Violet
Jessop
Violet Jessop: A Enfermeira Sobrevivente do Titanic e Outros Naufrágios
Há mais
de um século, na noite de 14 de abril de 1912, o RMS Titanic, considerado o
maior e mais luxuoso navio de sua época, colidiu com um iceberg no Atlântico
Norte e afundou nas primeiras horas do dia 15 de abril.
A
tragédia, que vitimou mais de 1.500 pessoas, tornou-se um dos eventos mais
marcantes da história marítima. Centenas de livros, filmes e documentários
foram produzidos com base em relatos de sobreviventes, mas muitas histórias,
vistas apenas por aqueles que não sobreviveram, permanecem perdidas para sempre
no fundo do oceano.
Entre
os sobreviventes, destaca-se Violet Constance Jessop, uma comissária de bordo e
enfermeira cuja vida parece desafiar as probabilidades. Nascida em 2 de outubro
de 1887, em Bahía Blanca, Argentina, Violet sobreviveu não apenas ao naufrágio
do Titanic, mas também aos desastres de dois outros navios da White Star Line:
o RMS Olympic, em 1911, e o HMHS Britannic, em 1916.
Sua
trajetória é uma combinação de coragem, resiliência e uma pitada de sorte,
marcada por episódios que a transformaram em uma figura lendária da história
marítima.
Infância e Primeiros Desafios
Violet
era filha de William e Katherine Jessop, imigrantes irlandeses de Dublin que se
mudaram para a Argentina na década de 1880 em busca de prosperidade na criação
de gado.
Ela era
a mais velha de seis filhos sobreviventes, de um total de nove. Sua infância
foi marcada por adversidades: aos cinco anos, Violet contraiu tuberculose, uma
doença que, na época, era frequentemente fatal. Os médicos alertaram que ela
tinha poucos dias de vida, mas, contra todas as expectativas, ela sobreviveu.
A morte
de seu pai em Mendoza, Argentina, levou a família a retornar à Grã-Bretanha.
Lá, sua mãe começou a trabalhar como comissária de bordo na Royal Mail Line,
mas, quando adoeceu, Violet, ainda adolescente, abandonou os estudos em um
convento para seguir a mesma profissão.
Apesar
de suas reservas sobre trabalhar no Atlântico Norte - devido às condições
climáticas rigorosas e aos passageiros exigentes -, Violet ingressou na Royal
Mail Line e, posteriormente, na prestigiada White Star Line, iniciando uma carreira
que a levaria a testemunhar alguns dos maiores desastres marítimos do século
XX.
A Bordo do RMS Olympic
Em
1910, Violet começou a trabalhar no RMS Olympic, o maior navio de passageiros
do mundo à época, com 269 metros de comprimento - cerca de 30 metros maior que
qualquer outro navio de sua classe. Como comissária, ela trabalhava 17 horas
por dia, ganhando um salário mensal de £2,10 (equivalente a aproximadamente
£250 ou €300 em valores atuais).
Suas
funções incluíam atender às necessidades dos passageiros de primeira classe,
garantindo conforto em um ambiente de opulência. Em 20 de setembro de 1911, o
Olympic colidiu com o cruzador militar HMS Hawke, próximo à Ilha de Wight, no
sul da Inglaterra.
O
Hawke, significativamente menor, foi atraído pela sucção das hélices do
Olympic, resultando em danos graves para ambos os navios: dois compartimentos
estanques do Olympic foram inundados, e suas hélices ficaram danificadas; a
proa do Hawke foi destruída.
Apesar
da gravidade do incidente, ambos os navios conseguiram retornar ao porto de
Southampton sem vítimas. Para Violet, esse foi o primeiro de uma série de
encontros com o perigo no mar, mas também um prenúncio de eventos ainda mais
dramáticos.
O Naufrágio do Titanic
Inicialmente
relutante em trabalhar no RMS Titanic - um navio ainda mais grandioso que o
Olympic -, Violet foi convencida por amigos que a experiência seria
inesquecível. Assim, em 10 de abril de 1912, ela embarcou como comissária de
bordo para a viagem inaugural do navio, partindo de Southampton rumo a Nova
York.
Violet
admirava o arquiteto do Titanic, Thomas Andrews, a quem descreveu em suas
memórias como um homem gentil, mas visivelmente exausto, que frequentemente
parava para cumprimentar a tripulação com um sorriso.
Ela
também fez amizade com Jock Hume, um jovem violinista escocês da orquestra do
navio, cuja coragem durante o naufrágio - tocando até o fim para acalmar os
passageiros - ficou marcada na história.
