Histórico da Inquisição - O Papa Gregório IX, durante o seu pontificado, editou duas bulas que marcam o reinício da Inquisição: Excommunicamus et anathematisamus em 1231, que já previa a pena de morte para os hereges, e em 20 de abril de 1233, Licet ad Capiendos.
Nos séculos seguintes, a Inquisição julgou, absolveu ou condenou e entregou ao Estado - para que as penas fossem aplicadas - vários de seus inimigos propagadores de heresias. Nesta etapa, foi confiada à recém-criada ordem dos Pregadores (os Dominicanos).
A privação de benefícios espirituais era a não administração de sacramento aos heréticos, onde, caso houvesse reputação, deveria ser chamada a intervir a autoridade não religiosa (casos de agressão verbal ou física). Se nem assim a pessoa quisesse arrepender-se eram dadas, conscientemente, como anátema (reconhecimento oficial da excomunhão), "censuras eclesiásticas inapeláveis".
Conforme o Concilio de Viana, de 1311, obrigava-se os inquisidores a recorrerem à tortura apenas mediante aprovação do bispo diocesano e de uma comissão julgadora, em cada caso. A tortura era um meio incluído no interrogatório.
Durante a Cruzada Albigense, os Valdenses tinham sido igualmente perseguidos, com um menor número de vítimas, pois ao contrário dos Cátaros, evitavam defender-se pelas armas, preferindo fugir á frente dos exércitos da Igreja Romana e estabelecer-se noutros locais.
O primeiro caso conhecido de julgamento de um valdense por um tribunal da inquisição deu-se mais de um século após o início do movimento, em 1316. Nesse ano, um valdense foi sentenciado a prisão perpétua e outro queimado na fogueira. Em 1319, outros 26 foram presos e outros três condenados à morte.
Foi apenas em 1487 que o Papa Inocêncio VIII declarou uma Cruzada contra os Valdenses. O Papa reuniu um exército de 18 mil homens para matar ou prender todos os valdenses, forçando-os a ir até aos Alpes, onde sofreram dificuldades, mas permaneceram durante muitas décadas a seguir.
Bem mais tarde, já em pleno século XV, os reis de Castela e Aragão, Isabel e Fernando, solicitam, e obtêm do Papa a autorização para a introdução de uma Inquisição.
Tal instituição afigurava-se lhes- necessária para garantir a coesão num país em unificação (foi do casamento destes dois monarcas que resultou a Espanha) e que recentemente conquistara terras aos mouros muçulmanos na Península Ibérica e os judeus sefarditas, por forma a obter «unidade» nacional que até ali nunca existira. A ação do Tribunal do Santo Ofício tratou de mais casos depois da conversão de alguns judeus e mouros que integravam o novo reino.
Alguns deles foram obrigados a renegar as suas religiões e a aderir ao cristianismo ou a abandonar o país. A estes é dado o nome de "cristãos-novos". Alguns esqueciam de fato a religião dos seus antepassados, enquanto outros continuavam a praticar secretamente a antiga religião.
A esses últimos dá-se o nome de criptojudeus. Eram frequentes os levantamentos populares e as denúncias de práticas judaizantes aos inquisidores.
Mais tarde, em certas regiões da Itália e em Portugal, o Papa autorizou a introdução de instituições similares, em condições diferentes. No caso de Portugal, a recusa do Papa ao pedido, tendo visto os abusos da Espanha, mereceu que o rei tivesse como alternativa ameaçar com a criação de uma "inquisição" régia, que segundo ele era coisa urgente para o reino.
De fato, a introdução da Inquisição em Portugal resultou das pressões espanholas que, para além de uma sinceridade zelota, não queriam ver o reino rival beneficiar-se com os judeus e mouriscos expulsos de Espanha.
O historiador Oliver Tosseri comenta:
"A memória coletiva acabou retendo o episódio da cruzada contra os albigenses, lançada pelos grandes barões do norte da França para acabar com a heresia dos cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas foi, sobretudo, o fanatismo do inquisidor espanhol Tomás de Torquemada, no século XV, que marcou definitivamente o espírito do Ocidente europeu.
Então vieram a Reforma protestante do Século XVI, o antipapismo da Igreja Anglicana, a luta do iluminista Voltaire contra o obscurantismo e, finalmente, o anteclericalismo dos séculos XIX e XX e: um conjunto de elementos que pintaram um quadro tenebroso e distorcido da Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa na mentalidade de nosso tempo.
Neste momento, estamos diante da "apropriação penal" dos discursos, ato que justificou por muito tempo a destruição de livros e a condenação dos seus autores, editores ou leitores. Como lembrou Chartier: " A cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem".
Ao enfatizar o conceito de perseguição enquanto o reverso das proteções, privilégios, recompensas e pensões concedidas pelos poderes eclesiásticos e pelos príncipes, este autor retoma os cenários da queima dos livros que, enquanto espetáculo público do castigo, inverte a cena da dedicatória.