo que parece
mais uma manobra para apaziguar interesses específicos do que para promover
justiça ou pacificação nacional.
A
proposta, que deveria buscar a reconciliação após um dos episódios mais graves
da recente história política brasileira, transforma-se em uma tentativa de
calar a oposição e proteger aliados.
No
entanto, acredito que essa estratégia não terá o sucesso esperado pelos
articuladores, pois a sociedade e parte da classe política estão atentas às
reais intenções por trás do projeto.
Paulinho
da Força, um dos principais defensores da proposta, tenta vender a ideia de que
se trata de uma “pacificação” necessária para o país. Na prática, porém, o que
se observa é uma manobra vergonhosa que desvirtua o conceito de anistia.
Em vez
de abordar de forma ampla e transparente as questões relacionadas às
condenações do 8 de janeiro, o projeto propõe uma espécie de “dosimetria” - um
remendo jurídico que manipula as penas, reduzindo-as de maneira seletiva, sem
enfrentar o cerne da questão: a polarização política e a alegada perseguição
judicial contra determinados grupos.
Paulinho
já admitiu publicamente que “não pode salvar individualmente Bolsonaro”, mas
insiste em ajustes pontuais nas penas, como se reduzir alguns anos de
condenação fosse suficiente para apaziguar o debate sobre a suposta
instrumentalização do Judiciário contra adversários políticos.
Vale
lembrar que o projeto de anistia surge em um contexto de alta tensão. Os
eventos de 8 de janeiro, quando manifestantes invadiram e depredaram as sedes
dos Três Poderes em Brasília, foram amplamente condenados, mas também geraram
debates sobre a proporcionalidade das punições aplicadas.
Centenas
de pessoas foram presas, muitas sem antecedentes criminais, e enfrentam penas severas,
enquanto figuras de maior destaque político, como o ex-presidente Jair
Bolsonaro, seguem sob investigação. A proposta de anistia, portanto, não é
apenas sobre os réus menos conhecidos, mas também sobre o impacto político que
essas condenações têm no cenário nacional.
Além
disso, a participação de figuras como Michel Temer, ex-presidente conhecido por
sua habilidade em articulações nos bastidores, e Aécio Neves, cuja trajetória
política é marcada por controvérsias, reforça a percepção de que o projeto pode
servir mais a interesses partidários do que à justiça.
Temer,
por exemplo, tem histórico de atuar como mediador em crises políticas, mas sua
presença nesse debate levanta questionamentos sobre possíveis acordos que
favoreçam o establishment político em detrimento de uma solução equânime.
Já
Aécio, que já enfrentou denúncias graves no passado, parece buscar na anistia
uma forma de consolidar sua influência em um momento de fragilidade de sua
imagem pública. Outro ponto crítico é o timing da proposta.
A votação
da urgência na Câmara ocorre em um momento em que o governo Lula enfrenta
desafios para manter sua base coesa no Congresso, enquanto a oposição tenta
capitalizar a insatisfação de setores da sociedade com o que chamam de
“perseguição política”.
Assim,
o projeto de anistia pode ser visto como uma moeda de troca em negociações mais
amplas, o que compromete ainda mais sua legitimidade. No final das contas, a
tentativa de transformar a anistia em uma mera revisão de penas é um erro
estratégico.
Não
apenas porque desrespeita a gravidade dos eventos de 8 de janeiro, mas também
porque subestima a capacidade da sociedade de perceber as intenções por trás
dessa articulação.
A
verdadeira pacificação exigiria um debate honesto e amplo, que considerasse
tanto a necessidade de responsabilização pelos atos antidemocráticos quanto à
possibilidade de excessos judiciais.
Enquanto isso, o que temos é um jogo político que, longe de unir o país, apenas aprofunda a desconfiança nas instituições.