A
criação do Universo, conforme está escrita na Bíblia, tem um jeitão meio
simplista, quase como uma historinha que a gente contaria pra acalmar uma
criança antes de dormir.
É tudo
tão mágico, tão instantâneo: um estalar de dedos divino e, pá, surge a luz.
Mais um aceno celestial e, tchã, aparecem as trevas, os mares, as montanhas, os
bichos e, como o gran finale de um show de mágica, o ser humano.
É uma
narrativa tão direta, tão poética, que parece até o roteiro de um desenho
animado ou o número de um mágico tirando um coelho da cartola. Não é difícil
entender por que essa história pegou tão forte por séculos.
Ela é
redondinha, resolve tudo num passe de varinha e dá um conforto danado pra quem
busca respostas prontas. Mas, quando a gente para pra pensar, fica aquele
gostinho de “é só isso mesmo?”.
Eu,
particularmente, me inclino mais pra ideia de que o Universo não nasceu de um
truque divino, mas de um processo longo, tortuoso, cheio de idas e vindas.
Não é
uma criação do nada, como se alguém tivesse ligado um interruptor cósmico, mas
uma transformação lenta, bagunçada, com matéria se mexendo, se chocando, se
desfazendo e virando outra coisa.
A
ciência, com toda a sua confusão de hipóteses, buracos teóricos e perguntas sem
resposta, me parece mais honesta do que uma explicação tão certinha.
Pensa
só: o Big Bang, aquele momento em que tudo era uma sopa quente e densa,
explodindo e se espalhando em todas as direções. Depois, bilhões de anos de gás
e poeira se juntando pra formar estrelas, galáxias girando como discos
cósmicos, planetas esfriando e, num canto qualquer, a vida surgindo aos poucos
num caldo primordial.
Não tem
o glamour de um “faça-se a luz”, mas tem uma lógica que conversa melhor com o
que a gente observa no céu e no chão. E tem mais: o Universo não é só sobre
criar, é sobre destruir também.
O caos
é tão essencial quanto a ordem nessa dança cósmica. Estrelas nascem em
explosões violentas e morrem em colapsos catastróficos, espalhando seus restos
pra formar novos astros.
Galáxias
se chocam, despedaçando sistemas inteiros pra criar outros. Aqui na Terra, os
dinossauros são o exemplo perfeito disso. Sem aquele asteroide - ou o que quer
que tenha varrido eles do mapa há 66 milhões de anos -, a história seria
completamente diferente.
Os
mamíferos, que eram só uns bichinhos miúdos tremendo nas sombras, nunca teriam
tido espaço pra evoluir. A gente, que tá aqui batendo esse papo, é fruto direto
de uma catástrofe.
Isso me
faz pensar que o Universo é uma mistura de construção e ruptura, como se cada
passo pra frente exigisse que algo fosse despedaçado antes.
Essa
ideia de caos como motor da evolução é fascinante. Pensa num vulcão: ele
destrói tudo ao redor, mas a lava que esfria vira solo fértil, onde a vida
explode de novo.
Ou nas
placas tectônicas, que se chocam, derrubam montanhas e criam outras. Até no
nosso corpo, isso acontece - células morrem o tempo todo pra dar lugar a novas.
O
Universo parece funcionar assim: nada é eterno, tudo se transforma, e muitas
vezes essa transformação vem com uma dose generosa de bagunça. A narrativa
bíblica, com sua ordem divina e criação impecável, não dá muito espaço pra esse
vaivém.
É como
se Deus tivesse desenhado tudo com régua e compasso, sem deixar margem pro erro
ou pro imprevisto. Mas o mundo real, com suas cicatrizes cósmicas e terrestres,
conta uma história bem mais desajeitada - e, pra mim, mais interessante.
Outra
coisa que me pega é como a ciência abraça o mistério, enquanto a narrativa
bíblica parece querer eliminá-lo. A ciência não tem vergonha de dizer “não
sei”. O Big Bang? A gente tem uma ideia do que aconteceu, mas o que veio antes,
se é que tinha um “antes”, é um baita ponto de interrogação.
A vida?
Sabemos que ela surgiu, mas o exato momento em que uma sopa química virou algo
que pulsa e se reproduz ainda é um enigma. A Bíblia, por outro lado, com toda a
certeza que carrega, oferece um conforto pra quem prefere respostas
definitivas.
Só que,
pra mim, esse conforto vem com um preço: ele fecha a porta pro assombro,
praquele frio na espinha que dá quando a gente encara o tamanho do desconhecido.
E tem
mais um ponto que acho que enriquece essa reflexão: o tempo. Na Bíblia, tudo
acontece em seis dias, como se o Universo pudesse ser montado numa semana de
trabalho.
Mas o
tempo cósmico é outra história. São 13,8 bilhões de anos desde o Big Bang, com
eventos que demoram eras pra se desenrolar. Estrelas levam milhões de anos pra
nascer e morrer.
A Terra
levou bilhões de anos pra esfriar, formar oceanos e abrigar vida. Até a
evolução humana, que parece rapidinha perto disso tudo, levou milhões de anos
de tentativa e erro.
Esse
tempo profundo, essa paciência do Universo, é algo que a narrativa bíblica não
captura. Ela é apressada, quer tudo pronto logo. Mas o Universo real é mais
como um artesão teimoso, que refaz a obra mil vezes até acertar - ou até
decidir que o “acerto” é só uma etapa pra próxima ruptura.
No fim,
acho que o pulo do gato tá aí: a ideia de criar algo do nada é bonita na
poesia, mas não cola com o que a gente vê no mundo. Tudo vem de algum lugar.
A
semente vira árvore, o rio corta a pedra, o pó estelar vira planeta, e até a
gente veio de uma longa cadeia de acasos, catástrofes e transformações. A
ciência não explica tudo, e às vezes tropeça feio, mas pelo menos ela tem a
coragem de encarar o caos e dizer: “tá, isso aqui é uma bagunça, mas vamos
tentar entender”.
Eu
prefiro essa honestidade, mesmo que ela venha com mais perguntas do que
respostas. E, no fundo, acho que o mistério é o que faz essa história toda
valer a pena. É ele que nos faz olhar pro céu e pensar: “caramba, como é que a
gente chegou aqui?”.
E você,
o que acha dessa bagunça cósmica toda? Acha que o caos e a destruição são mesmo
o tempero que dá graça à evolução, ou prefere uma história mais arrumadinha,
como a da Bíblia?
Francisco Silva Sousa - Foto: Pixabay
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