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quarta-feira, julho 03, 2024

Padre Cícero - O Padroeiro do Nordeste


Padre Cícero: O Legado Vivo de Juazeiro do Norte

Cícero Romão Batista, conhecido popularmente como Padre Cícero ou "Padim Ciço", é uma figura central na história, na cultura e na economia de Juazeiro do Norte, cidade que ajudou a fundar e transformar em um dos maiores centros de religiosidade popular do Brasil.

Passados 91 anos de sua morte, em 20 de julho de 1934, seu carisma e influência continuam a atrair milhões de romeiros de todo o país, especialmente do Nordeste, impulsionando a economia local por meio das romarias, que ocorrem diversas vezes ao longo do ano.

Esses eventos religiosos não apenas perpetuam a devoção ao "santo do povo", mas também consolidam Juazeiro como um polo econômico e cultural singular.

O Fenômeno das Romarias e a Economia Local

As romarias em homenagem a Padre Cícero são o principal motor econômico de Juazeiro do Norte. Milhares de peregrinos visitam a cidade anualmente, especialmente durante as celebrações de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro), Dia de Finados (2 de novembro) e a Romaria da Esperança (20 de julho, data de sua morte).

Esses eventos movimentam o comércio local, que oferece uma vasta gama de produtos religiosos, como imagens de santos, terços, velas, chapéus de palha, fogos de artifício e souvenirs variados.

A produção artesanal e industrial de imagens sacras, especialmente de Padre Cícero, é um dos pilares da economia, com um polo industrial dedicado à fabricação desses itens, além de bijuterias e outros objetos devocionais.

A atmosfera vibrante das romarias é tão marcante que até os animais da cidade parecem adaptados ao fervor religioso. Como testemunhado por quem já viveu em Juazeiro, é comum ver cachorros que, acostumados aos fogos de artifício disparados pelos romeiros, permanecem calmos, observando o céu enquanto os rojões explodem.

Essa peculiaridade reflete o caráter único da cidade, onde a fé e a cultura se entrelaçam de maneira indissociável.

A Trajetória de Padre Cícero

Nascido em 24 de março de 1844, no Crato, cidade vizinha a Juazeiro, Cícero Romão Batista demonstrou desde cedo uma forte inclinação espiritual. Aos 12 anos, inspirado pela leitura da vida de São Francisco de Sales, fez um voto de castidade.

Apesar de seu desempenho acadêmico modesto no seminário, especialmente em disciplinas como oratória e eloquência, sua ordenação sacerdotal ocorreu em 30 de novembro de 1870.

Após retornar ao Crato, enquanto aguardava a designação de uma paróquia, lecionou latim no Colégio Padre Ibiapina, fundado por seu amigo e mentor, o professor José Joaquim Teles Marrocos.

Padre Cícero era uma figura multifacetada: além de líder religioso, foi proprietário de terras, gado e imóveis, e desempenhou papéis significativos na política e na sociedade conservadora do sertão do Cariri.

Seu braço direito, o médico Floro Bartolomeu, foi um importante aliado no sistema político cearense, consolidando a influência de Padre Cícero na região.


Estátua de Padre Cicero no Horto

O Milagre de 1889 e a Controvérsia com a Igreja

O evento que marcou a trajetória de Padre Cícero e o transformou em ícone religioso foi o alegado milagre de 1º de março de 1889. Durante uma missa celebrada por ele, a hóstia ministrada à beata Maria de Araújo transformou-se em sangue em sua boca, fenômeno que se repetiu em outras ocasiões.

Inicialmente, uma comissão eclesiástica, em 13 de outubro de 1891, reconheceu o evento como milagre. No entanto, insatisfeito com o parecer, o bispo Dom Joaquim José Vieira nomeou uma segunda comissão, que concluiu que se tratava de um embuste.

Como consequência, Padre Cícero teve suas ordens sacerdotais suspensas, e Maria de Araújo foi enclausurada, vindo a falecer em 1914. Em 1898, Padre Cícero viajou a Roma para se reunir com o Papa Leão XIII e membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo inicialmente sua absolvição.

Contudo, ao retornar a Juazeiro, a decisão foi revista, e ele enfrentou restrições impostas pela Igreja. Apesar de rumores de excomunhão, estudos conduzidos décadas depois pelo bispo Dom Fernando Pânico indicam que tal punição não foi formalmente aplicada.

