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segunda-feira, julho 15, 2024

Noite dos Cristais



A Noite dos Cristais: O Pogrom de 9-10 de novembro de 1938

A Noite dos Cristais, ou Kristallnacht, foi um pogrom violento orquestrado pela Alemanha nazista contra a população judaica nas noites de 9 e 10 de novembro de 1938.

Este ataque, levado a cabo pelas forças paramilitares das Sturmabteilung (SA) e por civis alemães incitados pela propaganda nazista, marcou um ponto de virada na escalada da perseguição antissemita, sendo considerado por muitos historiadores como o prelúdio da Solução Final e do Holocausto.

O nome Kristallnacht ("Noite dos Cristais") deriva dos milhões de cacos de vidro que cobriram as ruas após a destruição de janelas de lojas, sinagogas e residências judaicas.

As autoridades alemãs, incluindo a polícia e os bombeiros, assistiram aos atos de violência sem intervir, exceto em casos raros para proteger propriedades de cidadãos não judeus.

Este pogrom não foi um evento espontâneo, como sugerido pela propaganda nazista, mas uma ação cuidadosamente planejada, com ordens explícitas de altos líderes do regime, como Joseph Goebbels e Reinhard Heydrich.

O Pretexto: O Assassinato de Ernst vom Rath

O gatilho imediato para a Kristallnacht foi o assassinato do diplomata alemão Ernst vom Rath, em Paris, por Herschel Grynszpan, um jovem judeu polonês de 17 anos.

Grynszpan, que vivia em Paris, agiu movido por desespero após receber notícias da deportação brutal de sua família, que fazia parte da Polenaktion - uma expulsão em massa de cerca de 12.000 judeus poloneses da Alemanha em outubro de 1938.

Na manhã de 7 de novembro, Grynszpan comprou um revólver, dirigiu-se à embaixada alemã em Paris e disparou contra Vom Rath, que morreu dois dias depois, em 9 de novembro.

Embora o ataque de Grynszpan tenha sido um ato isolado, ele foi explorado pelo regime nazista como uma justificativa para desencadear uma onda de violência antissemita.

Na noite da morte de Vom Rath, enquanto Hitler jantava com líderes do Partido Nazista em Munique, durante uma comemoração do Putsch da Cervejaria de 1923, Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, aproveitou a oportunidade para incitar os presentes.

Em seu discurso, Goebbels sugeriu que "manifestações espontâneas" contra os judeus não deveriam ser impedidas, uma ordem velada para a organização do pogrom. Reinhard Heydrich, chefe da Segurança do Reich, enviou instruções precisas às forças policiais e às SA, garantindo que a violência fosse direcionada exclusivamente contra os judeus e que propriedades de não judeus fossem protegidas.

A Escala da Destruição

A Kristallnacht foi marcada por uma violência devastadora em toda a Alemanha, Áustria (anexada em março de 1938) e partes dos Sudetos (recém-incorporados após o Acordo de Munique).

Sinagogas foram incendiadas - mais de 1.000, incluindo 95 em Viena -, lojas judaicas foram saqueadas, e residências, escolas e hospitais pertencentes a judeus foram destruídos.

Cerca de 7.000 negócios judaicos foram danificados ou completamente arrasados. A destruição foi tão sistemática que, em muitas cidades, os atacantes usaram listas preparadas com antecedência para identificar alvos judaicos.

As estimativas iniciais indicavam que 36 judeus foram mortos durante os ataques, mas estudos mais recentes, como os do historiador Richard J. Evans, apontam para cerca de 91 vítimas fatais diretas.

Quando se consideram as mortes subsequentes - resultantes de maus-tratos em campos de concentração, ferimentos graves e suicídios motivados pelo desespero -, o número de mortos chega a centenas.

Além disso, cerca de 30.000 homens judeus foram presos e enviados para campos de concentração como Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen, onde enfrentaram condições desumanas.

Muitos foram libertados semanas ou meses depois, sob a condição de emigrarem imediatamente, o que intensificou a crise de refugiados judeus.

Contexto e Antecedentes

A Kristallnacht não foi um evento isolado, mas o ápice de uma série de políticas antissemitas implementadas pelo regime nazista desde a ascensão de Adolf Hitler ao poder em 30 de janeiro de 1933.

Antes de 1933, os judeus alemães, que representavam menos de 1% da população (cerca de 500.000 pessoas), estavam amplamente integrados à sociedade. Muitos serviram com distinção na Primeira Guerra Mundial, contribuíram para a ciência, cultura e economia, e se consideravam cidadãos alemães plenos.

No entanto, a nomeação de Hitler como chanceler, seguida pela aprovação da Lei de Concessão de Plenos Poderes após o incêndio do Reichstag, mudou radicalmente sua situação.

