Joana d’Arc é uma das coisas inexplicáveis da Igreja Católica.
Joana d’Arc: A Guerreira Francesa, Mártir e Símbolo Eterno
Joana
d’Arc, também conhecida como a Donzela de Orleães, é uma das figuras mais
emblemáticas da história ocidental. Heroína nacional da França, mártir da
Igreja Católica e símbolo de resistência, sua trajetória durante a Guerra dos
Cem Anos (1337-1453) transcende o tempo, inspirando gerações em diversas
esferas, da política à arte.
Sua
vida, marcada por coragem, fé e tragédia, reflete tanto os conflitos de sua
época quanto as complexidades das instituições religiosas e políticas.
Origens Humildes e Visões Divinas
Nascida
por volta de 1412 em Domrémy, uma pequena vila no nordeste da França, Joana era
filha de camponeses. Em uma época de profunda instabilidade, com a França
devastada pela Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra, Joana cresceu em um
ambiente de fervor religioso e patriotismo.
Aos 13
anos, ela afirmou ter recebido visões do Arcanjo Miguel, de Santa Catarina de
Alexandria e de Santa Margarida, que a instruíram a libertar a França do domínio
inglês e garantir a coroação de Carlos VII, o delfim (herdeiro do trono) ainda
não coroado.
Essas
visões, que Joana descrevia com convicção, eram vistas com desconfiança em uma
sociedade dominada pela Igreja e pela política. No entanto, sua determinação e
carisma convenceram líderes locais a levá-la à corte de Carlos VII em Chinon,
em 1429.
Após
interrogatórios teológicos e exames para verificar sua ortodoxia e virgindade -
um símbolo de pureza na época -, Joana ganhou a confiança do delfim, que viu nela
uma esperança para unificar o reino fragmentado.
O Triunfo em Orleães e a Coroação de Carlos VII
Joana,
então com apenas 17 anos, foi enviada com um exército para quebrar o Cerco de
Orleães, uma cidade estratégica sitiada pelos ingleses. Vestida com armadura
masculina e portando um estandarte com símbolos religiosos, ela liderou as
tropas com uma coragem que inspirou soldados e civis.
Em
apenas nove dias, entre 29 de abril e 8 de maio de 1429, os franceses
derrotaram os ingleses, libertando Orleães. Essa vitória, atribuída à liderança
de Joana, elevou-a ao status de heroína nacional e reacendeu a esperança no
povo francês.
Após
Orleães, Joana conduziu uma série de vitórias militares, incluindo a
reconquista de cidades como Troyes e Reims. Em 17 de julho de 1429, Carlos VII
foi coroado na catedral de Reims, um evento de imenso simbolismo, pois
legitimava sua autoridade e unificava a França sob sua liderança.
A
presença de Joana na cerimônia reforçou sua imagem como enviada divina, mas
também atraiu a inveja e a desconfiança de nobres e clérigos da corte.
A Queda: Captura e Julgamento
Apesar
de seus sucessos, a ascensão de Joana foi breve. Em 1429, o fracasso no Cerco
de Paris, uma tentativa ambiciosa de tomar a capital ocupada pelos ingleses,
minou sua reputação entre alguns nobres franceses.
Em 23
de maio de 1430, durante uma missão em Compiègne, Joana foi capturada pelos
borguinhões, um grupo de franceses aliados aos ingleses. Vendida aos ingleses
por 10 mil libras, ela foi transferida para Ruão, sob controle inglês, onde
enfrentaria um julgamento manipulado.
O
julgamento de Joana, iniciado em janeiro de 1431, foi conduzido pelo bispo
Pierre Cauchon, um aliado dos ingleses. Acusada de heresia, bruxaria,
travestismo (por usar roupas masculinas) e desobediência à Igreja, Joana
enfrentou um tribunal claramente enviesado.
Apesar
de sua pouca instrução, ela demonstrou inteligência e firmeza ao responder às
acusações, afirmando que suas visões vinham de Deus e que suas ações eram em
prol da França.
Após
meses de interrogatórios exaustivos, ela foi pressionada a assinar uma
confissão sob ameaça de morte, mas logo retratou sua retratação, reafirmando
sua missão divina.
Em 30
de maio de 1431, aos 19 anos, Joana d’Arc foi queimada viva na Place du Vieux
Marché, em Ruão. Antes da execução, ela confessou-se aos dominicanos Jean
Toutmouille e Martin Ladvenu, recebendo os sacramentos.
Sua
sentença foi lida publicamente, e, segundo testemunhas, Joana enfrentou a morte
com dignidade, pedindo uma cruz para segurar e invocando o nome de Jesus. Para
evitar que suas relíquias fossem veneradas, suas cinzas foram jogadas no rio
Sena.
Reabilitação e Canonização
A morte
de Joana não apagou sua influência. Pelo contrário, ela se tornou um símbolo de
resistência e patriotismo, intensificando o sentimento anti-inglês na França.
Em
1450, com a reconquista de Ruão pelos franceses, a mãe de Joana, Isabelle
Romée, e outros apoiadores pediram a revisão de seu julgamento. Em 1455, o Papa
Calisto III autorizou um tribunal inquisitorial que, após uma investigação
detalhada, declarou a nulidade do processo de 1431 por vícios formais e falta
de imparcialidade.
Joana
foi formalmente inocentada em 7 de julho de 1456, sendo reconhecida como mártir
da fé e da pátria. Nos séculos seguintes, Joana d’Arc foi apropriada por
diversos movimentos.
Durante
as Guerras de Religião no século XVI, a Liga Católica usou sua imagem contra os
protestantes. Em 1803, Napoleão Bonaparte a declarou símbolo nacional da
França, reforçando seu papel como ícone de unidade e resistência.
A
Igreja Católica, que outrora a condenara, iniciou seu processo de canonização
no século XIX. Joana foi beatificada em 1909 pelo Papa Pio X e canonizada em
1920 pelo Papa Bento XV. Hoje, ela é uma das nove padroeiras da França.
Legado Cultural e Espiritual
Joana
d’Arc transcende a história para se tornar um ícone cultural. Sua vida inspirou
inúmeras obras de arte, incluindo peças de Shakespeare, Voltaire e George
Bernard Shaw, pinturas de Ingres e Rossetti, filmes de Carl Dreyer e Luc
Besson, e composições musicais.
No
Brasil, Joana é sincretizada nas religiões afro-brasileiras com a orixá Obá,
refletindo sua força guerreira e espiritualidade. Seu legado também levanta
questões sobre o papel da Igreja Católica na história.
A
condenação de Joana, seguida por sua reabilitação e canonização, ilustra as contradições
de uma instituição que, como qualquer outra, é composta por indivíduos
influenciados por interesses políticos e sociais de sua era.
Embora
o julgamento de 1431 tenha sido conduzido por clérigos alinhados aos ingleses,
a revisão posterior demonstra a capacidade da Igreja de corrigir injustiças,
ainda que tardiamente.
Conclusão
Joana
d’Arc é um símbolo de coragem, fé e resiliência. Sua trajetória, marcada por
vitórias militares, tragédia pessoal e redenção póstuma, reflete a complexidade
de uma mulher que desafiou as normas de seu tempo.
Seja
por suas visões divinas ou por sua determinação humana, Joana transformou a
história da França e permanece uma inspiração universal, lembrada não apenas
como heroína, mas como um exemplo de que a verdade, mesmo quando silenciada,
encontra seu caminho.
0 Comentários:
Postar um comentário