Saudades
do tempo em que o tempo era generoso. De quando ele não era um inimigo a ser
enfrentado, mas um companheiro que caminhava ao nosso lado, sem pressa.
De
quando as roupas descosturadas eram pacientemente remendadas à mão, com linha e
agulha, em um ritual que era quase uma conversa com o tecido. As roupas
brancas, sujas de terra ou de brincadeiras, eram postas para quarar ao sol,
embrulhadas no cheiro de sabão caseiro.
Um dia
inteiro dedicado a lavar roupas? Não era um peso, mas um ato de cuidado, um
ritmo que a vida seguia sem reclamar. Saudades de quando as frutas eram
colhidas diretamente dos pés, com o orgulho de quem regava, podava e esperava o
momento certo.
Subir
em mangueiras, com os joelhos ralados e o coração disparado, era o maior
desafio do dia. Não havia câmeras para registrar os tombos ou as risadas, mas
os olhos guardavam tudo.
Os
encontros não precisavam de filtros ou notificações; sobrava tempo para
conversas longas, para histórias contadas na varanda, para silêncios que não
incomodavam.
De
quando as coisas não precisavam de propósito ou serventia para serem especiais.
Jogar pedras na rua, apostando quem as lançava mais longe, ou na água, contando
os círculos que se formavam.
Correr
descalço na terra, sentindo o chão quente sob os pés, ou deitar na grama para
descobrir formas nas nuvens - um dragão, um barco, uma montanha. Tudo era
aventura, tudo era descoberta, sem a pressão de ser produtivo ou de “vencer na
vida”.
Saudades
de quando a única urgência era devorar o almoço para voltar correndo à rua,
onde a brincadeira nunca acabava. Do cheiro da comida cozinhando lentamente no
fogão à lenha, o crepitar da madeira enchendo a casa de memórias.
O
almoço, preparado desde o raiar do dia, cozinhava devagar, como se o próprio
tempo soubesse que as coisas boas pedem paciência. E havia os domingos, com a
família reunida, as vozes se misturando em risadas, o som do rádio ao fundo,
tocando músicas que ainda hoje trazem o gosto da infância.
Saudades
de quando o Natal parecia demorar uma eternidade para chegar. Cada dia de
dezembro era uma pequena espera, cheia de expectativa, com o cheiro de
pinheiro, o brilho das luzes improvisadas e o som dos sinos na missa da noite.
Saudades
da criança que acreditava que seria eterna, que o tempo nunca a abandonaria.
Para ela, o tempo era um amigo fiel, que não se desfazia, não sufocava, não
cobrava.
Ele apenas a convidava a viver, a sentir, a ser. E, naquela simplicidade, a vida era inteira.
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