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terça-feira, dezembro 30, 2025

Encruzilhadas



Desde a minha infância escuto falar sobre os supostos malefícios das encruzilhadas. Histórias repetidas em voz baixa, advertências carregadas de medo, recomendações para jamais atravessá-las à noite ou nelas permanecer por muito tempo.

Confesso, porém, que nunca senti arrepio nem temor diante desses lugares. Ao contrário: sempre me pareceram espaços silenciosos, quase neutros, onde o mundo parece suspenso por um instante. Ainda assim, são inúmeras as narrativas que despertam inquietação em muitas pessoas, como se ali algo invisível estivesse à espreita.

Não é de hoje que as encruzilhadas são vistas como sítios especiais para as gentes. Desde tempos antigos, elas simbolizam o ponto de escolha, de transição, de ruptura.

Não pertencem totalmente a um caminho nem a outro; são territórios intermediários, fronteiras simbólicas entre o que foi e o que ainda pode ser. Por isso, ao longo da história, tornaram-se lugares carregados de significado espiritual, social e mítico.

Em diversas culturas, a encruzilhada é ponto de propiciação, local sagrado para determinados cultos e rituais. É ali que se fazem pedidos, que se agradece, que se firmam compromissos com forças consideradas superiores ou invisíveis. Também é ali que, segundo a crença popular, pactos são selados e promessas cobradas. O cruzamento dos caminhos espelha o cruzamento do destino.

Para alguns, trata-se de um ponto de encontro com o diabo, ideia fortemente difundida pelo imaginário cristão medieval, que associou esses espaços ao perigo, ao desvio moral e à tentação.

Para outros, no entanto, a encruzilhada é lugar de respeito e reverência. No candomblé e em outras religiões de matriz africana, é o ponto certo para deixar oferendas àquele que abre os caminhos:

Exu, o mensageiro entre os mundos, senhor do movimento, da comunicação e das escolhas. Exu não representa o mal, mas o dinamismo da vida, a possibilidade de mudança e a responsabilidade por cada decisão tomada.

Muito antes disso, na Grécia Antiga, a encruzilhada já era sagrada. Hécate, deusa associada à lua, à magia, às sombras e às passagens, era venerada nesses locais. Estátuas com três faces eram colocadas nos cruzamentos, olhando para todas as direções, simbolizando seu domínio sobre os caminhos visíveis e invisíveis.

Era a ela que se pediam proteção, orientação e clareza diante das incertezas. Assim, as encruzilhadas nunca foram apenas espaços físicos. Elas representam o momento em que somos obrigados a escolher, mesmo quando preferiríamos permanecer parados.

Talvez o medo que muitos sentem não venha do lugar em si, mas do que ele simboliza: a impossibilidade de seguir adiante sem decidir, a consciência de que cada caminho implica perdas, renúncias e consequências.

No fundo, a encruzilhada não ameaça,  ela revela. Revela quem somos quando o conforto do trajeto único se desfaz e somos confrontados com a liberdade, essa dádiva tão desejada quanto temida. 

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