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quinta-feira, novembro 27, 2025

O Fenômeno da Invisibilidade Pública.




A Experiência Transformadora de Fernando Braga da Costa e o Fenômeno da Invisibilidade Pública.

O psicólogo social Fernando Braga da Costa, então estudante de Psicologia na Universidade de São Paulo (USP), realizou uma das pesquisas mais marcantes e provocativas já produzidas no campo da psicologia social brasileira.

Para desenvolver sua tese de mestrado sobre o conceito de “invisibilidade pública”, ele adotou uma metodologia radicalmente imersiva: em vez de se limitar a dados teóricos, entrevistas ou observações distantes, vestiu o uniforme de gari - trabalhador responsável pela limpeza urbana - e exerceu de forma real essa função dentro do campus da USP.

A experiência, que começou ainda em 1994 e se estendeu por oito anos, transformou-se em um estudo vivo sobre como a sociedade lida com aqueles que ocupam posições de baixa valorização simbólica.

Braga da Costa varria calçadas, recolhia lixo, trabalhava sob o sol e a chuva, e conviveu diariamente com garis reais, integrando-se à rotina invisível que sustenta a vida urbana.

Com o tempo, passou a perceber, com nitidez dolorosa, a tese que se desenhava diante de seus olhos: pessoas não são vistas por quem são, mas pelo papel social que aparentam ocupar.

Um dos episódios mais impactantes relatados por ele envolve colegas e professores da própria universidade: muitos passavam por ele sem reconhecer seu rosto ou sequer direcionar um cumprimento - algo que jamais acontecia quando estava vestido como estudante.

A mudança de tratamento era abrupta e reveladora. As mesmas pessoas que, horas antes, discutiam teorias psicológicas com ele, atravessavam o olhar quando o viam com o uniforme laranja de gari, como se aquele outro “eu” não merecesse atenção.

Essa ruptura demonstrou na prática o que o pesquisador definiu como “invisibilidade social”: a tendência a ignorar sujeitos que não correspondem ao status ou prestígio esperados dentro de um ambiente elitizado.

Durante seu convívio com garis profissionais, Braga da Costa aprofundou ainda mais seu entendimento sobre o fenômeno. Ouviu histórias de humilhação, preconceito e silenciamento, mas também de companheirismo, dignidade e resistência.

Ele observou que crianças e pessoas de classes sociais mais baixas costumavam cumprimentá-lo com espontaneidade, enquanto estudantes, docentes e funcionários de alto escalão frequentemente desviavam o olhar -evidenciando como a invisibilidade é alimentada por estruturas rígidas de poder, escolaridade e estratificação social.

Sua pesquisa demonstrou que a invisibilidade pública não é apenas um fenômeno perceptivo, mas um mecanismo de exclusão simbólica que se reproduz cotidianamente.

Pessoas relegadas a trabalhos essenciais, porém considerados “simples”, tornam-se sombras sociais. Não são vistas, não são ouvidas, e raramente são reconhecidas como sujeitos completos. Esse processo, além de afetar a autoestima e a identidade, reforça desigualdades históricas profundas.

A dissertação, defendida no Instituto de Psicologia da USP em 2000, rapidamente ultrapassou os muros acadêmicos. Ganhou repercussão nacional e internacional, inspirando debates sobre desigualdade, empatia e estrutura social.

Anos depois, em seu TEDx Talk em Belo Horizonte (publicado em 2012), Braga da Costa relatou suas vivências com emoção e clareza, mostrando como pequenos gestos - um “bom dia”, um sorriso, um olhar verdadeiro - têm poder para restaurar a humanidade frequentemente negada aos trabalhadores invisíveis do cotidiano.

A contribuição de Fernando Braga da Costa permanece viva como um alerta e um convite: ver o outro é reconhecer sua dignidade. Sua tese, disponível no repositório digital da USP, continua sendo referência para estudos em psicologia social, sociologia, antropologia e para profissionais interessados em compreender as sutilezas da desvalorização humana nas relações urbanas.



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