A propaganda nazista culpava os judeus pela derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, pela hiperinflação dos anos 1920 e pelo colapso econômico após o Crash de Wall Street em 1929.

A partir de 1933, o regime promulgou uma série de leis antissemitas, começando com a Lei de Restauração do Serviço Público Profissional (7 de abril de 1933), que excluiu judeus de cargos públicos.

Em 1935, as Leis de Nuremberg privaram os judeus da cidadania alemã, proibiram casamentos ou relações entre judeus e não judeus e os relegaram a uma condição de marginalidade legal. Essas medidas visavam isolar os judeus da vida social, política e econômica, forçando muitos a emigrar.

A Polenaktion de outubro de 1938, que expulsou judeus poloneses da Alemanha, foi outro passo na escalada da perseguição. As condições desumanas enfrentadas pelos deportados - muitos dos quais foram abandonados na fronteira polonesa sem comida, abrigo ou documentos - geraram indignação internacional, mas também serviram como um pretexto para intensificar a repressão interna.

O assassinato de Vom Rath por Grynszpan, embora um ato individual, foi manipulado pelo regime para justificar a Kristallnacht e acelerar a expropriação de bens judeus.

Impacto e Reações Internacionais

A Kristallnacht chocou o mundo e foi amplamente noticiada por jornalistas estrangeiros baseados na Alemanha. O jornal britânico The Times descreveu os eventos como uma "desonra" para a Alemanha, destacando a brutalidade dos ataques contra "pessoas indefesas e inocentes".

Nos Estados Unidos, o presidente Franklin D. Roosevelt condenou publicamente os pogroms e retirou o embaixador americano de Berlim, uma medida diplomática significativa. No entanto, a indignação internacional não se traduziu em ações concretas para acolher refugiados judeus.

A Conferência de Évian, realizada em julho de 1938, já havia revelado a relutância de muitos países em flexibilizar suas políticas de imigração, deixando centenas de milhares de judeus sem opções de refúgio.

Na Alemanha, o pogrom intensificou a exclusão econômica dos judeus. Após a Kristallnacht, o regime impôs uma multa coletiva de 1 bilhão de marcos aos judeus alemães, alegando que eles eram responsáveis pelos danos causados.

Além disso, decretos subsequentes proibiram judeus de possuir negócios, frequentar escolas públicas ou participar de atividades culturais, forçando-os a uma existência precária.

Muitos judeus, percebendo que não havia futuro na Alemanha, intensificaram os esforços para emigrar, mas enfrentaram barreiras crescentes, como cotas de imigração restritivas e a relutância de outros países em aceitá-los.

Motivações Nazistas

A Kristallnacht não foi apenas um ato de violência antissemita, mas também uma estratégia para alcançar objetivos políticos e econômicos. O historiador Hans Mommsen destacou que os Gauleiters (líderes regionais do Partido Nazista) buscavam apropriar-se dos bens judeus para financiar as organizações locais do partido, que enfrentavam dificuldades financeiras.

Hermann Göring, responsável pelo Plano de Quatro Anos, via na expropriação dos judeus uma forma de obter divisas estrangeiras para importar matérias-primas essenciais à economia de guerra.

Por outro lado, Heinrich Himmler e Reinhard Heydrich, líderes da SS, tinham interesse em acelerar a emigração forçada dos judeus, o que exigia a intensificação da pressão sobre eles.

A Kristallnacht também serviu como um teste para avaliar a reação da população alemã e da comunidade internacional. A apatia de muitos alemães, que não se opuseram aos ataques, e a resposta limitada de outros países reforçaram a percepção nazista de que poderiam intensificar a perseguição sem consequências significativas.

Legado e Significado Histórico

A Noite dos Cristais é vista como um marco na história do Holocausto, representando a transição de políticas discriminatórias para a violência aberta e sistemática contra os judeus.

O pogrom revelou a extensão do ódio antissemita promovido pelo regime nazista e a cumplicidade de setores da sociedade alemã, seja por ação direta, seja por omissão.

Para os judeus alemães, a Kristallnacht destruiu qualquer ilusão de segurança, levando muitos a perceber que a emigração era a única esperança de sobrevivência.

O impacto da Kristallnacht ressoa até hoje como um lembrete dos perigos do ódio, da propaganda e da indiferença. Ela também sublinha a importância de ações internacionais coordenadas para proteger populações vulneráveis e prevenir atrocidades.

Como escreveu o historiador Martin Gilbert, nenhum outro evento na história dos judeus alemães entre 1933 e 1945 foi tão amplamente documentado em tempo real, graças aos relatos de jornalistas estrangeiros que expuseram a barbárie nazista ao mundo.

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