Lá estava eu em Atlanta, bem pior do que em
Nova York: mais quebrado, mais louco, mais doente, mais magro; com chances
iguais às de uma puta de 53 anos ou de uma aranha numa floresta em chamas. De
qualquer forma, saí caminhando rua abaixo. Era noite e fazia frio.
Deus não se importava, as mulheres não se
importavam, o imbecil do editor não se importava, as aranhas não se importavam.
Elas não podiam cantar, não sabiam o meu nome, mas o frio sabia, sim, e as ruas
lambiam a minha barriga fria e vazia. As ruas sabiam muito, e eu seguia
perambulando numa camisa branca californiana velha, e fazia um frio do caralho.
Atlanta não era Los Angeles, com seu sol
falso e suas promessas de Hollywood; aqui era o Sul úmido e indiferente, onde
os empregos sumiam mais rápido que uma garrafa de uísque barato, e os quartos
alugados fediam a mofo e a derrota alheia.
Naqueles anos, depois de vagar por Nova York,
Filadélfia e outras cidades que me cuspiam de volta, eu tinha chegado a Atlanta
procurando algo - talvez um trabalho temporário, talvez só um lugar para beber
até esquecer.
Morei num barraco de papel alcatroado nos
arredores, sem luz, sem aquecimento, escrevendo poemas nas margens de jornais
velhos com um toco de lápis, enquanto o inverno sulista me gelava os ossos.
Passava fome por dias, vivendo de barras de
doce baratas, só para ter tempo de rabiscar palavras que ninguém queria ler.
Era o fundo do poço, pior que as ruas de Nova Orleans ou os bares de São
Francisco.
A rejeição das revistas literárias me mandava
de volta à estrada, bebendo mais, lutando em bares por nada, acordando em celas
de prisão por vadiagem. Eu bati numa porta. Era umas nove da noite, quase dois
mil anos desde que Cristo desistira, e a porta abriu.
Um homem sem rosto se postou na soleira,
olhando para mim como se eu fosse um inseto que ele poderia esmagar com o pé. