Propaganda

This is default featured slide 1 title

Go to Blogger edit html and find these sentences.Now replace these sentences with your own descriptions.This theme is Bloggerized by Lasantha Bandara - Premiumbloggertemplates.com.

This is default featured slide 2 title

Go to Blogger edit html and find these sentences.Now replace these sentences with your own descriptions.This theme is Bloggerized by Lasantha Bandara - Premiumbloggertemplates.com.

This is default featured slide 3 title

Go to Blogger edit html and find these sentences.Now replace these sentences with your own descriptions.This theme is Bloggerized by Lasantha Bandara - Premiumbloggertemplates.com.

This is default featured slide 4 title

Go to Blogger edit html and find these sentences.Now replace these sentences with your own descriptions.This theme is Bloggerized by Lasantha Bandara - Premiumbloggertemplates.com.

This is default featured slide 5 title

Go to Blogger edit html and find these sentences.Now replace these sentences with your own descriptions.This theme is Bloggerized by Lasantha Bandara - Premiumbloggertemplates.com.

quinta-feira, dezembro 11, 2025

Viajante

 

Há quem passe como ventania que arranca telhados, vira tudo de cabeça para baixo e deixa ruídos de espanto por onde passou. E há quem passe como brisa mansa, que acaricia o rosto, desfaz dobras da alma e acalma o que o dia tentou endurecer.

Há quem chegue como a seca que racha a terra, que silencia os pássaros e torna o horizonte um pedido de socorro. E há quem chegue como chuva boa, daquela que não assusta, mas que desce devagar, infiltra-se no chão e faz brotar a esperança esquecida.

Há quem seja espinho que fere ao simples roçar, que exige cuidado até quando se aproxima. E há quem seja flor que perfuma mesmo depois de colhida, deixando lembranças suaves que persistem na ausência.

Há quem passe como inverno que congela rios, paralisa caminhos e faz a vida parecer suspensa num tempo frio. E há quem seja primavera pura, que devolve cor ao mundo, devolve som aos ninhos e renova o que se pensava perdido.

Há quem seja nuvem escura que encobre o sol, trazendo sombra até onde antes havia claridade. E há quem seja raio de luz que atravessa tempestades, rompendo o céu fechado e lembrando que a claridade sempre encontra um modo de voltar.

Há quem seja pedra solta que rola e machuca tudo o que encontra, sem direção, sem raiz. E há quem seja raiz forte, profunda, que sustenta o chão quando tudo ao redor parece desabar, evitando que o mundo ceda ao peso das incertezas.

Há quem passe como folha seca levada pelo vento, sem rumo, sem permanência, desaparecendo no próximo sopro. E há quem fique como carvalho antigo, testemunha de séculos, resistente às tempestades e generoso na sombra que oferece.

Há também aqueles que apenas atravessam a vida como rio que corre sem olhar as margens, apressado, indiferente às paisagens que abandona pelo caminho.

E há, por fim, aqueles que não deixam a vida passar sem tocar o mundo: transformam desertos em jardins, acendem fogueirinhas em noites de frio, oferecem abrigo quando o vento é forte e plantam amor onde antes só havia pedra. São esses que, mesmo após a partida, continuam a nascer dentro de nós.

Aparências




Nunca julgue pelas aparências. Elas quase sempre mentem - e, quando mentem, humilham quem acreditou nelas. Em 1884, um casal desceu do trem na estação de Boston. Ela usava um simples vestido de algodão estampado, ele um terno escuro já gasto nos punhos.

Caminharam tímidos até o prédio administrativo de Harvard e pediram para falar com o reitor. Não tinham hora marcada. A secretária os mediu de cima a baixo. Para ela, eram apenas “caipiras” perdidos na cidade grande.

- O reitor está ocupado o dia inteiro - respondeu, seca.

- Nós esperamos - disse a mulher, com voz calma.

Passaram-se horas. A secretária os ignorava, torcendo para que desistissem. Não desistiram. Irritada, foi até o reitor:

- São só uns minutos, senhor. Depois eles vão embora.

O reitor, homem vaidoso e apressado, apareceu com o rosto fechado. Nem se deu ao trabalho de cumprimentá-los direito. A mulher falou:

- Nosso filho estudou aqui apenas um ano. Ele amava Harvard. Era feliz. Mas morreu num acidente. Gostaríamos de deixar algo no campus em memória dele.

O reitor cortou, impaciente:

- Senhora, não podemos erguer uma estátua para cada aluno que morre. Isso aqui viraria cemitério.

- Oh, não é estátua - interrompeu ela, serena. - Pensamos em doar um prédio à universidade.

O reitor deu uma risadinha de deboche. Olhou o vestido barato dela, o terno puído dele, e disse:

- Um prédio? Vocês fazem ideia de quanto custa um prédio? Só os edifícios daqui já passaram de sete milhões e meio de dólares.

Silêncio. A mulher virou-se para o marido e falou, quase num sussurro:

- É só isso que custa criar uma universidade? Então por que não fazemos a nossa?

O marido assentiu apenas com a cabeça. O reitor ficou pálido. Pela primeira vez percebeu que estava diante de Leland Stanford e Jane Stanford, um dos casais mais ricos da Califórnia, donos de ferrovias, minas e latifúndios imensos.

Os Stanford saíram sem mais uma palavra. Foram para Palo Alto, compraram 8.180 acres de terra e, em 1891, abriram a Leland Stanford Junior University - em memória do filho que Harvard desprezou.

Hoje, a Universidade Stanford é consistentemente uma das três melhores do mundo (em muitos anos a número 1 ou 2 ou 3), superando Harvard em diversos rankings globais.

Seu patrimônio ultrapassa 42 bilhões de dólares, o quarto maior entre universidades. Moral da história (curta e forte):Roupas velhas não dizem quem a pessoa é.

Arrogância, sim, revela tudo. Quem julga pela casca pode perder a árvore inteira - e, às vezes, ajudar a plantar a floresta do concorrente.

quarta-feira, dezembro 10, 2025

O Especialista



Para você que chegou agora - justamente agora - apenas para criticar o que já está feito: onde estava quando tudo era poeira no chão e esboço no papel? Onde estava quando a gente segurava prego com a mão e esperança com a outra? Onde estava quando precisávamos de ideias - não prontas, não copiadas - mas inventadas ali, no improviso, quando ainda não existia modelo nenhum?

