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domingo, julho 21, 2024

Arte de Bernini


Não é carne, é mármore: a genialidade de Gian Lorenzo Bernini

A escultura O Rapto de Proserpina (1621-1622), de Gian Lorenzo Bernini, é um marco paradigmático na história da arte. A obra, criada quando Bernini tinha apenas 23 anos, exemplifica o auge do barroco italiano, com seu dinamismo, emoção e domínio técnico.

O detalhe da coxa de Proserpina, onde os dedos de Plutão parecem afundar na carne, ilustra uma habilidade quase sobrenatural de transformar mármore frio em texturas que evocam a suavidade e elasticidade da pele humana.

Essa escultura não é apenas uma demonstração de técnica, mas um testemunho da capacidade de Bernini de infundir vida, drama e narrativa em pedra, consolidando-o como um dos maiores escultores de todos os tempos.

Quem foi Gian Lorenzo Bernini?

Nascido em Nápoles, em 7 de dezembro de 1598, Gian Lorenzo Bernini foi o principal expoente do barroco italiano. Filho de Pietro Bernini, um escultor maneirista, ele herdou o talento paterno, mas o superou em originalidade e impacto.

Embora mais conhecido como escultor e arquiteto, Bernini também se destacou como pintor, desenhista, cenógrafo e criador de espetáculos pirotécnicos, mostrando uma versatilidade que o tornou uma figura central na Roma do século XVII.

Sua carreira foi moldada pela cidade eterna, onde trabalhou sob o patrocínio de papas e cardeais, deixando um legado que ainda hoje define a paisagem urbana de Roma e do Vaticano.

Entre suas contribuições arquitetônicas e escultóricas estão obras icônicas como a Praça de São Pedro, com sua monumental colunata que abraça os fiéis, a Capela Chigi, O Êxtase de Santa Teresa (1647-1652), uma das representações mais intensas da espiritualidade barroca, Habacuc e o Anjo (1655-1661) e fontes como a Fontana dei Quattro Fiumi, na Piazza Navona, que simbolizam o poder da Igreja e a grandiosidade de Roma.

Juventude e primeiros passos

Gian Lorenzo nasceu em uma família florentina, mas foi em Roma, para onde se mudou com o pai em 1606, que sua trajetória artística começou. Desde cedo, suas habilidades prodigiosas chamaram a atenção de figuras influentes, como o pintor Annibale Carracci e o Papa Paulo V.

Ainda adolescente, Bernini já trabalhava como artista independente, inspirando-se nas esculturas helenísticas e romanas que estudava minuciosamente nos acervos do Vaticano e de coleções privadas. Essa imersão na arte clássica moldou sua técnica, mas foi sua capacidade de reinterpretá-la com emoção e movimento que o destacou.

Maturação como mestre escultor

Sob o mecenato do cardeal Scipione Borghese, sobrinho do Papa Paulo V, Bernini consolidou sua reputação como escultor. Seus primeiros trabalhos para os jardins da Villa Borghese, como A Cabra Amalthea (1615) e Almas Danadas e Almas Abençoadas (1619), já revelavam um talento promissor, mas foi com as grandes encomendas da década de 1620 que ele alcançou a maturidade artística.

Enéas, Anquises e Ascânio (1619)

Esta escultura, inspirada em um afresco de Rafael e no poema épico Eneida de Virgílio, retrata três gerações de uma mesma família em fuga de Troia. A obra explora as "três idades do homem" - juventude, maturidade e velhice - com um dinamismo que reflete o papel do herói em transição. A composição, com suas linhas fluidas e interação entre as figuras, demonstra o domínio de Bernini em criar narrativas visuais complexas.

O Rapto de Proserpina (1621-1622)

Inspirada na mitologia romana, esta obra captura o momento em que Plutão, deus do submundo, sequestra Proserpina. Bernini, influenciado pela escultura O Rapto das Sabinas de Giambologna, vai além ao recriar a textura da pele com uma verossimilhança impressionante.

O contraste entre a força bruta de Plutão e a resistência desesperada de Proserpina confere à obra um drama visceral, típico do barroco, que busca envolver emocionalmente o espectador.

Apolo e Dafne (1622-1625)

Baseada nas Metamorfoses de Ovídio, está escultura retrata o instante em que a ninfa Dafne, perseguida por Apolo, começa a se transformar em um loureiro para escapar do deus. Bernini capta o movimento com uma fluidez quase cinematográfica: as pernas de Dafne se tornam raízes, seus dedos brotam como folhas, e sua expressão reflete pavor e transformação.

A obra é um tour de force técnico e narrativo, simbolizando o conflito entre desejo e castidade, um tema recorrente no barroco.

David (1623-1624)

Diferentemente do David de Michelangelo, que representa o herói em contemplação antes da batalha, o David de Bernini é puro movimento, capturado no instante em que ele se prepara para lançar a pedra contra Golias.

A tensão muscular, o torcer do corpo e a expressão de concentração fazem desta obra um marco do barroco, que privilegia o dinamismo e a ação em oposição à serenidade renascentista.

O impacto de Bernini no barroco e além

O trabalho de Bernini não se limitou a criar esculturas; ele transformou a maneira como a arte era percebida. Suas obras, carregadas de emoção e teatralidade, refletem os ideais do barroco: glorificar a fé católica, impressionar o público e transmitir narrativas complexas.

Como arquiteto, Bernini remodelou Roma, dando à cidade uma identidade visual que mesclava espiritualidade e grandiosidade. A Praça de São Pedro, por exemplo, não é apenas um espaço arquitetônico, mas uma experiência sensorial que conduz os visitantes ao coração da Igreja Católica.

Além disso, Bernini foi um mestre em integrar escultura, arquitetura e cenografia. Em O Êxtase de Santa Teresa, ele combina mármore, luz natural e elementos arquitetônicos para criar uma cena quase teatral, onde a mística religiosa ganha vida. Essa abordagem multissensorial influenciou gerações de artistas e arquitetos, consolidando Bernini como um precursor da arte total.

Legado e morte

Bernini faleceu em Roma, em 28 de novembro de 1680, deixando um legado que transcende o barroco. Suas obras continuam a atrair milhões de visitantes ao Vaticano e à Roma histórica, enquanto sua influência pode ser vista em artistas que buscaram capturar movimento, emoção e drama.

Ele não apenas dominou o mármore, mas também redefiniu os limites da escultura, transformando pedra em narrativas vivas que ainda hoje emocionam e surpreendem.


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