A Experiência Transformadora de Fernando Braga da Costa e o Fenômeno da Invisibilidade Pública.
O psicólogo social Fernando
Braga da Costa, então estudante de Psicologia na Universidade de São Paulo
(USP), realizou uma das pesquisas mais marcantes e provocativas já produzidas
no campo da psicologia social brasileira.
Para desenvolver sua tese de
mestrado sobre o conceito de “invisibilidade pública”, ele adotou uma
metodologia radicalmente imersiva: em vez de se limitar a dados teóricos,
entrevistas ou observações distantes, vestiu o uniforme de gari - trabalhador
responsável pela limpeza urbana - e exerceu de forma real essa função dentro do
campus da USP.
A experiência, que começou
ainda em 1994 e se estendeu por oito anos, transformou-se em um estudo vivo sobre
como a sociedade lida com aqueles que ocupam posições de baixa valorização
simbólica.
Braga da Costa varria
calçadas, recolhia lixo, trabalhava sob o sol e a chuva, e conviveu diariamente
com garis reais, integrando-se à rotina invisível que sustenta a vida urbana.
Com o tempo, passou a
perceber, com nitidez dolorosa, a tese que se desenhava diante de seus olhos:
pessoas não são vistas por quem são, mas pelo papel social que aparentam
ocupar.
Um dos episódios mais
impactantes relatados por ele envolve colegas e professores da própria
universidade: muitos passavam por ele sem reconhecer seu rosto ou sequer
direcionar um cumprimento - algo que jamais acontecia quando estava vestido
como estudante.
A mudança de tratamento era
abrupta e reveladora. As mesmas pessoas que, horas antes, discutiam teorias
psicológicas com ele, atravessavam o olhar quando o viam com o uniforme laranja
de gari, como se aquele outro “eu” não merecesse atenção.
Essa ruptura demonstrou na
prática o que o pesquisador definiu como “invisibilidade social”: a
tendência a ignorar sujeitos que não correspondem ao status ou prestígio
esperados dentro de um ambiente elitizado.
Durante seu convívio com garis
profissionais, Braga da Costa aprofundou ainda mais seu entendimento sobre o
fenômeno. Ouviu histórias de humilhação, preconceito e silenciamento, mas
também de companheirismo, dignidade e resistência.
Ele observou que crianças e
pessoas de classes sociais mais baixas costumavam cumprimentá-lo com
espontaneidade, enquanto estudantes, docentes e funcionários de alto escalão
frequentemente desviavam o olhar -evidenciando como a invisibilidade é
alimentada por estruturas rígidas de poder, escolaridade e estratificação
social.
Sua pesquisa demonstrou que a
invisibilidade pública não é apenas um fenômeno perceptivo, mas um mecanismo de
exclusão simbólica que se reproduz cotidianamente.
Pessoas relegadas a trabalhos
essenciais, porém considerados “simples”, tornam-se sombras sociais. Não são
vistas, não são ouvidas, e raramente são reconhecidas como sujeitos completos.
Esse processo, além de afetar a autoestima e a identidade, reforça
desigualdades históricas profundas.
A dissertação, defendida no
Instituto de Psicologia da USP em 2000, rapidamente ultrapassou os muros
acadêmicos. Ganhou repercussão nacional e internacional, inspirando debates
sobre desigualdade, empatia e estrutura social.
Anos depois, em seu TEDx Talk
em Belo Horizonte (publicado em 2012), Braga da Costa relatou suas vivências
com emoção e clareza, mostrando como pequenos gestos - um “bom dia”, um
sorriso, um olhar verdadeiro - têm poder para restaurar a humanidade
frequentemente negada aos trabalhadores invisíveis do cotidiano.
A contribuição de Fernando
Braga da Costa permanece viva como um alerta e um convite: ver o outro é reconhecer
sua dignidade. Sua tese, disponível no repositório digital da USP, continua
sendo referência para estudos em psicologia social, sociologia, antropologia e
para profissionais interessados em compreender as sutilezas da desvalorização
humana nas relações urbanas.
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