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sexta-feira, dezembro 12, 2025

Tempestades


“Sabe, Sancho, todas essas tempestades que recaem sobre nós são sinais de que, em breve, o tempo há de se acalmar. Coisas boas estão destinadas a acontecer; porque não é possível que o bem e o mal durem para sempre. Assim, se o mal já se alongou por tanto tempo, é certo que o bem não pode estar longe.”

Dom Quixote fitou o horizonte enquanto falava, segurando firme as rédeas de Rocinante. O vento frio da madrugada soprava poeira pelo caminho de terra, mas seus olhos brilhavam como se vissem muito além das colinas sombrias à frente.

Sancho, montado em seu fiel jumento, ajeitou o chapéu e suspirou, meio desconfiado, meio esperançoso.

- Senhor - respondeu ele, com a voz arrastada e prática de sempre -, se esse bem estiver realmente por perto, que ele venha com pão quente e um teto seguro, porque minhas costas já não aguentam mais tanta desgraça seguida.

Quixote sorriu, aquele sorriso que misturava loucura, fé e nobreza.

- Ah, Sancho! - exclamou, erguendo o braço como se discursasse para um reino inteiro. - Não percebes que é justamente nas horas mais sombrias que o destino prepara seus melhores reveses? É preciso coragem para atravessar a noite, pois é ela que anuncia a aurora.

A estrada era longa, e o céu, ainda carregado de nuvens, ameaçava mais chuva. Os dois cavaleiros prosseguiram mesmo assim, lado a lado. O ranger das selas, o farfalhar dos arbustos e o trotar lento dos animais eram os únicos sons que lhes faziam companhia.

Por um momento, Sancho permaneceu em silêncio. Depois, olhando para o amigo, murmurou:

- Pois bem, meu amo, se a aurora está chegando, que ela venha depressa. Estou cansado de tempestades.

Quixote assentiu com gravidade.

- Ela virá, Sancho. A vida nunca permanece para sempre na mesma estação. Se hoje enfrentamos vendavais, amanhã haveremos de encontrar calmarias. Assim é o mundo: uma balança que insiste em se equilibrar, mesmo quando tudo parece perdido.

Seguiram adiante, envoltos pelo vento, pela incerteza e por aquela estranha esperança que apenas os verdadeiros sonhadores carregam.

Miguel de Cervantes em Dom Quixote

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