Propaganda

sábado, julho 20, 2024

O livre arbítrio



O Livre Arbítrio e as Contradições da Existência de um Deus Perfeito

O conceito de livre arbítrio é frequentemente definido como a capacidade humana de tomar decisões de forma autônoma, escolhendo entre o certo e o errado, independentemente de qualquer influência divina.

Para muitos crentes, o livre arbítrio é um pilar central de sua fé, uma dádiva que Deus concede aos seres humanos para que sigam seus caminhos por vontade própria.

No entanto, quando analisamos essa ideia sob a perspectiva de um Deus onipotente, onisciente e onipresente, surgem contradições que desafiam a própria existência desse conceito e, por extensão, a coerência da noção de um Deus perfeito.

Se Deus, conforme descrito pelas tradições teístas, é onipotente (todo-poderoso), onisciente (sabe tudo) e onipresente (está em todos os lugares), nada ocorre sem seu conhecimento ou permissão. Ele não apenas sabe o que aconteceu, está acontecendo e acontecerá, mas também, em sua onipotência, tem o poder de moldar todos os eventos.

Diante disso, como podemos afirmar que temos liberdade para escolher? Se Deus já conhece nossas decisões antes mesmo de as tomarmos, e se nada escapa à sua vontade soberana, o livre arbítrio não seria uma ilusão?

Afinal, é impossível surpreender um Deus que tudo sabe e tudo controla. Nesse cenário, o que chamamos de "escolha" parece ser apenas o desenrolar de um script já escrito.

Essa aparente contradição levanta uma questão crucial: o conceito de livre arbítrio, tão defendido por muitos crentes, seria apenas uma tentativa de justificar as inconsistências na descrição de um Deus perfeito?

Se Deus é infinitamente bom, justo e ama a todos, como explicar as mazelas do mundo? Por que o sofrimento, a miséria, as injustiças? Por que crianças nascem com doenças graves ou deformidades? Por que pessoas boas enfrentam tragédias enquanto, muitas vezes, indivíduos cruéis parecem prosperar?

A resposta frequentemente oferecida é: "É o livre arbítrio! Cada um colhe o que planta, e as escolhas humanas são as responsáveis pelo estado do mundo."

Essa explicação, porém, não resiste a um escrutínio mais profundo. Se Deus é onipresente e onisciente, permitindo apenas o que está alinhado à sua vontade, como podemos ser verdadeiramente livres para escolher entre o bem e o mal?

Se tudo o que acontece está, em última instância, sob o controle divino, o livre arbítrio se dissolve em uma contradição lógica. Além disso, atribuir ao livre arbítrio a culpa por todos os males do mundo parece uma tentativa de transferir a responsabilidade de Deus para os seres humanos.

Se somos nós que, por meio de nossas escolhas, "estragamos" a criação divina, então por que Deus, em sua onipotência, não intervém para corrigir o curso? E se ele escolhe não intervir, isso não sugere uma falha em sua bondade ou justiça?

Para ilustrar, consideremos exemplos concretos do mundo atual. Em 2025, o planeta ainda enfrenta crises humanitárias devastadoras: guerras, como os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia, continuam a ceifar vidas inocentes; desastres naturais, como furacões e terremotos, devastam comunidades; e desigualdades sociais persistem, com milhões vivendo em extrema pobreza enquanto uma minoria acumula riquezas obscenas.

Se atribuímos essas tragédias ao livre arbítrio humano, como explicar os desastres naturais ou as doenças congênitas, que escapam ao controle de qualquer escolha individual? E se tudo isso faz parte de um "plano divino", como conciliar esse plano com a ideia de um Deus amoroso?

A resposta de alguns teólogos é que o sofrimento tem um propósito maior, muitas vezes incompreensível para nós, ou que ele serve como um teste para a humanidade. Mas essa justificativa é satisfatória?

Dizer que o sofrimento de uma criança com uma doença terminal é parte de um "plano maior" parece cruel e distante da imagem de um Deus benevolente.

Além disso, se os erros do mundo são resultado de nossas escolhas, os acertos também o são. A ciência, a arte, os avanços médicos, as demonstrações de solidariedade - tudo isso é fruto do esforço humano.

Se somos responsáveis tanto pelo bem quanto pelo mal, qual é, afinal, o papel de Deus? Se a humanidade é capaz de criar e destruir por si só, a necessidade de um Deus onipotente e interventor se torna questionável.

Essa reflexão nos leva a uma encruzilhada filosófica. Ou aceitamos que o livre arbítrio, tal como definido, não existe, e que tudo está predeterminado por um Deus que sabe e permite tudo; ou concluímos que, se temos liberdade genuína, Deus não pode ser onisciente, onipotente e onipresente ao mesmo tempo.

Uma terceira possibilidade, que muitos abraçam, é que Deus, como descrito pelas religiões tradicionais, simplesmente não existe. Nesse caso, o livre arbítrio seria real, mas não como uma dádiva divina, e sim como uma característica inerente à condição humana, com todas as suas glórias e falhas.

Essa discussão não é nova. Filósofos como Epicuro, no século IV a.C., já questionavam a coexistência de um Deus todo-poderoso com o mal no mundo, no famoso "paradoxo de Epicuro": se Deus pode evitar o mal e não o faz, ele não é bom; se quer evitar o mal e não pode, ele não é onipotente.

Séculos mais tarde, pensadores como Voltaire, em seu romance Cândido, ironizaram a ideia de que vivemos no "melhor dos mundos possíveis", diante de tantas tragédias.

Hoje, em um mundo marcado por avanços científicos que explicam fenômenos antes atribuídos à divindade, a questão do livre arbítrio e da existência de Deus permanece tão relevante quanto controversa.

Em última análise, o debate sobre o livre arbítrio e a existência de Deus não oferece respostas fáceis. Para alguns, a fé transcende essas contradições, e o mistério divino é suficiente para explicar o inexplicável.

Para outros, as inconsistências apontam para a ausência de um Deus interventor, colocando nas mãos da humanidade a responsabilidade por moldar seu próprio destino.

Seja qual for a conclusão, uma coisa é certa: refletir sobre essas questões nos força a confrontar o sentido de nossa existência, nossas escolhas e o mundo que construímos.

Francisco Silva Sousa - Foto: Pixabay.

0 Comentários: