Desde a minha infância escuto falar sobre os
supostos malefícios das encruzilhadas. Histórias repetidas em voz baixa,
advertências carregadas de medo, recomendações para jamais atravessá-las à
noite ou nelas permanecer por muito tempo.
Confesso, porém, que nunca senti arrepio nem
temor diante desses lugares. Ao contrário: sempre me pareceram espaços
silenciosos, quase neutros, onde o mundo parece suspenso por um instante. Ainda
assim, são inúmeras as narrativas que despertam inquietação em muitas pessoas,
como se ali algo invisível estivesse à espreita.
Não é de hoje
que as encruzilhadas são vistas como sítios especiais para as gentes. Desde
tempos antigos, elas simbolizam o ponto de escolha, de transição, de ruptura.
Não pertencem totalmente a um caminho nem a
outro; são territórios intermediários, fronteiras simbólicas entre o que foi e
o que ainda pode ser. Por isso, ao longo da história, tornaram-se lugares
carregados de significado espiritual, social e mítico.
Em diversas
culturas, a encruzilhada é ponto de propiciação, local sagrado para
determinados cultos e rituais. É ali que se fazem pedidos, que se agradece, que
se firmam compromissos com forças consideradas superiores ou invisíveis. Também
é ali que, segundo a crença popular, pactos são selados e promessas cobradas. O
cruzamento dos caminhos espelha o cruzamento do destino.
Para alguns,
trata-se de um ponto de encontro com o diabo, ideia fortemente difundida pelo
imaginário cristão medieval, que associou esses espaços ao perigo, ao desvio
moral e à tentação.
Para outros, no entanto, a encruzilhada é
lugar de respeito e reverência. No candomblé e em outras religiões de matriz
africana, é o ponto certo para deixar oferendas àquele que abre os caminhos:
Exu, o mensageiro entre os mundos, senhor do
movimento, da comunicação e das escolhas. Exu não representa o mal, mas o
dinamismo da vida, a possibilidade de mudança e a responsabilidade por cada
decisão tomada.
Muito antes
disso, na Grécia Antiga, a encruzilhada já era sagrada. Hécate, deusa associada
à lua, à magia, às sombras e às passagens, era venerada nesses locais. Estátuas
com três faces eram colocadas nos cruzamentos, olhando para todas as direções,
simbolizando seu domínio sobre os caminhos visíveis e invisíveis.
Era a ela que se pediam proteção, orientação
e clareza diante das incertezas. Assim, as encruzilhadas nunca foram apenas
espaços físicos. Elas representam o momento em que somos obrigados a escolher,
mesmo quando preferiríamos permanecer parados.
Talvez o medo que muitos sentem não venha do
lugar em si, mas do que ele simboliza: a impossibilidade de seguir adiante sem
decidir, a consciência de que cada caminho implica perdas, renúncias e
consequências.
No fundo, a encruzilhada não ameaça, ela revela. Revela quem somos quando o
conforto do trajeto único se desfaz e somos confrontados com a liberdade, essa
dádiva tão desejada quanto temida.









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