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segunda-feira, dezembro 01, 2025

Ruivas - Temidas e demonizadas através da História


 

Ruivas: as mais temidas, desejadas e demonizadas da História

Durante milênios, poucas características físicas despertaram tanto fascínio e medo quanto os cabelos vermelhos. Em quase todas as culturas, as ruivas foram vistas como diferentes - e o diferente, quase sempre, foi tratado como perigoso.

Antiguidade e mitologia

No Antigo Egito, os ruivos eram associados ao deus Set (ou Seth), o senhor do caos, das tempestades e da violência. Sacrificar pessoas de cabelos vermelhos (ou até animais ruivos) era um ritual para aplacar a ira do deus. Há registros de que, em certas épocas, ruivos eram queimados vivos em cerimônias para “afastar o mal”.

Na Grécia antiga, acreditava-se que os ruivos se transformavam em vampiros após a morte. Aristóteles chegou a escrever que pessoas de cabelo vermelho eram emocionalmente instáveis e “de sangue quente”.

Na tradição judaica pré-cristã, Lilith - a suposta primeira esposa de Adão, que se rebelou e virou demônio - é frequentemente descrita em textos medievais como uma mulher de longos cabelos ruivos flamejantes.

Idade Média e Inquisição

Durante a Idade Média europeia, o cabelo vermelho tornou-se um dos principais “sinais” de bruxaria. Milhares de mulheres (e alguns homens) ruivos foram queimados na fogueira, sobretudo na Alemanha e na Escócia.

A Inquisição Espanhola associava os cabelos ruivos aos judeus (mesmo que muitos judeus sefarditas fossem morenos). Na arte renascentista, Judas Iscariotes quase sempre era pintado como ruivo - um estereótipo que perdurou séculos.

Em “O Mercador de Veneza” de Shakespeare, embora Shylock não seja explicitamente descrito como ruivo no texto, muitas montagens clássicas tingiam seu cabelo ou barba de vermelho para reforçar a imagem do “judeu traiçoeiro”.

Na Inglaterra elisabetana e jacobina (séculos XVI–XVII), acreditava-se que as bruxas roubavam crianças para tingir seus cabelos com sangue e ficarem ruivas - uma lenda que ajudou a alimentar caças às bruxas.

Era Moderna e o preconceito que sobreviveu

No século XIX, na Inglaterra vitoriana, ser ruivo ainda era motivo de bullying nas escolas. O termo “ginger” passou a ser usado como insulto (e ainda é em alguns lugares do Reino Unido).

Durante o nazismo, embora os nazistas exaltassem o “tipo ariano loiro”, os ruivos eram vistos com desconfiança: o gene MC1R era considerado uma “degeneração” da pureza racial nórdica. Alguns cientistas da época sugeriram esterilizar ruivos.

A ciência por trás do fogo

Os cabelos ruivos são causados por variantes do gene MC1R, localizado no cromossomo 16. Esse gene controla a produção de feomelanina (pigmento avermelhado) em vez de eumelanina (castanho/preto). Para alguém ser ruivo natural, precisa herdar duas cópias da variante recessiva - uma do pai e uma da mãe.

Curiosidades biológicas:

Ruivos têm maior tolerância a anestésicos (precisam de cerca de 20% mais anestesia geral). Sentem mais frio e mais calor, e produzem vitamina D com mais eficiência (vantagem evolutiva em regiões nubladas do norte da Europa).

Têm menos cabelos na cabeça que a média (cerca de 90 mil fios, contra 140 mil de loiros e 110 mil de morenos).

Onde estão os ruivos hoje?

Escócia: 13% da população tem cabelos ruivos; 40% carrega o gene (maior concentração do mundo).

Irlanda: 10% ruivos, 46% portadores do gene.

Na pequena ilha de Udmúrtia (Rússia), há um festival anual chamado “Dia do Cabelo Vermelho”, que reúne milhares de ruivos de todo o país - um dos poucos lugares onde ser ruivo é motivo de orgulho coletivo.

Vão desaparecer?

Em 2007, uma falsa notícia (originada numa matéria mal interpretada da revista National Geographic) espalhou que “os ruivos vão desaparecer em 2060”. Não é verdade. O gene é recessivo, mas enquanto houver humanos, haverá casais que podem gerar ruivos.

A porcentagem pode diminuir com a miscigenação global, mas a extinção é biologicamente impossível sem uma catástrofe que elimine o gene MC1R por completo.

E os neandertais?

Estudos genéticos de 2007 e 2017 (publicados na Science e na Nature) confirmaram que algumas populações de neandertais possuíam variantes do MC1R idênticas às dos ruivos modernos. Ou seja: o cabelo vermelho existe há pelo menos 50-100 mil anos - muito antes do Homo sapiens chegar à Europa.

Hoje: do estigma ao fetiche

No século XXI, o jogo virou. Depois de milênios sendo queimadas, temidas e ridicularizadas, as ruivas viraram símbolo de beleza rara e sensualidade. Campanhas publicitárias, filmes, séries (pense em Jessica Chastain, Karen Gillan, Sophie Turner como Sansa Stark) e até bancos de esperma na Dinamarca relatam maior procura por doadores ruivos.

Do demônio na fogueira à musa desejada: poucas características humanas passaram por uma reversão tão radical de imagem. E, no fim das contas, tudo isso por causa de uma pequena mutação num único gene.

Se você conhece uma ruiva, lembre-se: ela carrega nas veias o mesmo fogo que aterrorizou impérios, queimou bruxas, desafiou deuses e, ainda hoje, faz o mundo parar para olhar duas vezes.

Porque, como dizia o escritor francês Jean-Paul Richter: “Os ruivos são como o pôr do sol: raros, intensos, e quem os vê nunca esquece.”

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