Em 2001, o então cardeal Joseph Ratzinger (futuro Papa Bento XVI) encomendou análises para avaliar a possibilidade de reabilitação de Padre Cícero. Em 31 de maio de 2006, Dom Fernando Pânico liderou uma comitiva que enviou ao Vaticano a documentação necessária para iniciar o processo de reabilitação, que culminou no perdão oficial da Igreja Católica em 13 de dezembro de 2015.

Influência Política e o Pacto dos Coronéis

Padre Cícero também deixou um legado político significativo. Filiado ao Partido Republicano Conservador (PRC), foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado foi elevado à categoria de cidade.

Em 1926, foi eleito deputado federal, mas não assumiu o cargo. Sua influência política foi reforçada pelo chamado Pacto dos Coronéis, firmado em 4 de outubro de 1911, quando Padre Cícero e outros líderes regionais se reuniram para apoiar o governador Antônio Pinto Nogueira Accioli, consolidando sua posição no contexto do coronelismo brasileiro.

Em 1913, foi destituído do cargo de prefeito pelo governador Marcos Franco Rabelo, mas retornou ao poder em 1914, após a Sedição de Juazeiro, um movimento que depôs Rabelo e marcou a história política do Ceará.

Padre Cícero também foi eleito vice-governador do estado no governo de Benjamin Liberato Barroso. No entanto, sua influência política começou a declinar no final da década de 1920, especialmente após a Revolução de 1930, embora sua aura de "santo milagreiro" continuasse a crescer.




Padre Cícero e o Cangaço

A relação de Padre Cícero com o cangaço é outro aspecto marcante de sua história. Virgulino Ferreira da Silva, o lendário Lampião, era devoto do padre e o respeitava profundamente.

Em 1926, os dois se encontraram em Juazeiro do Norte, em um episódio cercado de controvérsias. Segundo uma versão, defendida pelo historiador Billy Jaynes Chandler, Padre Cícero teria convocado Lampião para integrar o Batalhão Patriótico de Juazeiro, criado para combater a Coluna Prestes, prometendo anistia e a patente de capitão.

Outra versão, sustentada por Lira Neto e Anildomá Willians, sugere que o convite foi feito por Floro Bartolomeu sem o conhecimento de Padre Cícero. No encontro, Padre Cícero aconselhou Lampião e seus 49 cangaceiros a abandonarem o cangaço.

Apesar da exigência de Lampião por uma patente, um documento assinado por Pedro de Albuquerque Uchoa, funcionário público federal, concedeu-lhe o título de capitão e anistia. Contudo, o bando deixou Juazeiro sem enfrentar a Coluna Prestes, e a promessa de anistia não se concretizou.

Exploração Mineral e o Legado Econômico

Além de sua atuação religiosa e política, Padre Cícero esteve envolvido em iniciativas econômicas, como a exploração de xisto betuminoso em terras de sua propriedade no Crato, na localidade de Taboca.

Em 1901, o Conde von de Brule, em missão da Secretaria do Interior do Ceará, visitou a área, identificando o potencial econômico do recurso. Em 1919, o governador João Tomé de Saboia e Silva ordenou a construção da Mina Santa Rosa, mas as obras foram interrompidas devido ao calor excessivo e à falta de ventilação.

Em 1921, a Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas financiou uma perfuração, e, em 1922, o geólogo Sylvio Froes Abreu confirmou o potencial do xisto para a produção de óleos lubrificantes e combustíveis. Hoje, essa camada petrolífera é conhecida como Membro Fundão, um marco na geologia do Cariri.

Reconhecimento e Legado

O impacto de Padre Cícero transcende sua época. Em março de 2001, a TV Verdes Mares, afiliada da Rede Globo no Ceará, elegeu-o o "Cearense do Século" por votação popular.

Em julho de 2012, foi escolhido um dos "100 Maiores Brasileiros de Todos os Tempos" em uma eleição promovida pelo SBT em parceria com a BBC. Sua influência cultural e religiosa permanece viva, com a cidade de Juazeiro do Norte sendo um testemunho de seu legado.

Padre Cícero faleceu em 20 de julho de 1934, aos 90 anos, e está sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Juazeiro do Norte. Sua vida, marcada por uma combinação de fé, política e carisma, continua a inspirar gerações, e as romarias em sua homenagem reforçam a identidade de Juazeiro como um dos maiores centros de peregrinação do Brasil.

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