“Sabe, Sancho, todas essas tempestades que
recaem sobre nós são sinais de que, em breve, o tempo há de se acalmar. Coisas
boas estão destinadas a acontecer; porque não é possível que o bem e o mal
durem para sempre. Assim, se o mal já se alongou por tanto tempo, é certo que o
bem não pode estar longe.”
Dom Quixote
fitou o horizonte enquanto falava, segurando firme as rédeas de Rocinante. O
vento frio da madrugada soprava poeira pelo caminho de terra, mas seus olhos
brilhavam como se vissem muito além das colinas sombrias à frente.
Sancho, montado
em seu fiel jumento, ajeitou o chapéu e suspirou, meio desconfiado, meio
esperançoso.
- Senhor -
respondeu ele, com a voz arrastada e prática de sempre -, se esse bem estiver
realmente por perto, que ele venha com pão quente e um teto seguro, porque
minhas costas já não aguentam mais tanta desgraça seguida.
Quixote sorriu,
aquele sorriso que misturava loucura, fé e nobreza.
- Ah, Sancho! -
exclamou, erguendo o braço como se discursasse para um reino inteiro. - Não percebes
que é justamente nas horas mais sombrias que o destino prepara seus melhores
reveses? É preciso coragem para atravessar a noite, pois é ela que anuncia a
aurora.
A estrada era
longa, e o céu, ainda carregado de nuvens, ameaçava mais chuva. Os dois cavaleiros
prosseguiram mesmo assim, lado a lado. O ranger das selas, o farfalhar dos
arbustos e o trotar lento dos animais eram os únicos sons que lhes faziam
companhia.
Por um momento,
Sancho permaneceu em silêncio. Depois, olhando para o amigo, murmurou:
- Pois bem, meu
amo, se a aurora está chegando, que ela venha depressa. Estou cansado de
tempestades.
Quixote assentiu
com gravidade.
- Ela virá,
Sancho. A vida nunca permanece para sempre na mesma estação. Se hoje
enfrentamos vendavais, amanhã haveremos de encontrar calmarias. Assim é o
mundo: uma balança que insiste em se equilibrar, mesmo quando tudo parece
perdido.
Seguiram
adiante, envoltos pelo vento, pela incerteza e por aquela estranha esperança
que apenas os verdadeiros sonhadores carregam.
Miguel de Cervantes em Dom Quixote









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