É muito confortável aparecer depois que o prédio está de pé para dizer que a cor da parede poderia ser outra, que a porta não está perfeitamente alinhada ou que o evento teria ficado melhor com música ao vivo.

Conveniente ser especialista quando o risco já passou, o esforço já foi gasto e o tempo já foi consumido. Difícil mesmo é estar lá no dia em que faltou energia no meio do processo, no dia em que um fornecedor cancelou de última hora, no dia em que a equipe era meia dúzia, mas o problema era do tamanho de cem.

Criticar sem jamais ter sujado as mãos é o refúgio preferido de quem não quer assumir responsabilidade. E responsabilidade não é sobre discurso, é sobre presença: é estar no sábado à noite quando ninguém quer estar, é abrir mão de descanso quando o prazo encurta, é reconhecer que talvez fique imperfeito - e fazer mesmo assim.

Quem fez, fez com as ferramentas que tinha, não com as que gostaria de ter. Fez com orçamento contado, com dúvidas penduradas nos ombros e com a coragem mínima necessária para não desistir. Fez sem manual, sem mapa e sem plateia.

Às vezes fez no escuro - literalmente - com lanterna emprestada e café frio. Fez porque alguém precisava tomar a decisão, assinar o documento, puxar o primeiro tijolo, sacrificar o último minuto de energia.

E ainda assim, sabia que você viria depois - você e o seu olhar técnico, retroativo, cirúrgico - e apontaria falhas. Porque crítico nunca falta. É como sombra: aparece quando o sol já brilhou e a obra já está construída.

Antes de abrir a boca para julgar, pergunte-se: Eu teria feito melhor com o que havia disponível naquele momento?

Eu teria feito alguma coisa, ao menos uma, se estivesse no lugar de quem fez?
Ou teria feito aquilo que sempre faço - observar, comentar, esperar o esforço alheio e opinar depois?

Quem critica sem nunca ter construído nada não está colaborando: está apenas anestesiando a própria ausência, justificando sua distância, consolando-se por não ter participado. É a tentativa de transformar falta de ação em superioridade intelectual.

O mundo já tem críticos suficientes. Especialistas em defeitos, consultores da obviedade, guardiões do “se fosse comigo”. O que falta - e falta muito - é gente que faça apesar das incertezas, que construa com o que existe, que assuma riscos e aceite a possibilidade de não ser aplaudida.

Assina com carinho, com algumas cicatrizes e com um pouco de orgulho ferido,
aquele que fez - quando ninguém sabia como fazer, quando ninguém queria fazer, quando todos esperavam que alguém começasse. E alguém começou.

Não Digas Nada!



"Não digas nada. Nem mesmo a verdade. Porque há uma suavidade quase sagrada em nada se dizer e, ainda assim, tudo se compreender - um entendimento suspenso entre o que se vê e o que apenas se pressente; metade de gesto, metade de arrepio.

Não digas nada agora. Deixa que o tempo dissolva, que a memória reencontre o seu lugar. Talvez amanhã - noutra paisagem, noutra claridade, quando o corpo já estiver longe da ferida e da saudade - digas que foi vã toda essa viagem.

Talvez então percebas que o caminho foi feito com passos cansados, mas também com passos de luz. Até onde pude ser quem te agradava; e mesmo assim, mesmo ali, mesmo imperfeita, fui feliz. Por isso, não digas nada."

Este poema, frequentemente lembrado apenas pelo primeiro verso - “Não digas nada” - é um dos segredos mais delicados da obra de Florbela Espanca. Escrito entre 1922 e 1923, pertence ao período em que a autora, já ferida por perdas consecutivas, tentava reinventar-se na escrita porque na vida já não encontrava abrigo.

Florbela vivia um tempo em que quase tudo lhe fugia das mãos: o corpo instável, a saúde mental frágil, os amores breves que nunca bastavam, os sucessivos casamentos que se esvaziavam antes mesmo de amadurecer. As crises nervosas, tratadas com Veronal - medicamento que mais tarde selaria a tragédia final - intensificavam as sensações de inadequação e exílio emocional.

Enquanto escrevia esses versos, ela ainda tentava acreditar na promessa do terceiro casamento com o médico Antônio Guimarães, mas a sombra do fracasso rondava tudo.

As perdas anteriores não haviam cicatrizado: a morte da mãe quando ainda era criança; o divórcio traumático de Alberto Moutinho; as tentativas frustradas de ser mulher e artista em um país que recusava a sua flamboyância emocional.

Quando Florbela diz “talvez amanhã, noutra paisagem”, não fala apenas de um amanhã real, mas de um amanhã impossível - um amanhã onde tudo se explicaria, onde não haveria mais dever, nem dívida emocional, nem inquietação. Na sua escrita, esse amanhã era o lugar da absolvição.

O verso “até onde quis ser quem me agrada” revela uma confissão silenciosa: Florbela sempre se moldou à expectativa do outro. Tentou ser a esposa ideal, a musa ideal, a mulher controlada, pura, discreta - mas nenhuma dessas versões lhe servia. E essa inadequação era, para ela, a ferida que mais doía.

Quando o irmão Apeles morre em 1927 - já depois da composição do poema - a ferida transforma-se em abismo. Ela chamava o irmão de “meu filho, meu pai, meu tudo”. Sua morte trágica num acidente de aviação desfaz o pouco de chão que restava.

A viagem, então, torna-se definitivamente “vã”.

Em dezembro de 1930, no dia em que completava 36 anos, Florbela decide partir. Não há grito, não há escândalo. Apenas silêncio. O mesmo silêncio que o poema suplica. Toma Veronal - o mesmo remédio que a mantinha adormecida - e deixa cartas que nunca foram plenamente reveladas. O livro que seria publicado naquele mesmo dia - Dominó Preto - sairia sem sua presença.

Não apenas se despede. Silencia. Desaparece como quem fecha uma porta por dentro. Esse poema é, portanto, uma espécie de bilhete antecipado - um pedido final que atravessa o tempo: não digam nada.

Nem os jornais, nem os críticos, nem os amantes anteriores, nem os curiosos, nem os que a julgavam exagerada, nem os que confundiam intensidade com escândalo. Não digam nada.

