Eu não me declaro ateu, porque o ateísmo ainda se define em relação a Deus - é uma posição
que, para existir, precisa negar algo. Também não sou agnóstico; o agnosticismo
ainda considera a pergunta relevante o bastante para suspender o juízo, como
quem permanece diante de uma porta esperando que alguém responda ao bater.
Eu simplesmente
atravessei essa porta e segui adiante. Deus não me importa. Nem como hipótese, nem
como ausência, nem como mistério. A existência ou inexistência de alguma
divindade deixou de ter qualquer peso na minha vida, da mesma forma que não
gasto energia pensando se existe ou não vida inteligente em Andrômeda.
É uma pergunta
que não toca o que eu vivo, sofro ou amo. O que me importa - e me
importa visceralmente - é este planeta frágil e absurdamente belo,
girando silencioso em torno de uma estrela mediana, perdido num cosmos que
jamais saberá que existimos.
Importam-me as
florestas que ainda respiram, mesmo sufocadas pelo avanço cego das motosserras.
Importam-me os oceanos, que agonizam lentamente sob o peso de trilhões de
fragmentos de plástico, como se engolissem diariamente os detritos de nossa
indiferença.
Importam-me os recifes de coral, branqueando
como ossos expostos ao sol; os últimos rinocerontes brancos do norte, cuja
existência parece mais um lamento do que um fato; os povos indígenas
assassinados por protegerem árvores que jamais conheceram o conceito de
propriedade.
Importam-me
também as crianças que nascem hoje em cidades sem árvores, sem
silêncio e sem horizonte, criaturas que aprendem desde cedo que
céu é sinônimo de fumaça e que pássaros são raridades urbanas.
Importam-me os
seres humanos, sim - com suas contradições, suas guerras absurdas, sua
genialidade artística e sua capacidade infinita de destruir o que ama. Mas não
só eles.
Importa-me o lobo que voltou a caminhar pelos Pireneus depois de um século de ausência,
como se reivindicasse um território que lhe foi roubado. Importa-me a baleia
que canta em frequências que talvez nunca decifremos. Importa-me o inseto
anônimo que poliniza o alimento que me mantém vivo, enquanto o extinguimos sem
nos dar ao trabalho de aprender seu nome.
Eu não preciso
de um céu prometido depois da morte. Preciso que este único
céu que temos deixe de ser envenenado. Não busco
salvação eterna; busco que a Amazônia não vire savana, que o permafrost não
libere o que está adormecido há milênios, que ainda haja gelo nos polos quando
meus netos crescerem - se ainda houver netos para crescer.
Minha
espiritualidade, se posso chamá-la assim, cabe inteira dentro dos limites da
biosfera. Meu sagrado é o ciclo do carbono, a fotossíntese, a teia
invisível que permite a um fungo conversar com uma árvore a centenas de metros
de distância, em uma sinfonia silenciosa que sustenta tudo o
que somos.
Meu pecado
imperdoável é a indiferença diante da sexta extinção em massa - uma extinção
que não é causada por asteroides ou vulcões, mas por nós, por nossa pressa, por
nossa ganância e pela falsa sensação de que somos superiores ao restante da
vida.
Então, não: não
sou ateu. Não sou agnóstico. Sou terráqueo.
Radicalmente terráqueo.
Meu deus tem
4,54 bilhões de anos, chama-se Gaia, e
está com febre alta. E é nela - nessa velha e ferida divindade de rochas,
mares, bactérias e florestas - que eu acredito.
É por ela que rezo com atos, que luto com o pouco que posso, que tento salvar enquanto ainda há tempo - se é que ainda há.









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