Foto de 1950, mostra o canal principal se Veneza drenado e sendo escavado para ter aumentada a sua profundidade.
Veneza: Uma Cidade Flutuante ou um Conjunto de Ilhotas?
Veneza
não é exatamente uma ilha, mas sim um arquipélago formado por 124 ilhotas
interligadas, construídas sobre uma lagoa no nordeste da Itália. A ocupação
dessas ilhotas começou por volta do século V, quando populações fugiam de
invasões bárbaras no continente, buscando refúgio nas áreas pantanosas da Lagoa
de Veneza.
A
partir do século VII, essas ilhotas foram gradualmente unidas por pontes,
criando a cidade única que conhecemos hoje. Cada ilhota geralmente possuía uma
igreja, um "campo" (praça local) e um poço, elementos centrais da
vida comunitária.
Ao
contrário do que muitos imaginam, Veneza não está diretamente sobre o mar, mas
em uma lagoa protegida por barreiras naturais de terra, conhecidas como
"lidi".
Essas
barreiras separam a lagoa do Mar Adriático, criando um ecossistema delicado que
sustenta a cidade. O coração de Veneza é o Canal Grande, com cerca de 4,2
quilômetros de extensão e profundidade variando entre 3 e 5 metros.
Ele
serpenteia pela cidade, funcionando como a principal "avenida"
aquática. Para conectar Veneza ao continente, a Ponte da Liberdade, com cerca
de 3,8 quilômetros, liga a cidade a Mestre, frequentemente chamada de
"Veneza nova" ou "Veneza continental".
Por
essa ponte passam carros, ônibus e trens, integrando a cidade histórica ao
mundo moderno.
A Engenharia por Trás de Veneza
A
construção de Veneza é um feito impressionante de engenharia, adaptado às
condições desafiadoras de uma lagoa salgada. Para criar fundações sólidas, os
venezianos desenvolveram uma técnica engenhosa: fincavam troncos de amieiro ou
carvalho no fundo da lagoa, onde a camada de "caranto" - uma mistura
de areia e argila - proporcionava estabilidade.
Esses
troncos, em contato com a água salgada e sem oxigênio, endureciam como pedra,
garantindo a sustentação das construções. Sobre essas estacas, eram colocadas
duas camadas de tábuas de madeira, seguidas por blocos de pedra de Istria, um
tipo de mármore altamente resistente à corrosão pela água salgada e à umidade.
As
margens das ilhotas são protegidas por revestimentos de tijolos, que ajudam a
conter a erosão causada pela água, pelas marés e pelo tráfego de barcos.
No
entanto, esses tijolos sofrem desgaste constante devido à salinidade e à força
das ondas, especialmente aquelas geradas pelos motores dos barcos modernos.
A
manutenção é um desafio contínuo: para substituir os tijolos danificados, é
necessário drenar trechos inteiros dos canais, uma operação complexa e custosa
que exige planejamento meticuloso.
As
"ruas" de Veneza, conhecidas como "calli", são pavimentadas
com trachite, uma pedra vulcânica durável. Sob essas pedras, encontra-se a
infraestrutura elétrica e hidráulica da cidade, com cabos e tubulações que
atravessam as pontes entre as ilhotas.
Curiosamente,
Veneza não possui um sistema de esgoto moderno. Em vez disso, utiliza galerias
históricas que direcionam os resíduos para os canais. A limpeza natural dos
canais ocorre duas vezes por dia, quando a maré renova a água da lagoa através
de três "bocas de porto" que conectam a lagoa ao Mar Adriático.
Muitas
construções também contam com fossas sépticas, onde os resíduos passam por um
tratamento básico antes de serem liberados nos canais.
A História e os Desafios de Veneza
A
história de Veneza é tão fascinante quanto sua arquitetura. Durante a Idade
Média, a cidade se tornou uma potência marítima e comercial, controlando rotas
de comércio entre a Europa e o Oriente.
Sua
localização estratégica na lagoa, protegida de ataques terrestres, permitiu que
Veneza prosperasse como uma república independente por mais de mil anos, até
sua anexação pelo Império Austríaco em 1797.
Monumentos
como a Praça São Marcos, a Basílica de São Marcos e o Palácio dos Doges
refletem a riqueza e o poder da Sereníssima República de Veneza.
Hoje,
Veneza enfrenta desafios significativos. Um dos maiores é o fenômeno da
"acqua alta", as inundações periódicas causadas pela combinação de
marés altas, chuvas e ventos fortes.
Essas
inundações, que ocorrem principalmente entre o outono e o inverno, ameaçam as
construções históricas e o modo de vida local. Para combater esse problema, foi
desenvolvido o sistema MOSE (Módulo Experimental Eletromecânico), um conjunto
de barreiras móveis instaladas nas bocas de porto para bloquear a entrada de
água do mar durante eventos de maré alta.
Embora
o MOSE tenha mostrado resultados promissores desde sua ativação em 2020, ele
ainda é objeto de debates devido aos altos custos e impactos ambientais.
Além
disso, o turismo de massa representa outro desafio. Veneza recebe milhões de
visitantes anualmente, o que pressiona a infraestrutura da cidade e contribui
para o desgaste de suas estruturas.
Em
resposta, medidas como a taxa de entrada para turistas diurnos, implementada em
2024, buscam regular o fluxo de visitantes e financiar a preservação da cidade.
Curiosidades e o Futuro de Veneza
Veneza
é mais do que uma cidade; é um símbolo de resiliência e adaptação. Suas
gôndolas, que navegam silenciosamente pelos canais, são um ícone cultural, mas
também um lembrete da dependência da cidade em relação à água.
Curiosamente,
as gôndolas são construídas com uma assimetria sutil para facilitar a navegação
com um único remador, uma tradição que remonta a séculos.
Olhando
para o futuro, Veneza enfrenta a necessidade de equilibrar preservação
histórica com sustentabilidade moderna. Mudanças climáticas, como o aumento do
nível do mar, exigem soluções inovadoras para proteger esse patrimônio mundial.
Projetos de restauração, como a reconstrução das margens dos canais e a manutenção das fundações de madeira, continuam essenciais para garantir que Veneza permaneça habitável e encantadora para as próximas gerações.