E, ao mesmo tempo, digam tudo através do silêncio. Por isso estes versos, tão breves e tão límpidos, funcionam como epitáfio emocional: Florbela pede que ninguém a explique, ninguém lhe devolva interpretação, ninguém prolongue a dor com justificativas. Nem mesmo a verdade importa.

O que importa é que, por um instante fugaz - nesse poema, nesse fragmento - ela confessa: fui feliz. E essa felicidade, desmontada, insuficiente, tardia, foi suficiente para que pedisse apenas quietude.

Assim termina uma das despedidas mais sublimes da literatura portuguesa: não com ruído, mas com um convite ao silêncio que ainda hoje ecoa.

terça-feira, dezembro 09, 2025

A Paixão de Cristo


 

O famoso filme "A Paixão de Cristo", dirigido por Mel Gibson e lançado em 2004, reconta os eventos das últimas horas da vida de Jesus Cristo, com base nos relatos bíblicos dos Evangelhos.

Uma das cenas mais impactantes e controversas ocorre durante a flagelação de Jesus, quando ele é brutalmente espancado enquanto amarrado a um tronco pelos soldados romanos.

Nesse momento, um personagem misterioso surge na multidão, carregando um bebê nos braços. Essa figura, interpretada pela atriz italiana Rosalinda Celentano, é o próprio Satanás, retratado com uma aparência andrógina para enfatizar a natureza espiritual e sem gênero dos anjos caídos, conforme tradições teológicas.

A cena é extremamente estranha e sombria: Satanás não profere uma única palavra, mas seu aspecto sinistro - com pele pálida, olhos penetrantes e uma expressão de malícia sutil - combinado à aparência grotesca do bebê, que parece um homem adulto envelhecido e deformado, com cabelos nas costas, desperta questionamentos profundos.

Filmada em câmera lenta, ela intensifica o horror, contrastando com a violência gráfica sofrida por Jesus, interpretado por Jim Caviezel. Esse trecho, que dura apenas alguns segundos, tem um significado simbólico que muitos espectadores não captaram imediatamente na época do lançamento, gerando debates e interpretações variadas.

De acordo com o próprio Mel Gibson, o diretor do filme, a intenção era ilustrar como o mal distorce o que é bom e puro. Em entrevistas, Gibson explicou que a imagem representa uma paródia invertida da Virgem Maria carregando o Menino Jesus - um "anti-Madona e Criança".

Satanás, ao segurar um bebê feio e maduro, zomba da encarnação divina de Cristo, sugerindo uma versão pervertida da maternidade e da inocência. Ele descreveu: "É o mal distorcendo o que é bom. O que há de mais terno e belo do que uma mãe e uma criança?

Então, o Diabo pega isso e distorce um pouco. Em vez de uma mãe normal e uma criança, você tem uma figura andrógina segurando um 'bebê' de 40 anos com cabelos nas costas.

É estranho, chocante, quase demais - assim como virar Jesus para continuar açoitá-lo quando seu corpo já está dilacerado."

Essa simbologia reforça a ideia de que Satanás tenta quebrar a convicção de Jesus em seu sacrifício, insinuando que até o Diabo "cuida" de seu "filho" (possivelmente uma alusão ao Anticristo, conforme interpretações apocalípticas na Bíblia, como no Livro do Apocalipse), enquanto Deus permite que seu Filho único seja humilhado e torturado.

Para contextualizar os acontecimentos, a flagelação de Jesus é descrita nos Evangelhos (como em Mateus 27:26 e João 19:1), onde Pôncio Pilatos ordena que Jesus seja açoitado antes da crucificação, uma punição romana comum que envolvia chicotes com pontas de metal ou ossos para rasgar a carne.

No filme, Gibson amplifica essa violência para enfatizar o sofrimento físico e espiritual de Cristo, o que gerou controvérsias: críticos acusaram o longa de ser excessivamente gráfico e até antissemita, por retratar os líderes judeus como principais instigadores da crucificação.

Apesar disso, "A Paixão de Cristo" foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de US$ 600 milhões mundialmente, e inspirou reflexões teológicas em audiências religiosas.

Nos bastidores, a produção foi marcada por desafios, incluindo lesões reais no set - Caviezel sofreu hipotermia, deslocamento de ombro e foi atingido por um raio durante as filmagens.

É certamente uma cena com um significado profundo, que muitos não perceberam à primeira vista, destacando temas como a tentação, o mal disfarçado e a redenção através do sofrimento.

O filme como um todo é peculiar e vale a pena ser assistido com atenção aos detalhes, desde as línguas originais (aramaico, latim e hebraico) até os simbolismos visuais, como o corvo bicando o ladrão na cruz ou a lágrima de Deus caindo do céu após a morte de Jesus.

Eu assisti a esse filme apenas uma vez e, apesar de ter a película em meu computador, nunca mais o revi, talvez pelo impacto emocional intenso. Não sei como o homem, criado - segundo a Bíblia - à imagem e semelhança de Deus, pode também manifestar tanta violência prazerosa, como vista na multidão que assiste à tortura.

A imagem de Satanás com o bebê é particularmente apavorante, especialmente em câmera lenta, evocando um terror psicológico que persiste. Na verdade, todos os filmes dirigidos por Mel Gibson, como "Coração Valente" (1995), "Apocalypto" (2006) e "Até o Último Homem" (2016), são marcados por elementos controversos ou simbólicos que convidam a pesquisas mais profundas para entender suas motivações.

Em "A Paixão de Cristo", Gibson, que é católico devoto, incorporou influências de visões místicas, como as de Ana Catarina Emmerich, uma freira do século XIX cujas descrições de visões da Paixão inspiraram partes do roteiro.

Essa abordagem torna o filme não apenas uma narrativa histórica, mas uma meditação visual sobre fé, pecado e salvação, que continua a dividir opiniões duas décadas após seu lançamento.

O Retrato de Dorian Gray




O romance O Retrato de Dorian Gray (1891), única obra de ficção longa de Oscar Wilde, é considerado um dos maiores clássicos da literatura inglesa e uma das críticas mais devastadoras à hipocrisia da sociedade vitoriana, ao culto da beleza e ao hedonismo sem limites.

A história começa num ensolarado dia de verão em Londres, na Era Vitoriana. O pintor Basil Hallward, um artista sensível e idealista, está terminando o retrato de Dorian Gray - um jovem de beleza quase sobrenatural que se tornou sua musa e obsessão artística.