Em suas
memórias, Violet relatou que carregava consigo uma oração hebraica traduzida
para o inglês, presenteada por uma idosa irlandesa. Como católica devota, ela
levava um rosário no avental e acreditava no poder da oração para protegê-la
contra “fogo e água”.
Na
noite de 14 de abril, após um dia de trabalho, Violet estava em seu beliche,
sonolenta, mas ainda acordada, quando sentiu o impacto do Titanic contra o
iceberg. Inicialmente, ela não percebeu a gravidade da situação, mas logo
recebeu ordens para subir ao convés.
No
convés, Violet observou que os passageiros permaneciam calmos, muitos ainda
descrentes de que o “inafundável” Titanic pudesse estar em perigo. Como
comissária, ela foi instruída a ajudar no embarque dos botes salva-vidas,
tranquilizando as mulheres e crianças enquanto eram separadas de seus maridos.
Mais
tarde, um oficial ordenou que ela e outras comissárias entrassem no bote número
16, para demonstrar às passageiras que os botes eram seguros. Enquanto o bote
era baixado ao mar, um oficial entregou a Violet um bebê envolto em cobertores,
sem identificar quem era.
Após
cerca de oito horas no mar gelado, Violet e os outros ocupantes do bote foram
resgatados pelo RMS Carpathia. A bordo, uma mulher desconhecida tomou o bebê
dos braços de Violet sem dizer uma palavra de agradecimento, um momento que ela
achou estranho, mas não questionou devido ao cansaço e ao frio intenso. A
identidade do bebê permanece um mistério até hoje, alimentando especulações
entre historiadores.
O HMHS Britannic e a Primeira Guerra Mundial
Com o
início da Primeira Guerra Mundial, Violet juntou-se à Cruz Vermelha Britânica,
servindo como enfermeira no HMHS Britannic, um navio-irmão do Titanic
convertido em hospital para transportar feridos.
Em 21
de novembro de 1916, enquanto navegava no Mar Egeu, o Britannic atingiu uma
mina naval alemã e começou a afundar rapidamente. Violet conseguiu embarcar em
um bote salva-vidas, mas, ao ser baixado, o bote foi arrastado pela sucção das
hélices do navio.
Temendo
por sua vida, ela pulou ao mar, mas acabou batendo a cabeça contra a quilha do
Britannic, ficando temporariamente inconsciente. Felizmente, outro bote a
resgatou. Violet mais tarde mencionou que, dessa vez, garantiu levar sua escova
de dentes, algo de que sentiu muita falta após o naufrágio do Titanic.
Vida Após os Naufrágios
Após a
guerra, Violet continuou sua carreira marítima, trabalhando para a White Star
Line, a Red Star Line e novamente a Royal Mail Line. Na década de 1920, ela
participou de dois cruzeiros ao redor do mundo a bordo do SS Belgenland, o
maior navio da Red Star Line.
Sua
vida pessoal, no entanto, enfrentou desafios: ela teve um breve casamento na
mesma década, que terminou em divórcio e não resultou em filhos. Em 1950,
Violet aposentou-se e fixou residência em Great Ashfield, Suffolk, onde viveu
uma vida tranquila.
Ela
faleceu em 5 de maio de 1971, aos 83 anos, vítima de insuficiência cardíaca.
Suas memórias, publicadas postumamente em 1997 como Titanic Survivor: The Newly
Discovered Memoirs of Violet Jessop, oferecem um relato vívido e pessoal dos
eventos que marcaram sua vida e a história marítima.
Legado e Curiosidades
A
história de Violet Jessop é um testemunho de resiliência diante de adversidades
extremas. Sua capacidade de sobreviver a três desastres marítimos - o Olympic,
o Titanic e o Britannic - rendeu-lhe o apelido de “a inafundável”.
Além
disso, sua perspectiva única como comissária e enfermeira oferece um olhar raro
sobre a vida a bordo dos grandes transatlânticos e os desafios enfrentados pela
tripulação.
Curiosamente,
Violet nunca buscou fama por suas experiências. Suas memórias, escritas décadas
após os eventos, foram publicadas apenas após sua morte, sugerindo uma mulher
reservada, mas profundamente reflexiva sobre suas vivências.
Historiadores
também especulam sobre o bebê que Violet protegeu no Titanic, com teorias
apontando para possíveis identidades, como Michel Navratil Jr. ou Helen Loraine
Allison, embora nenhuma tenha sido confirmada.
Violet
Jessop permanece uma figura emblemática, não apenas por sua sobrevivência, mas
por sua determinação em continuar trabalhando no mar, mesmo após tantas
experiências traumáticas.
Sua
história é um lembrete da fragilidade humana diante da natureza, mas também da
força do espírito para superar o inimaginável.
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