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quinta-feira, outubro 09, 2025

Quando a ausência se prolonga


 

Quem se ausenta demais, com o tempo, deixa de fazer falta. Essa é uma das leis mais sutis - e cruéis - da vida. Tudo o que se afasta por tempo demais tende a ser substituído, esquecido ou transformado.

É assim com as pessoas, com os laços, com os lugares. A presença - seja ela física, emocional ou simbólica - é o que mantém acesas as conexões que nos unem. Quando ela se apaga, mesmo que lentamente, o espaço que ocupava começa, inevitavelmente, a ser preenchido.

Não se trata de desdém nem de ingratidão. Trata-se de sobrevivência. A vida não se curva à ausência; ela se reorganiza. O tempo não para em respeito ao que partiu. Ele avança, silencioso, ajustando as peças do cotidiano, reconfigurando afetos e redistribuindo presenças.

É fácil perceber isso nos vínculos humanos. Uma amizade que não é alimentada pelo contato torna-se, aos poucos, uma lembrança boa, mas distante.

Aquele amigo de infância com quem se ria de tudo um dia vira apenas uma história contada com um sorriso nostálgico. Relações familiares também se desfazem assim: o que não é cultivado com gestos, conversas e presença, perde calor, perde cor, perde vida.

Até mesmo no ambiente de trabalho, a ausência prolongada muda o fluxo das coisas. Um colega que se afasta, por um motivo ou outro, logo vê seu papel sendo assumido por outros.

O grupo se adapta, novas rotinas surgem, e o espaço que antes era ocupado se transforma em algo novo. O mesmo acontece quando alguém, após anos distante, tenta retomar o convívio com amigos: percebe que as conversas mudaram, os assuntos evoluíram, e que aquele lugar que um dia foi seu já não o reconhece como antes.

Um exemplo marcante dessa dinâmica aconteceu durante a pandemia de 2020. O isolamento forçado afastou pessoas, dissolveu rotinas e testou os limites das relações humanas.

Alguns laços sobreviveram pela vontade mútua de permanecer - por videochamadas, mensagens, gestos simbólicos de cuidado. Outros, porém, se perderam no silêncio.

Quando o mundo reabriu, muitos perceberam que já não pertenciam aos mesmos círculos, que os vínculos haviam sido substituídos por novos hábitos, novos afetos, novos começos.

Mas é importante dizer: a ausência não é, necessariamente, o fim. Às vezes, ela é pausa necessária. Distâncias também podem amadurecer vínculos, desde que exista intenção de retorno, vontade de manter viva a conexão.

Há ausências férteis, como o silêncio entre notas musicais - aquele intervalo que dá sentido à melodia. No entanto, quando o silêncio se prolonga demais, a música deixa de existir.

Por isso, estar presente - ainda que de forma simples - é um gesto de amor e permanência. Uma ligação breve, uma mensagem inesperada, um encontro casual... Pequenos atos têm o poder de sustentar o fio invisível das relações. É assim que se mantém viva a lembrança, a importância e o afeto.

Porque, no fim, o que faz falta não é apenas a pessoa, mas o que ela representa no tecido delicado das nossas vidas. E esse tecido, quando não é cuidado, vai se desfazendo lentamente, fio por fio, até restar apenas a memória do que um dia foi calor, companhia e presença.

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