Enquanto pinta, Basil recebe a visita de seu amigo Lord Henry Wotton, um aristocrata cínico, brilhante e extremamente articulado, que defende uma filosofia de vida hedonista: “O único modo de livrar-se de uma tentação é ceder a ela”.

Fascinado e influenciado pelas ideias de Lord Henry, Dorian faz um desejo impulsivo e fatal: que o retrato envelheça e sofra no seu lugar, enquanto ele conservaria para sempre a juventude e a beleza. O desejo é misteriosamente atendido.

A tragédia de Sibyl Vane

Encantado com sua própria beleza e com as ideias de Lord Henry, Dorian começa a explorar plenamente os prazeres da vida. Num teatro pobre do East End, conhece a jovem atriz Sibyl Vane, que representa heroínas de Shakespeare com paixão incandescente.

Dorian apaixona-se perdidamente - ou pelo menos pelo reflexo da arte na moça - e pede-a em casamento. Sibyl, extasiada, chama-o de “Príncipe Encantado” (ou “Príncipe Formoso”, em algumas traduções). Seu irmão mais velho, James Vane, um marinheiro rude e protetor, parte para a Austrália, mas antes jura vingar-se caso Dorian magoe a irmã.

Na noite em que Dorian leva Basil e Lord Henry para ver Sibyl atuar em Romeu e Julieta, tudo desmorona. Apaixonada de verdade, Sibyl decide que o amor real é superior à arte fingida e representa mal de propósito. Furioso por perder a “arte” que amava nela, Dorian rejeita-a cruelmente: “Você matou o meu amor”.

Desesperada, Sibyl suicida-se naquela mesma noite ingerindo ácido prussiano (cianídrico). Ao voltar para casa, Dorian nota a primeira mudança no retrato: um traço sutil de crueldade nos lábios. Em vez de horrorizar-se, ele decide esconder o quadro num quarto trancado da casa e abraçar plenamente a vida de prazeres - agora sabendo que nenhum pecado deixará marcas em seu rosto.

Os dezoito anos de corrupção

Nos dezoito anos seguintes, Dorian mergulha numa existência de excessos que a sociedade londrina sussurra, mas nunca ousa condenar abertamente, graças à sua aparência angelical e à sua fortuna. Drogas, orgias, manipulação emocional, destruição de reputações - tudo fica oculto atrás de sua máscara de juventude eterna.

O grande catalisador intelectual dessa fase é um livro francês que Lord Henry lhe dá (nunca nomeado no romance, mas que Wilde, em seu julgamento de 1895, confirmou ser À rebours - “Contra a Natureza”, 1884 - de Joris-Karl Huysmans), uma bíblia do decadentismo e do esteticismo extremo.

O assassinato de Basil Hallward

Anos depois, na véspera de uma viagem a Paris, Basil visita Dorian para confrontá-lo sobre os boatos escandalosos. Dorian, num acesso de raiva e hipocrisia, leva o pintor ao sótão e revela o retrato - agora uma visão grotesca, putrefata, carregada de todos os seus crimes e vícios.

Enfurecido por ser “culpado” da própria danação, Dorian pega uma faca e assassina Basil com várias facadas. Depois, friamente chantageia um antigo amigo cientista, Alan Campbell, obrigando-o a dissolver o corpo em ácido nítrico.

A perseguição de James Vane

Procurando esquecer o crime, Dorian vai a um antro de ópio. Por coincidência, James Vane - que voltou da Austrália ao saber da morte da irmã - está lá. Ao ouvir alguém chamar Dorian de “Príncipe Encantado”, James tenta matá-lo.

Dorian salva-se mentindo que é jovem demais para ser o homem que conheceu Sibyl dezoito anos antes. Uma prostituta do local, porém, reconhece Dorian e revela a James que ele “vendeu a alma ao diabo” para nunca envelhecer.

James corre atrás dele, mas já é tarde. Dias depois, durante uma caçada na propriedade rural de um duque amigo de Dorian, James, escondido num matagal à espreita, é acidentalmente baleado e morto por um dos caçadores.

O fim: a facada no retrato

Com a última ameaça eliminada, Dorian sente, por um breve instante, o desejo de regeneração. Conhece uma jovem pura chamada Hetty Merton e, pela primeira vez, decide não a corromper. Corre ao sótão para ver se o retrato mostra sinais de melhora.

Encontra-o ainda mais horrendo e percebe que até seu “arrependimento” foi motivado apenas por vaidade e curiosidade estética - mais uma sensação nova a experimentar.

Compreendendo que nunca poderá escapar da própria consciência enquanto o retrato existir, Dorian decide destruí-lo. Pega a mesma faca que matou Basil e apunhala o quadro no coração.

Os criados ouvem um grito terrível. Quando arrombam a porta do sótão, encontram um velho cadavérico, enrugado e irreconhecível, esfaqueado no peito - é Dorian Gray, finalmente carregando no corpo toda a podridão de sua alma. Ao lado do corpo, o retrato voltou à sua beleza original, intocado e radiante.

Curiosidades e contexto histórico

Publicado inicialmente em 1890 na revista Lippincott’s Monthly Magazine, o romance causou escândalo imediato. Críticos acusaram-no de imoralidade, e a versão revista de 1891 (com seis capítulos novos e um prefácio famoso defendendo a arte pela arte) foi usada como prova no julgamento de Wilde por “indecência grave” em 1895 - o que acabou levando-o a dois anos de trabalhos forçados e à sua ruína.

Oscar Wilde afirmou que Basil representa o que ele achava que era, Lord Henry o que o mundo pensava que ele era, e Dorian o que ele gostaria de ter sido em outras épocas.

O livro é considerado um dos precursores da literatura gótica moderna, do horror psicológico e até da estética “faustiana” do século XX. O Retrato de Dorian Gray permanece uma das mais perturbadoras fábulas morais da literatura: a beleza sem consciência é o mais terrível dos monstros.

segunda-feira, dezembro 08, 2025

A Origem do Nome do Vaticano


 O Vaticano: o menor e um dos mais singulares países do mundo

O Estado da Cidade do Vaticano (em italiano: Stato della Città del Vaticano) é, simultaneamente, um país independente, o menor do planeta em área (44 hectares, ou 0,44 km²) e em população (cerca de 800 habitantes permanentes em 2025), e a sede mundial da Igreja Católica Romana.

