Em muitos países da América Latina -
incluindo o Brasil - a influência religiosa permanece social e politicamente
significativa, apesar da separação formal entre Estado e Igreja.
Nesse contexto, não é raro que políticos
alcancem ou preservem o poder exibindo sinais públicos de piedade: participam
de cultos e missas, contribuem para instituições de caridade, citam passagens
bíblicas em discursos e, sobretudo, apresentam-se como “tementes a Deus”.
Trata-se de uma estratégia recorrente,
enraizada em uma herança cultural profunda, inicialmente marcada pelo
catolicismo histórico e, mais recentemente, pelo crescimento acelerado do
evangelicalismo.
No caso brasileiro, é importante corrigir uma
ideia comum, mas imprecisa: o Estado é oficialmente laico desde a Proclamação
da República, em 1889. A separação entre Igreja e Estado foi estabelecida pelo
Decreto nº 119-A, de 1890, e consagrada na Constituição de 1891, encerrando o
catolicismo como religião oficial do Império.
Esse princípio foi reafirmado e fortalecido
ao longo do século XX, culminando na Constituição de 1988, que proíbe o
estabelecimento de cultos oficiais ou alianças privilegiadas com organizações
religiosas (art. 19), ainda que permita colaborações em nome do interesse
público.
Na América Latina, a laicidade seguiu
trajetórias diversas. Enquanto países como o Uruguai adotaram uma separação
rigorosa - a ponto de renomear feriados cristãos, como o “Dia da Família” em
substituição ao Natal - outros, como Argentina, Bolívia e Costa Rica, ainda
mantêm o catolicismo como religião oficial do Estado.
Essas variações revelam que a laicidade
latino-americana, em muitos casos, é mais jurídica do que cultural. A história
recente demonstra, contudo, que um político teísta - ou que se apresenta como
tal - não é, por definição, mais ético, competente ou justo do que um ateu ou
agnóstico.
A crença em Deus não imuniza ninguém contra
práticas corruptas, autoritárias ou ineficientes. Escândalos políticos
envolvendo figuras que se declaravam profundamente religiosas são abundantes e
atravessam diferentes confissões e espectros ideológicos.
Ainda assim, em sociedades culturalmente
conservadoras, a imagem pública de fé continua a conferir vantagens eleitorais
significativas. No Brasil, onde aproximadamente metade da população ainda se
declara católica e cerca de um terço evangélica, alianças com líderes
religiosos podem mobilizar votos em bloco e influenciar decisivamente eleições.
O crescimento evangélico - que saltou de uma
presença minoritária no final do século XX para mais de 30% da população nas
últimas décadas - transformou o cenário político. Igrejas pentecostais e
neopentecostais, como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do Reino de
Deus, passaram a atuar de forma organizada, orientando seus fiéis sob lemas
como “irmão vota em irmão”.
Acontecimentos recentes ilustram esse
fenômeno de maneira eloquente. Nas eleições de 2018, Jair Bolsonaro construiu
uma narrativa fortemente associada a valores religiosos e conservadores,
incluindo seu batismo no rio Jordão e o slogan “Deus acima de todos”. O apoio
evangélico foi decisivo para sua vitória, influenciando pautas como a oposição
ao aborto e à chamada “ideologia de gênero”.
Em 2022, embora Luiz Inácio Lula da Silva
tenha vencido o pleito, Bolsonaro manteve expressivo apoio entre evangélicos,
enquanto o eleitorado católico mostrou-se mais dividido. Hoje Jair Bolsonaro
está preso e enganado por maioria dos seus seguidores sem nenhuma proteção
divina.
Eventos de grande visibilidade pública, como
a Marcha para Jesus, tornaram-se espaços disputados por políticos de diferentes
partidos e ideologias - inclusive integrantes do atual governo - evidenciando
que a busca por legitimidade religiosa transcende alinhamentos políticos
tradicionais.
No Congresso Nacional, a chamada Bancada
Evangélica - ou “bancada bíblica” - cresceu de forma consistente, atuando na
defesa de agendas morais conservadoras. Figuras como Damares Alves e Marco
Feliciano tornaram-se símbolos dessa influência, enquanto setores do
catolicismo conservador, ligados a movimentos como o Opus Dei ou à Renovação
Carismática, também reforçam esse padrão de atuação.
Em síntese, embora o Brasil não seja mais um
“Império sacralizado” do ponto de vista jurídico, a mentalidade social ainda
tende a premiar a piedade pública. Manter boas relações com igrejas - sejam
católicas ou evangélicas - e invocar Deus no discurso político continuam sendo
estratégias eficazes para conquistar e preservar poder.
Isso não revela uma simples “mentalidade
medieval”, mas sim uma sociedade em transição religiosa, marcada pelo
pluralismo, na qual a fé permanece um capital simbólico e eleitoral de grande
valor, mesmo sob um regime formalmente laico.
Avançar rumo a um debate público mais
racional, ético e menos instrumentalizado exigiria investimento consistente em
educação cívica, fortalecimento das instituições republicanas e, sobretudo, uma
separação mais efetiva entre púlpito e palanque.
Somente assim a fé poderia ocupar seu espaço legítimo na esfera privada e comunitária, sem se converter em ferramenta de manipulação política.









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