A
sociedade, em sua essência, é composta por indivíduos imperfeitos que,
paradoxalmente, julgam uns aos outros por suas falhas, como se alguns pecados
fossem mais graves que outros.
Como
pode um ser humano, investido de autoridade por outro ser humano com maior
poder, ter a prerrogativa de julgar e condenar alguém a anos de prisão?
Se
todos, sem exceção, são suscetíveis a erros, o que legitima esse sistema de
julgamento? Essa reflexão nos leva a questionar não apenas a justiça humana,
mas também os fundamentos morais e éticos que sustentam nossas instituições.
O ato
de julgar, muitas vezes, reflete menos a busca por justiça e mais uma
necessidade de afirmar superioridade moral ou manter uma ordem social que, em
si, é falha.
Por
exemplo, ao longo da história, vimos sistemas judiciais condenarem indivíduos
por crimes que, em outros contextos, seriam vistos como atos de resistência ou
até mesmo como expressões de liberdade.
Casos
como o de Sócrates, condenado à morte por "corromper a juventude" em
Atenas, ou as injustiças sofridas por figuras como Nelson Mandela, preso por
lutar contra o apartheid, mostram como o julgamento humano pode ser distorcido
por valores culturais, políticos ou preconceitos de uma época.
Além
disso, a hipocrisia inerente ao julgamento humano se manifesta quando
observamos que aqueles que condenam também carregam suas próprias falhas.
Juízes,
promotores e até mesmo a sociedade que aplaude uma sentença podem estar
envoltos em seus próprios erros, sejam eles morais, éticos ou legais.
A
Bíblia, em João 8:7, já alertava: "Aquele que estiver sem pecado atire a
primeira pedra". Contudo, as pedras continuam sendo atiradas,
frequentemente por mãos que não estão limpas.
No
contexto contemporâneo, essa questão ganha ainda mais relevância. Sistemas
judiciais em todo o mundo enfrentam críticas por desigualdades: pessoas de
classes sociais mais baixas ou minorias são frequentemente punidas com maior
rigor, enquanto indivíduos poderosos escapam de condenações por crimes mais
graves.
Casos
como os de corrupção política, nos quais figuras públicas desviam milhões e
recebem penas leves, contrastam com a dureza aplicada a pequenos delitos
motivados pela necessidade.
Isso
levanta a pergunta: a justiça é cega ou apenas seletiva? Para além do sistema
judicial, a sociedade como um todo participa desse ciclo de julgamento.
Nas
redes sociais, por exemplo, multidões virtuais condenam indivíduos por erros
isolados, muitas vezes sem contexto ou chance de defesa, num fenômeno conhecido
como "cultura do cancelamento".
Essa
prática revela como todos nós, em maior ou menor grau, nos colocamos no papel
de juízes, apontando o dedo para os pecados alheios enquanto ignoramos os
nossos.
Talvez
a resposta para essa contradição esteja em reconhecer nossa humanidade
compartilhada. Se todos somos passíveis de erro, o foco deveria estar menos em
punir e mais em compreender, reparar e prevenir.
Um
sistema que priorizasse a reabilitação em vez da punição, que enxergasse o
indivíduo por trás do erro, poderia refletir melhor a complexidade da condição
humana.
Afinal, a verdadeira justiça não deveria buscar apenas condenar, mas também transformar - tanto o indivíduo quanto a sociedade que o julga.