Apesar do tamanho minúsculo, possui todos os atributos de um Estado soberano: bandeira, hino, moeda (euro, com cunhagem própria), correios, rádio, jornal oficial, força de segurança (Guarda Suíça), diplomacia própria e até um pequeno exército cerimonial.

Embora seja frequentemente chamado de “o país mais rico do mundo per capita”, essa afirmação é relativa: o Vaticano não divulga todas as suas finanças, mas administra um patrimônio histórico-artístico incalculável (Museus Vaticanos, Basílica de São Pedro, Biblioteca Apostólica, etc.) e possui investimentos globais através do IOR (Instituto para as Obras da Religião, o chamado “Banco do Vaticano”).

Não é, porém, o Estado mais rico do planeta nem em termos absolutos nem per capita (países como Luxemburgo, Qatar, Singapura e Noruega superam-no largamente em PIB per capita).

A ideia de que o Vaticano “põe e destrona reis e presidentes” ou “financia guerras” pertence mais à literatura conspiratória do que à história documentada contemporânea.

Durante a Idade Média e Renascimento, a Santa Sé realmente exerceu enorme influência política (ex.: coroação de imperadores, Cruzadas, excomunhões que derrubavam monarcas), mas desde o século XIX essa influência é sobretudo moral, cultural e diplomática.

Qual é a verdadeira origem do nome “Vaticano”?

O nome “Vaticano” não vem do latim cristão nem da Bíblia. Sua origem é bem mais antiga e remonta à época pré-romana. A colina onde hoje está o Vaticano chamava-se, em latim, Mons Vaticanus (“Colina Vaticana”).

Antes da ascensão de Roma, a região era habitada pelos etruscos, um povo que dominou o centro da Itália entre os séculos IX e III a.C. (não “há 3000 anos”, pois isso seria cerca de 1000 a.C.; os etruscos florescem a partir de ≈800 a.C.). Existem três explicações etimológicas principais para o nome, todas pré-cristãs:

A mais aceita academicamente: vem do etrusco “Vatica” ou “Vatika”, nome de uma antiga divindade feminina menor do submundo e das necrópoles. Os etruscos tinham horror a enterrar mortos dentro das cidades e construíam enormes cemitérios fora das muralhas.

A colina Vaticana era precisamente uma dessas grandes necrópoles etruscas. A deusa Vatika era a guardiã dos mortos e do local. Uma segunda teoria, defendida por linguistas clássicos (Plínio, o Velho e Varrão), liga o nome à palavra latina vaticinĭum ou vates (“profeta”, “adivinho”).

Na colina cresciam espontaneamente certas plantas e uvas silvestres de sabor muito amargo que, segundo a tradição popular romana, provocavam visões ou estados alterados de consciência. Por isso o lugar era associado a oráculos e profecias (daí “vaticinar” = profetizar em português). Essa explicação é a que deu origem ao verbo “vaticinar”.

Uma terceira hipótese, menos aceita, sugere que havia uma antiga cidade ou povoado etrusco chamado Vaticum, hoje desaparecido, cujo nome teria sido transferido para a colina.

O local onde Pedro foi martirizado

No tempo do imperador Nero (64 d.C.), após o grande incêndio de Roma, o Circo de Nero (uma enorme arena de corridas de cavalos) ocupava exatamente a área onde hoje está a Basílica de São Pedro.

Segundo a tradição cristã antiga (atestada desde o século II), o apóstolo Pedro foi crucificado de cabeça para baixo nesse circo, a pedido próprio, por não se julgar digno de morrer como Jesus. Seu túmulo teria ficado ali mesmo, na encosta da colina Vaticana.

Escavações arqueológicas realizadas sob a basílica entre 1939 e 1949 (por ordem de Pio XII) encontraram de fato uma necrópole romana do século I–IV e, abaixo do altar-mor, um pequeno monumento do século II que a tradição Constantina identificava como túmulo de Pedro.

Ossos de um homem robusto de 60-70 anos foram encontrados em 1968 próximos desse local, e exames de carbono-14 e análise antropológica são compatíveis com o século I, embora a Igreja nunca tenha declarado oficialmente “estes são os ossos de São Pedro”.

Resumo atualizado e preciso Portanto, o Vaticano está literalmente construído sobre: Uma antiga necrópole etrusca e romana; O local tradicional do martírio de São Pedro; Uma colina cujo nome já era “Vaticano” séculos antes de Cristo existir, com raízes pagãs ligadas a profecias ou a uma deusa do mundo dos mortos.

Esse contraste entre raízes pagãs profundas e a centralidade do cristianismo mundial é uma das ironias mais fascinantes da história de Roma. 

Meritocracia



A meritocracia como ideologia da desigualdade disfarçada

Por trás da aparente nobreza da “ética do merecimento”, a meritocracia esconde uma ética muito mais crua: a do desempenho mensurável. Em uma sociedade marcada por desigualdades estruturais de classe, raça, gênero, região e acesso à educação, merecimento e desempenho raramente coincidem.

Mário de Andrade e Drummond mereciam cadeiras na Academia Brasileira de Letras por sua contribuição à literatura. Não as tiveram em vida. Já José Sarney, Roberto Marinho, Paulo Coelho e dezenas de políticos, empresários e celebridades de ocasião ocuparam (ou ocupam) aquelas poltronas - não exatamente por genialidade literária, mas por desempenho político, midiático e comercial.

Mario Quintana, um dos maiores poetas brasileiros do século XX, morreu pobre, morando de favor no Hotel Majestic, em Porto Alegre. Paulo Coelho, autor de frases de calendário, é um dos escritores mais ricos do planeta.

Um produziu obra de valor literário inquestionável; o outro produziu desempenho de mercado estratosférico. O menino nota 10 que mora debaixo da ponte da BR-116 talvez mereça ser médico mais do que muitos filhos de classe média alta que entram na faculdade por cotas de escola privada cara ou por cursinho de elite.

Mas as chances dele são quase nulas. O vestibular, o Enem, o Fies, a residência médica - tudo foi desenhado para premiar quem já teve condições de “performar” desde o berço.

