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segunda-feira, julho 01, 2024

Holodomor - Matar Pela Fome

Pessoas morrendo de fome no meio das ruas


O Holodomor: A Tragédia da Fome na Ucrânia Soviética (1932-1933)

O Holodomor, termo ucraniano que significa "matar pela fome", foi uma fome devastadora que assolou a Ucrânia Soviética entre 1932 e 1933, resultando na morte de milhões de pessoas.

Também conhecido como Fome-Terror ou Grande Fome, o Holodomor é amplamente reconhecido como uma catástrofe provocada por políticas soviéticas, com características que muitos classificam como genocídio.

Este evento, inserido no contexto da fome soviética mais ampla de 1932-1933, que afetou outras regiões produtoras de cereais da União Soviética, como o Cazaquistão e o sul da Rússia, marcou a história ucraniana como uma das maiores tragédias em tempos de paz.

Contexto Histórico: Coletivização e Políticas Soviéticas

O Holodomor ocorreu durante o processo de coletivização forçada implementado por Joseph Stalin na década de 1930. A coletivização visava substituir a agricultura individual por fazendas coletivas (kolkhozes) e estatais (sovkhozes), com o objetivo de aumentar a produção agrícola para financiar a industrialização soviética e consolidar o controle do Estado sobre o campo.

Na Ucrânia, uma das regiões mais férteis da URSS, conhecida como o "celeiro da Europa", as políticas de coletivização encontraram forte resistência, especialmente entre os camponeses (kulaks), que foram alvo de repressão.

As autoridades soviéticas impuseram cotas de produção irreais, confiscaram grãos e alimentos diretamente das famílias camponesas e restringiram a mobilidade da população, impedindo que os famintos buscassem ajuda em outras regiões.

Além disso, a ajuda externa foi rejeitada, e o comércio de alimentos foi severamente controlado. Essas medidas, combinadas com condições climáticas adversas em algumas áreas, exacerbaram a crise, levando a uma fome em massa que atingiu particularmente a Ucrânia.

A Escala da Tragédia

As estimativas do número de mortes no Holodomor variam significativamente devido à falta de registros precisos e à censura soviética na época. Estudos iniciais sugeriam números entre 7 e 12 milhões de mortos, enquanto estimativas mais recentes, baseadas em análises demográficas e documentos desclassificados, apontam para 3,3 a 7,5 milhões de mortes.

Uma declaração conjunta da ONU em 2003, assinada por 25 países, reconheceu que entre 7 e 10 milhões de pessoas pereceram. Em 2010, o Tribunal de Apelação de Kiev concluiu que as perdas demográficas totais, incluindo mortes diretas por fome e déficits de natalidade, atingiram cerca de 10 milhões, com 3,9 milhões de óbitos diretos.

A maioria das vítimas era de etnia ucraniana, embora outras minorias, como russos, poloneses e alemães que viviam na Ucrânia, também tenham sido afetadas.

Vilarejos inteiros foram dizimados, e relatos da época descrevem cenas de desespero, com famílias recorrendo ao canibalismo para sobreviver. Crianças abandonadas, inanição generalizada e doenças relacionadas à fome, como tifo, agravaram ainda mais a crise.

Genocídio ou Catástrofe? O Debate Acadêmico

A questão de se o Holodomor foi um genocídio permanece um tema de intenso debate. Desde 2006, a Ucrânia e pelo menos 15 outros países, incluindo Canadá, Austrália e Brasil, reconheceram oficialmente o Holodomor como um genocídio perpetrado pelo regime soviético contra o povo ucraniano.

Essa classificação baseia-se em evidências de que as políticas de Stalin foram deliberadamente direcionadas para enfraquecer a Ucrânia, que na década de 1920 vivia um renascimento cultural e movimentos de resistência à sovietização.

Estudiosos como Raphael Lemkin, criador do termo "genocídio", argumentaram que o Holodomor foi um ataque intencional não apenas contra os camponeses, mas contra a identidade nacional ucraniana, visando suprimir aspirações de independência.

Documentos históricos mostram que Stalin via a Ucrânia como uma ameaça potencial devido ao seu forte senso de identidade cultural e à resistência dos kulaks. Medidas como o confisco de alimentos, a proibição de migração e a repressão de intelectuais ucranianos reforçam a tese de intencionalidade.

Por outro lado, alguns historiadores argumentam que a fome foi resultado de políticas econômicas mal planejadas e da coletivização em larga escala, que afetaram outras regiões da URSS, como o Cazaquistão, onde a fome matou cerca de 1,5 milhão de pessoas.

Esses estudiosos apontam que a crise foi agravada por fatores como má administração, corrupção local e condições climáticas, e não necessariamente por um plano genocida direcionado exclusivamente contra os ucranianos.

Impacto e Memória

O Holodomor deixou cicatrizes profundas na sociedade ucraniana, moldando sua memória coletiva e sua relação com o passado soviético. Durante décadas, o regime soviético suprimiu discussões sobre o tema, e apenas com a abertura dos arquivos na década de 1990 e a independência da Ucrânia em 1991 o Holodomor passou a ser amplamente estudado e reconhecido.

Monumentos, memoriais e museus, como o Memorial do Holodomor em Kiev, foram erguidos para homenagear as vítimas, e o quarto sábado de novembro é observado como o Dia Nacional de Memória do Holodomor na Ucrânia.

O impacto demográfico do Holodomor também foi significativo, com a redução da população ucraniana e mudanças na composição étnica de algumas regiões devido à migração forçada e à repressão. Além disso, a fome enfraqueceu a resistência cultural e política ucraniana, facilitando o controle soviético sobre a região nas décadas seguintes.

O Holodomor no Contexto Global

O Holodomor é frequentemente comparado a outras tragédias humanitárias do século XX, como o Holocausto e a Grande Fome na China (1959-1961). Ele serve como um alerta sobre os perigos de políticas autoritárias e da manipulação de recursos alimentares como arma de controle político.

A tragédia também ressoa em debates contemporâneos sobre soberania, identidade nacional e direitos humanos. Embora o texto original mencione regimes socialistas como China, Cuba e Coreia do Norte, é importante contextualizar que o Holodomor foi um evento específico do stalinismo, um sistema que difere em muitos aspectos de outros regimes socialistas.

Generalizações sobre o comunismo ou o socialismo como um todo podem obscurecer as particularidades históricas do Holodomor. As experiências das populações nesses países variam amplamente, e a análise histórica requer cuidado para evitar simplificações.

Legado e Reflexão

O Holodomor permanece um símbolo da resiliência do povo ucraniano e da luta contra a opressão. A tragédia inspirou obras de arte, literatura e cinema, como o filme Mr. Jones (2019), que retrata a descoberta da fome pelo jornalista Gareth Jones.

Além disso, o reconhecimento internacional do Holodomor como genocídio reforça a importância de preservar a memória histórica e promover a justiça para as vítimas.

A história do Holodomor nos lembra da fragilidade da segurança alimentar e dos perigos de políticas que priorizam ideologia sobre a vida humana. À medida que novas gerações aprendem sobre essa tragédia, ela continua a inspirar reflexões sobre resiliência, memória e a luta por dignidade.

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