Entre as coisas que, à primeira vista,
parecem roubar o sentido da vida humana estão não apenas o sofrimento, mas
também a morte e a transitoriedade. Nunca me canso de repetir: os únicos
aspectos verdadeiramente transitórios da vida são as potencialidades.
No instante em que uma possibilidade é
realizada, ela deixa de ser mera possibilidade e se transforma em realidade
definitiva; é resgatada do fluxo do tempo e entregue ao passado, onde fica a
salvo para sempre da transitoriedade.
Porque no passado nada está irremediavelmente
perdido - pelo contrário, tudo está irrevogavelmente guardado. Por isso, a
transitoriedade da existência não lhe retira o sentido de forma alguma. Pelo
contrário, é exatamente ela que confere à vida sua seriedade e sua
responsabilidade única.
Tudo depende de nós: temos de nos tornar
conscientes de que as possibilidades essenciais da vida são, por natureza,
fugidias. A cada momento o ser humano está diante de uma massa inesgotável de
potencialidades e precisa escolher: quais delas serão condenadas ao não-ser
eterno e quais serão elevadas à realidade?
Qual escolha se tornará, de uma vez por
todas, uma “pegada imortal nas areias do tempo”? A todo instante a pessoa
decide, para o bem ou para o mal, qual será o monumento definitivo de sua
existência.
Infelizmente, a maioria das pessoas só
enxerga o campo queimado da transitoriedade e se esquece dos celeiros
abarrotados do passado, onde já guardou, de forma indelével, seus atos, suas
alegrias, seus amores - e também seus sofrimentos. Nada pode ser desfeito, nada
pode ser apagado.
Eu ousaria dizer que ter sido é a forma mais
segura e duradoura de ser. Foi exatamente essa visão que sustentou Viktor
Frankl nos campos de concentração nazistas (Auschwitz, Kaufering, Türkheim) entre
1942 e 1945. Lá, onde tudo parecia destinado à aniquilação - a dignidade, a
esperança, o próprio corpo -, ele descobriu que o passado permanecia intocável.
Mesmo quando lhe arrancavam o manuscrito de
seu primeiro livro, a roupa, o cabelo, o nome (tornando-o apenas o número
119.104), o passado ninguém podia lhe tirar: as lembranças de sua esposa Tilly,
as conversas com os pacientes de sua clínica psiquiátrica em Viena, os pequenos
atos de solidariedade trocados com outros prisioneiros.
Esse passado, por mais modesto que fosse, era
uma riqueza absoluta, um tesouro que nem o crematório podia incinerar. Por isso
a logoterapia, a “terceira escola vienense de psicoterapia” fundada por Frankl,
não é pessimista - é profundamente ativista.
Usando uma imagem que ele próprio gostava: o
pessimista assemelha-se ao homem que, com medo e tristeza, vê o calendário na
parede ficar cada dia mais fino. Já a pessoa que enfrenta a vida ativamente é
como aquele que, dia após dia, destaca a folha do calendário, escreve no verso
alguns apontamentos sobre o que viveu e guarda cuidadosamente todas as folhas
já usadas.
Com orgulho e até alegria ele pode contemplar
a pilha crescente: aí está toda a riqueza de uma vida já realizada - o trabalho
concluído, o amor amado, e, sobretudo, os sofrimentos suportados com coragem.
Que lhe importa, então, estar envelhecendo?
Terá ele motivo para invejar os jovens que vê pela frente ou para cair na
nostalgia da juventude perdida? “Que motivos teria eu para invejá-los?”,
perguntaria Frankl.
“Eles têm possibilidades abertas. Eu tenho
realidades cumpridas. Em vez de um futuro cheio de ‘talvez’, eu tenho um
passado cheio de ‘assim foi’. E nesse passado estão não apenas as conquistas e
os momentos felizes, mas exatamente aqueles sofrimentos que enfrentei com
dignidade os maiores horrores que um ser humano pode conhecer.
Esses sofrimentos corajosamente suportados
são justamente aquilo de que mais me orgulho - embora sejam a última coisa que
alguém invejaria.” Essa foi a descoberta que Frankl trouxe dos campos de
extermínio e que transformou para sempre a psicoterapia e o pensamento
existencial: o sentido da vida não está no que ainda podemos fazer amanhã, mas
sobretudo no que já fizemos - irreversivelmente - com os dias de ontem, mesmo
(e talvez principalmente) quando esses dias foram dias de dor indizível.
Viktor E. Frankl (1905-1997)
Psiquiatra, neurologista, fundador da
logoterapia. Sobrevivente de quatro campos de concentração nazistas.
Autor de Em Busca de Sentido (1946), livro escrito em nove dias logo após sua libertação, que já vendeu mais de 12 milhões de exemplares e foi eleito um dos dez livros mais influentes dos Estados Unidos no século XX.









0 Comentários:
Postar um comentário