Na música popular a distância é abissal: Anitta, Ludmilla e Gusttavo Lima dominam as paradas porque investem milhões em payola, playlists editoriais do Spotify, jabá modernizado e estratégias de algoritmo.

Enquanto isso, artistas como Belchior, Itamar Assumpção ou Douglas Germano - de valor artístico incomensuravelmente superior - morreram (ou vivem) na penúria ou no esquecimento.

O que realmente se mede na meritocracia?

A meritocracia precisa de números. Merecimento, porém, é um juízo subjetivo de valor - e valor não cabe em planilha. Então mede-se o que é mensurável: vendas, citações, notas, likes, faturamento, índice h, aprovação no vestibular, pontuação na CAPES.

Supõe-se que desempenho seja espelho fiel do merecimento. É uma das maiores falsificações ideológicas da modernidade. Na prática, tanto os critérios de avaliação quanto os meios para se obter bom desempenho são moldados por relações de poder. Alguns exemplos concretos:

Os critérios da CAPES para ranquear programas de pós-graduação privilegiam publicação em inglês em revistas indexadas por grandes editoras multinacionais (Elsevier, Springer, Wiley).

Isso beneficia as áreas e as universidades que já têm dinheiro para pagar article processing charges (APCs) de até R$ 60 mil por artigo e para mandar professores para congressos nos EUA e na Europa.

Programas de excelência em regiões periféricas ou em áreas críticas (como estudos de gênero, raça ou decoloniais) são punidos por não “performarem” nesses circuitos globais brancos e ricos.

No mercado editorial brasileiro, quem decide quais livros chegam às livrarias das grandes redes e aos clubes de assinatura são quatro ou cinco grandes grupos (Companhia das Letras, Record, Intrínseca, Rocco etc.). Eles investem pesado em marketing para seus autores “comerciais”. Um romance literário de uma autora negra periférica quase nunca recebe o mesmo tratamento.

O ENEM e os vestibulares mais concorridos continuam privilegiando quem pode pagar 10-15 mil reais por ano de cursinho + escola privada de elite. As cotas ajudaram, mas não resolvem o abismo de capital cultural acumulado ao longo de gerações.

A despolitização como arma política

O maior golpe da meritocracia é apresentar-se como técnica, neutra, apolítica. “Aqui só vale o mérito objetivo”, diz o discurso. Mas critérios nunca são neutros: são sempre produzidos por alguém, em algum lugar, com interesses definidos.

Quando o poder se esconde atrás de rankings, notas de corte, métricas bibliométricas e “dados objetivos”, torna-se quase impossível combatê-lo. É a forma mais sofisticada que a dominação encontrou no século XXI para se legitimar: não mais pela força ou pela tradição, mas pela suposta racionalidade científica.

Como disse o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a meritocracia é a forma pela qual a classe dominante consegue fazer com que os dominados aceitem a dominação como justa: “Você não chegou lá porque não se esforçou o suficiente, não porque o jogo estava viciado desde o início”.

A racionalidade instrumental contra a racionalidade de valores. A meritocracia substitui a pergunta “Isto tem valor em si?” pela pergunta “Isto performa bem nas métricas vigentes?”. Assim: Estudantes não estudam para se tornar cidadãos cultos, mas para passar no vestibular.

Professores universitários não pesquisam para transformar a realidade brasileira, mas para publicar em revistas Qualis A1 e subir no Lattes.

Escritores não escrevem para expressar uma visão de mundo profunda, mas para vender 100 mil exemplares no primeiro mês.

Pais escolhem escola pelo ranking do ENEM, não pelo projeto pedagógico.

O resultado é uma sociedade que premia a adaptação cínica ao sistema em vez da excelência humana genuína. Exemplos recentes que escancaram o mecanismo (2020-2025)

Durante a pandemia, o Brasil viu médicos cubanos do Mais Médicos serem expulsos por “falta de revalidação performática” do diploma, enquanto filhos de deputados entravam em medicina por cotas de escola privada ou por decisões judiciais.

O caso da influenciadora Virginia Fonseca, que em 2024 lançou um livro infantil que vendeu 300 mil exemplares em pré-venda só com divulgação no Instagram, enquanto Conceição Evaristo, uma das maiores escritoras vivas do Brasil, luta para ter seus livros adotados em escolas.

A ascensão meteórica de cantores de “piseiro” e “agronejo” que pagam milhões para entrar nas playlists do Spotify, enquanto artistas como Baco Exu do Blues ou Rico Dalasam precisam se matar de trabalhar para conseguir 1% dessa visibilidade.

Conclusão

A meritocracia não é apenas uma forma de organizar a sociedade. É a ideologia mais bem-sucedida do capitalismo tardio porque transforma desigualdade estrutural em fracasso individual e dá à dominação uma aparência racional, científica e, portanto, inquestionável.

Enquanto acreditarmos que quem está por cima chegou lá “porque mereceu” e quem está por baixo ficou lá “porque não se esforçou”, o sistema seguirá reproduzindo-se sozinho - sem precisar de tanques na rua, apenas de rankings, notas de corte e currículos Lattes.

O maior ato revolucionário hoje talvez seja lembrar que nem tudo que performa, mas nem tudo que tem valor precisa performar. Se quiser, posso aprofundar algum ponto específico (a crítica de Bourdieu e Passeron, o caso da pós-graduação brasileira, o mercado editorial etc.).

domingo, dezembro 07, 2025

Latif Yahia Sósia de Uday Hussein


 

Latif Yahia: o homem que foi obrigado a ser Uday Hussein

Latif Yahia nasceu em 14 de junho de 1964, em uma família curda de classe média em Bagdá. Oficial do Exército iraquiano, lutou na frente de batalha durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988). Era tenente, culto, falava inglês fluente e tinha um rosto que, para seu azar, era quase idêntico ao do filho mais velho de Saddam Hussein: Uday.

Os dois tinham sido colegas na mesma escola de elite em Bagdá nos anos 1970. Já naquela época os outros alunos brincavam: “Latif, você é o Uday sem dinheiro e sem loucura.” Ninguém imaginava que a piada um dia se tornaria sentença de morte.

O dia em que o chamaram ao palácio

Em 1987, no auge da guerra, Latif recebeu uma ordem direta do comando militar: apresentar-se imediatamente no Palácio Republicano. Achou que seria convocado para uma missão especial na frente de batalha. Chegou de uniforme, orgulhoso, barba bem feita.

