Herculano: A Cidade Silenciosa que o Vesúvio Preservou
Herculano era uma antiga cidade romana
localizada onde hoje se encontra a moderna Ercolano, na Campânia, Itália. Assim
como sua vizinha Pompeia, foi tragicamente soterrada pela erupção catastrófica
do Monte Vesúvio no ano de 79 d.C. Contudo, o destino de Herculano seguiu um
curso distinto e, em alguns aspectos, ainda mais surpreendente.
Embora fosse menor que Pompeia - com uma
população estimada entre 4 e 5 mil habitantes - Herculano era consideravelmente
mais rica. Tornara-se um refúgio costeiro para membros da elite romana, que ali
desfrutavam de casas luxuosas, mosaicos refinados, jardins privados e uma vista
privilegiada do mar. A abundância de revestimentos em mármore colorido e a
arquitetura elaborada refletem esse ambiente de prestígio e opulência.
A Preservação Inesperada
Ao contrário de Pompeia, que foi coberta por
uma chuva contínua de cinzas e pedra-pomes, Herculano foi engolida
principalmente por ondas piroclásticas: massas ardentes de gases tóxicos,
cinzas microscópicas e detritos ultra quentes que desceram dos flancos do monte
a velocidades superiores a 150 km/h.
Esse tipo de soterramento teve uma
consequência singular: a carbonização e preservação de materiais orgânicos,
algo extremamente raro na arqueologia romana. Telhados, portas, camas,
prateleiras, alimentos, tecidos e até papiros foram carbonizados
instantaneamente, impedindo sua decomposição.
Entre esses tesouros se destaca a famosa Vila
dos Papiros, onde centenas de rolos filosóficos - provavelmente pertencentes à
biblioteca de Lúcio Calpúrnio Pisão, sogro de Júlio César - sobreviveram até os
dias de hoje.
Uma Redescoberta por Acaso
A história tradicional afirma que Herculano
foi redescoberta em 1709, quando a escavação de um poço atingiu parte do antigo
teatro romano. No entanto, evidências indicam que estruturas antigas já haviam
sido encontradas antes desse episódio, durante obras locais de terraplanagem.
Os primeiros anos após a descoberta foram
marcados por uma espécie de "corrida ao tesouro". Túnel após túnel
era escavado de forma clandestina, com o objetivo de retirar obras de arte,
esculturas e objetos preciosos. Muitos desses itens foram parar em coleções
particulares europeias, o que se tornou um desafio para historiadores e
arqueólogos posteriores.
Somente em 1738 iniciaram-se escavações
oficiais, patrocinadas pela corte Bourbon de Nápoles. Desde então, o sítio
passou por diferentes fases de exploração. Hoje, grande parte dos recursos é
destinada à preservação das áreas já descobertas, uma vez que apenas parte da
antiga cidade foi escavada - e o restante permanece protegido sob camadas de
material vulcânico.
A Erupção: A Tragédia que Paralisou o Tempo
Graças às cartas de Plínio, o Jovem,
dirigidas ao historiador Tácito, e às evidências arqueológicas, podemos
reconstruir o desenrolar dos acontecimentos com grande precisão.
Primeiro dia – início da tarde
Por volta das 13h, o Vesúvio expeliu uma
colossal coluna de material vulcânico que atingiu entre 27 e 33 km de altura.
Plínio comparou a forma dessa coluna a um pinheiro-manso, com um tronco
vertical e uma copa larga no topo - a primeira descrição registrada do fenômeno
que hoje chamamos de erupção pliniana.
Os ventos sopravam para sudeste, o que fez
com que Pompeia recebesse o impacto inicial. Em poucas horas, a cidade vizinha
estava coberta por cinzas e pedra-pomes, levando casas ao colapso.
Já Herculano, situada a oeste do vulcão, foi
pouco afetada nesse momento. Apenas uma fina camada de cinzas caiu sobre suas
ruas. Mesmo assim, o estranho escurecimento do céu e a chuva de cinzas foram
suficientes para que a maioria da população fugisse ou buscasse abrigo.
Segundo dia - madrugada mortal
Por volta da 1h da manhã, a enorme coluna
eruptiva entrou em colapso. A primeira onda piroclástica desceu pelos flancos
do Vesúvio a cerca de 160 km/h, alcançando Herculano em poucos instantes.
O calor atingiu níveis extremos - mais de 250
ºC - suficiente para provocar morte instantânea. Estudos modernos mostraram que
as vítimas não morreram por asfixia, como se acreditava anteriormente, mas sim
por exposição súbita a temperaturas letais. Em muitos casos, o calor foi tão
intenso que vaporizou tecidos moles em segundos.
Uma sequência de seis fluxos piroclásticos
posteriores enterrou a cidade sob cerca de 20 metros de material vulcânico,
preservando de modo extraordinário edifícios, móveis, esculturas e até pessoas
em suas últimas posturas.
Entre os achados mais impressionantes estão
os esqueletos de aproximadamente 300 pessoas encontrados nas chamadas “casas de
barco”, próximo à antiga praia. Eram, ao que tudo indica, moradores que
aguardavam evacuação marítima que nunca chegou.
A Questão da Data da Erupção
Durante séculos, acreditou-se que o desastre
ocorreu em 24 de agosto de 79 d.C., baseado em manuscritos medievais das cartas
de Plínio. Porém, evidências arqueológicas vêm apontando para uma data em outubro,
possivelmente 17 de outubro: as vítimas vestiam roupas de frio, incompatíveis
com agosto; frutas e legumes encontrados eram típicos do outono italiano; ânforas
de vinho estavam lacradas - algo que ocorria no fim da colheita, em outubro; moedas
achadas com uma vítima traziam títulos imperiais atualizados apenas após
setembro. Esses detalhes têm levado muitos estudiosos a revisarem a cronologia
tradicional.










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