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quinta-feira, dezembro 04, 2025

Não Sou Ateu Sou Terráqueo


 

Eu não me declaro ateu, porque o ateísmo ainda se define em relação a Deus - é uma posição que, para existir, precisa negar algo. Também não sou agnóstico; o agnosticismo ainda considera a pergunta relevante o bastante para suspender o juízo, como quem permanece diante de uma porta esperando que alguém responda ao bater.

Eu simplesmente atravessei essa porta e segui adiante. Deus não me importa. Nem como hipótese, nem como ausência, nem como mistério. A existência ou inexistência de alguma divindade deixou de ter qualquer peso na minha vida, da mesma forma que não gasto energia pensando se existe ou não vida inteligente em Andrômeda.

É uma pergunta que não toca o que eu vivo, sofro ou amo. O que me importa - e me importa visceralmente - é este planeta frágil e absurdamente belo, girando silencioso em torno de uma estrela mediana, perdido num cosmos que jamais saberá que existimos.

Importam-me as florestas que ainda respiram, mesmo sufocadas pelo avanço cego das motosserras. Importam-me os oceanos, que agonizam lentamente sob o peso de trilhões de fragmentos de plástico, como se engolissem diariamente os detritos de nossa indiferença.

Importam-me os recifes de coral, branqueando como ossos expostos ao sol; os últimos rinocerontes brancos do norte, cuja existência parece mais um lamento do que um fato; os povos indígenas assassinados por protegerem árvores que jamais conheceram o conceito de propriedade.

Importam-me também as crianças que nascem hoje em cidades sem árvores, sem silêncio e sem horizonte, criaturas que aprendem desde cedo que céu é sinônimo de fumaça e que pássaros são raridades urbanas.

Importam-me os seres humanos, sim - com suas contradições, suas guerras absurdas, sua genialidade artística e sua capacidade infinita de destruir o que ama. Mas não só eles.

Importa-me o lobo que voltou a caminhar pelos Pireneus depois de um século de ausência, como se reivindicasse um território que lhe foi roubado. Importa-me a baleia que canta em frequências que talvez nunca decifremos. Importa-me o inseto anônimo que poliniza o alimento que me mantém vivo, enquanto o extinguimos sem nos dar ao trabalho de aprender seu nome.

Eu não preciso de um céu prometido depois da morte. Preciso que este único céu que temos deixe de ser envenenado. Não busco salvação eterna; busco que a Amazônia não vire savana, que o permafrost não libere o que está adormecido há milênios, que ainda haja gelo nos polos quando meus netos crescerem - se ainda houver netos para crescer.

Minha espiritualidade, se posso chamá-la assim, cabe inteira dentro dos limites da biosfera. Meu sagrado é o ciclo do carbono, a fotossíntese, a teia invisível que permite a um fungo conversar com uma árvore a centenas de metros de distância, em uma sinfonia silenciosa que sustenta tudo o que somos.

Meu pecado imperdoável é a indiferença diante da sexta extinção em massa - uma extinção que não é causada por asteroides ou vulcões, mas por nós, por nossa pressa, por nossa ganância e pela falsa sensação de que somos superiores ao restante da vida.

Então, não: não sou ateu. Não sou agnóstico. Sou terráqueo. Radicalmente terráqueo.

Meu deus tem 4,54 bilhões de anos, chama-se Gaia, e está com febre alta. E é nela - nessa velha e ferida divindade de rochas, mares, bactérias e florestas - que eu acredito.

É por ela que rezo com atos, que luto com o pouco que posso, que tento salvar enquanto ainda há tempo - se é que ainda há.

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