Foi levado a uma sala sem janelas. Lá estava Uday em pessoa, sorrindo como quem escolhe um terno novo. “Salam aleikum, Latif”, disse Uday, dando um tapa amigável no ombro do tenente. “A partir de hoje você vai ser eu quando eu não quiser morrer.” Latif riu, achando que era brincadeira. Uday não riu. Recusou na hora.

“Eu sou oficial do Exército, não ator de teatro.” Resposta errada. Foi jogado em uma cela de 2 × 2 metros embaixo do palácio. Sem luz, sem visitas, comida podre jogada uma vez por dia. Oito meses depois, quando já não conseguia mais ficar de pé, assinaram o contrato com o próprio sangue: Latif aceitou.

Seis meses virando monstro

Submeteram-no a um treinamento brutal: Fonoaudiólogos para copiar exatamente o jeito de Uday falar (rápido, sibilante, com aquele sotaque arrogante de Bagdá rico). Cirurgias plásticas no nariz e no queixo.

Implantes dentários para reproduzir o sorriso torto e os dentes de ouro de Uday. Aulas de postura, de como acender o charuto cubano, de como bater em empregados sem deixar marcas visíveis.

Ao fim, quando colocaram os dois lado a lado diante do espelho, até Saddam confundiu os dois por alguns segundos. “Perfeito”, disse o ditador. “Agora meu filho tem sete vidas.”

Basra, 1990: o primeiro teste de fogo

Durante a invasão do Kuwait, Uday tinha pavor de ir à linha de frente. Mandaram Latif. Em Basra, sob fogo cerrado iraniano, o “Uday” apareceu de Lamborghini branco, óculos Ray-Ban, keffiyeh vermelha, distribuindo maços de dólares e uísque escocês às tropas. Os soldados enlouqueceram de alegria. Naquela noite, Latif tomou tantos tiros de festim e gritos de “Ya Uday! Ya lion!” que quase acreditou ser ele mesmo o filho do presidente.

Quando voltou a Bagdá, Uday deu um tapa nas costas dele: “Você é melhor do que eu, seu filho da puta. Quase me matou de inveja.”

O monstro por dentro

Latif viu coisas que nenhum ser humano deveria ver. Em uma festa no palácio, Uday apontou para uma adolescente de 14 anos que dançava: “Quero aquela.”

Na manhã seguinte, a menina foi devolvida à família em pedaços dentro de um saco de lixo. Uday ria enquanto contava os detalhes. Em 1996, já exilado na Europa, Latif deu uma entrevista histórica ao programa HARDtalk da BBC.

Olhos fundos, voz tremendo de ódio, ele disse: “Uday não era um psicopata. Psicopata tem método. Uday era pior: era o mal puro. Uma vez pegou uma das mulheres mais bonitas do Iraque, violentou-a durante dias, mandou arrancar os dentes dela com alicate e, quando se cansou, jogou o corpo para os cães na rua. Eu vi. Eu estava lá, fingindo ser ele.”

Fuga e o filme

Latif desertou em 1991, durante a revolta xiita após a Guerra do Golfo. Cruzou a fronteira para a Turquia com ajuda de curdos, levou quatro balas no corpo e sobreviveu. Em 2011, sua história virou o filme O Duplo do Diabo (título original: The Devil’s Double), dirigido por Lee Tamahori e com Dominic Cooper no papel duplo de Uday/Latif.

O próprio Latif disse, ao ver o filme: “Eles suavizaram. A realidade foi mil vezes pior.” Hoje, com mais de 60 anos, Latif Yahia vive na Europa, casado, com filhos que nunca conheceram o avô Saddam.

Ainda recebe ameaças. Ainda acorda gritando à noite. Porque há coisas que nem mil cirurgias plásticas conseguem apagar: o rosto que ele foi obrigado a usar não era só o de Uday. Era o do diabo em pessoa.

Teístas e Ateus Quem Tem Mais Sangue nas Mãos


Ao contrário do que muitos teístas afirmam - que a religião seria a principal fonte de moralidade e paz -, a história registra tanto ateus notavelmente pacíficos e humanistas quanto líderes religiosos responsáveis por perseguições em larga escala. Entre os ateus (ou não teístas) que marcaram positivamente a humanidade podemos citar:

Confúcio (551-479 a.C.), cuja filosofia ética influenciou bilhões de pessoas sem recorrer a qualquer deus pessoal.

Epicuro (341-270 a.C.), que pregava a busca da felicidade serena e a compaixão.

Baruch Spinoza (1632-1677), panteísta expulso da comunidade judaica, mas que defendeu a tolerância religiosa e a democracia.

David Hume (1711-1776), Bertrand Russell (1872-1970), Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Carl Sagan (1934-1996), todos críticos da religião organizada e, ao mesmo tempo, defensores ardentes da razão, da liberdade e dos direitos humanos.

Por outro lado, a história também registra episódios trágicos em que a fé religiosa foi usada para justificar violência em nome de Deus ou dos deuses:

As Cruzadas (séculos XI-XIII): centenas de milhares de mortos (cristãos, muçulmanos e judeus) em guerras santas convocadas por papas.

A Inquisição (século XII até o XIX): torturas, autos-de-fé e execuções em nome da pureza doutrinária católica (e também protestante em menor escala).

As guerras religiosas europeias (século XVI-XVII): a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) matou cerca de 8 milhões de pessoas, em grande parte por disputas entre católicos e protestantes.

A caça às bruxas (séculos XV-XVIII): entre 40 e 60 mil executadas, quase todas por tribunais cristãos. O genocídio dos povos indígenas nas Américas e na Oceania, muitas vezes justificado por missionários e autoridades coloniais como “obra de evangelização”.

No mundo islâmico: conquistas iniciais, guerras entre xiitas e sunitas, lapidações e execuções por apostasia até os dias atuais em alguns países.

No século XX: o regime ateu de Stalin e Mao cometeu atrocidades monstruosas, mas regimes teocráticos ou fortemente religiosos (como o Talebã, o Estado Islâmico ou certas ditaduras cristãs na América Latina) também deixaram rastros de sangue.

