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sábado, junho 29, 2024

Saudades do tempo



 

Saudades do tempo em que o tempo era generoso. De quando ele não era um inimigo a ser enfrentado, mas um companheiro que caminhava ao nosso lado, sem pressa.

De quando as roupas descosturadas eram pacientemente remendadas à mão, com linha e agulha, em um ritual que era quase uma conversa com o tecido. As roupas brancas, sujas de terra ou de brincadeiras, eram postas para quarar ao sol, embrulhadas no cheiro de sabão caseiro.

Um dia inteiro dedicado a lavar roupas? Não era um peso, mas um ato de cuidado, um ritmo que a vida seguia sem reclamar. Saudades de quando as frutas eram colhidas diretamente dos pés, com o orgulho de quem regava, podava e esperava o momento certo.

Subir em mangueiras, com os joelhos ralados e o coração disparado, era o maior desafio do dia. Não havia câmeras para registrar os tombos ou as risadas, mas os olhos guardavam tudo.

Os encontros não precisavam de filtros ou notificações; sobrava tempo para conversas longas, para histórias contadas na varanda, para silêncios que não incomodavam.

De quando as coisas não precisavam de propósito ou serventia para serem especiais. Jogar pedras na rua, apostando quem as lançava mais longe, ou na água, contando os círculos que se formavam.

Correr descalço na terra, sentindo o chão quente sob os pés, ou deitar na grama para descobrir formas nas nuvens - um dragão, um barco, uma montanha. Tudo era aventura, tudo era descoberta, sem a pressão de ser produtivo ou de “vencer na vida”.

Saudades de quando a única urgência era devorar o almoço para voltar correndo à rua, onde a brincadeira nunca acabava. Do cheiro da comida cozinhando lentamente no fogão à lenha, o crepitar da madeira enchendo a casa de memórias.

O almoço, preparado desde o raiar do dia, cozinhava devagar, como se o próprio tempo soubesse que as coisas boas pedem paciência. E havia os domingos, com a família reunida, as vozes se misturando em risadas, o som do rádio ao fundo, tocando músicas que ainda hoje trazem o gosto da infância.

Saudades de quando o Natal parecia demorar uma eternidade para chegar. Cada dia de dezembro era uma pequena espera, cheia de expectativa, com o cheiro de pinheiro, o brilho das luzes improvisadas e o som dos sinos na missa da noite.

Saudades da criança que acreditava que seria eterna, que o tempo nunca a abandonaria. Para ela, o tempo era um amigo fiel, que não se desfazia, não sufocava, não cobrava.

Ele apenas a convidava a viver, a sentir, a ser. E, naquela simplicidade, a vida era inteira.

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