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quarta-feira, outubro 08, 2025

A racionalidade e sua sombra


 

A humanidade, autoproclamada como a espécie mais racional do planeta, carrega consigo uma contradição sombria: a capacidade de criar e perpetuar a crueldade. Diferentemente dos animais, que caçam movidos pelo instinto de sobrevivência, o ser humano desenvolveu formas de violência que transcendem a necessidade básica.

A tortura, a opressão e a destruição deliberada não encontram paralelo no reino animal, onde a luta é pela subsistência - não pela maldade. O homem não apenas subjuga outras espécies, explorando animais em experimentos cruéis, confinamentos industriais e caças desnecessárias, como também volta sua capacidade de infligir sofrimento contra os próprios semelhantes.

Guerras, genocídios, discriminações e sistemas de opressão são testemunhos de uma racionalidade que, em muitos momentos, parece desvirtuada.

A história humana está repleta de episódios que ilustram essa tendência: desde as fogueiras da Inquisição na Idade Média, passando pelos horrores dos campos de concentração do século XX, até as guerras contemporâneas que continuam a ceifar vidas em nome de ideologias, territórios ou poder.

Mas a crueldade moderna não se restringe aos campos de batalha. Ela se manifesta de maneira mais sutil - e igualmente devastadora - nas estruturas sociais e econômicas que o próprio homem criou.

A manipulação psicológica, a exploração do trabalho, a exclusão de minorias e a destruição ambiental revelam uma face refinada da violência: aquela que corrói lentamente, sob o disfarce do progresso.

Florestas são queimadas, oceanos contaminados e ecossistemas inteiros colapsam diante da indiferença coletiva, enquanto comunidades inteiras são deslocadas ou marginalizadas.

Tudo isso, muitas vezes, com plena consciência de suas consequências. E é justamente essa consciência - essa lucidez fria diante da dor - que torna a crueldade humana ainda mais perturbadora.

Ser racional, portanto, não é sinônimo de ser virtuoso. A razão, quando dissociada da empatia, se transforma em instrumento de dominação. Foi ela que construiu armas de destruição em massa, mas também que projetou hospitais, escolas e tratados de paz.

A mesma mente capaz de elaborar estratégias de extermínio é também aquela que compõe sinfonias, cria obras de arte e dedica a vida à cura e à solidariedade.

Apesar de tudo, há luz. A história também é feita de resistências, de vozes que se levantam contra a barbárie. Movimentos pela abolição da escravidão, pelos direitos civis, pela proteção animal e pela preservação do meio ambiente são provas de que a humanidade ainda busca redenção.

Eles mostram que a razão pode, sim, se aliar à compaixão, e que o pensar crítico pode se tornar um instrumento de cura e transformação. O título de “espécie racional” carrega, portanto, um peso ambíguo.

Ele reflete tanto o poder de criar quanto o de destruir. Cabe à humanidade decidir como usará essa razão - se continuará a erguer monumentos à crueldade ou se aprenderá, enfim, a construir um mundo onde a inteligência caminhe lado a lado com a sensibilidade, e onde a razão não seja uma arma, mas um caminho para a paz.

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