Portanto, a questão central permanece aberta e incômoda: A crença em Deus (ou a ausência dela) torna, por si só, as pessoas mais pacíficas, justas e tolerantes? A resposta mais honesta que a história nos dá é: não necessariamente.
Tanto ateus quanto crentes cometeram horrores quando possuíram poder absoluto e se convenceram-se de estar do lado da “verdade única”. Por outro lado, tanto ateus quanto crentes produziram alguns dos maiores exemplos de compaixão, coragem ética e defesa da dignidade humana.

O que parece determinar o comportamento não é a presença ou ausência de crença em Deus, mas sim o grau de dogmatismo, o apego ao poder e a recusa do pluralismo. A tolerância e a violência não são monopólio de nenhum grupo: elas nascem da forma como cada pessoa ou sociedade lida com a certeza de estar certa e com o medo do diferente.

Em resumo: a religião pode ser uma poderosa força de consolação e ética, mas também pode ser (e foi) usada como arma. O ateísmo pode ser um caminho de liberdade intelectual, mas também pode cair no mesmo fanatismo secular.

O desafio humano não é escolher entre teísmo e ateísmo, mas entre abertura e intolerância - qualquer que seja a bandeira. 

sábado, dezembro 06, 2025

Deixe de ser um copo. Torne-se um lago.


Um velho Mestre, percebendo a profunda tristeza que carregava o coração de seu jovem aprendiz, pediu-lhe que pegasse uma mão cheia de sal e a dissolvesse num copo d’água. Em seguida, ordenou que bebesse. - Qual é o gosto? - perguntou o Mestre, com voz calma. - Salgado, horrível - respondeu o rapaz, franzindo o rosto.

O Mestre apenas sorriu, sem dizer palavra. Levantou-se e fez sinal para que o jovem o seguisse. Caminharam em silêncio até um lago tranquilo, cercado por árvores antigas, cujas águas refletiam o céu da tarde. Ali, o velho pediu que o aprendiz tomasse outra mão cheia de sal - exatamente a mesma quantidade - e a jogasse no lago.

O jovem obedeceu. O sal desapareceu instantaneamente na imensidão daquele corpo d’água. - Agora beba - disse o Mestre. O rapaz se abaixou, colheu água com as mãos em concha e bebeu. A água era fresca, limpa, ligeiramente doce pela brisa que vinha das montanhas. - E então? Qual é o gosto agora? - perguntou o velho.

- Bom, refrescante - respondeu o jovem, surpreso.

- Você sente o sal?

- Nem um pouco.

O Mestre sentou-se na margem, ao lado do aprendiz, e tomou sua mão com carinho. Olhou fundo em seus olhos e falou com voz serena:

- A dor na vida é como esse sal: é real, é inevitável, e todos nós recebemos, mais cedo ou mais tarde, a nossa porção. A quantidade de sofrimento que a vida nos dá não muda tanto de pessoa para pessoa, o que muda é o recipiente que escolhemos para carregá-la.

Quando você coloca toda a sua dor dentro de um copo pequeno - seus pensamentos, seu coração fechado, sua visão estreita do mundo -, ela se torna insuportável, amarga, sufocante.

Mas quando você enlarguece o recipiente - quando abre o coração para a imensidão das coisas boas que ainda existem, para as pessoas que te amam, para as pequenas graças do dia, para a beleza que não morreu -, a mesma dor se dilui. Ela ainda está lá, mas já não tem força para envenenar tudo. Pare de ser um copo, meu jovem. Torne-se um lago.

E, depois de um longo silêncio, o Mestre acrescentou, quase num sussurro:

- Os grandes lagos não negam as tempestades que recebem. Eles apenas têm espaço suficiente para que nenhuma tempestade os transforme inteiramente em lama.

O jovem olhou para as águas tranquilas à sua frente, sentiu o vento tocar seu rosto e, pela primeira vez em muitos meses, respirou fundo e sorriu.

É difícil



É tão difícil fazer alguém feliz e tão fácil fazer alguém triste. É difícil dizer “eu te amo” com o coração na boca, e tão fácil calar para sempre. É difícil ser fiel quando a tentação sussurra, e tão fácil se aventurar por caminhos que não levam a lugar nenhum.

É difícil valorizar um amor enquanto ele está aqui, e tão fácil perdê-lo para sempre por um orgulho bobo ou um descuido. É difícil agradecer pelo dia de hoje, e tão fácil deixar mais um dia passar como se fosse eterno.

É difícil abrir os olhos e enxergar as bênçãos que a vida te deu, e tão fácil fechá-los e atravessar a rua sem olhar para os lados. É difícil convencer a si mesmo de que já é feliz, e tão fácil viver acreditando que sempre falta algo.

É difícil fazer alguém sorrir de verdade, e tão fácil arrancar lágrimas com uma palavra mal colocada. É difícil se colocar no lugar do outro, e tão fácil ficar preso dentro do próprio umbigo.

É difícil ver o trem partir com quem você ama dentro dele, e tão fácil pedir que fique quem, no fundo, já quer te levar junto. Se você errou, peça desculpas.
Sim, é difícil pedir perdão, mas quem disse que é fácil ser perdoado?

Se alguém errou com você, perdoe. Sim, é difícil perdoar, mas quem disse que é fácil carregar o peso do rancor para sempre? Se você sente algo por alguém, diga. Sim, é difícil se abrir e se expor, mas quem disse que é fácil encontrar outra pessoa que realmente queira te ouvir?

Se alguém reclama de você, escute com o coração aberto. Sim, é difícil ouvir verdades que doem, mas quem disse que é fácil ouvir você quando você também machuca? Se alguém te ama, ame de volta.

Sim, é difícil se entregar sem medo, mas quem disse que é fácil ser feliz sozinho? Nem tudo na vida é fácil. Aliás, quase nada do que realmente vale a pena é fácil. Mas nada - absolutamente nada - é impossível quando a gente decide acreditar, lutar e transformar sonhos em atitude.

A vida não pede que sejamos perfeitos. Ela só pede que a gente tente. Que a gente escolha o caminho mais difícil quando ele for o certo. Porque é exatamente aí, no meio do que é difícil, que a gente cresce, que a gente ama de verdade, e que a gente, finalmente, se torna humano.

Então não espere que seja fácil. Apenas comece. Um gesto, uma palavra, um perdão, um “eu te amo” dito hoje. Porque o amanhã não está prometido a ninguém, mas o agora, esse sim, está nas suas mãos.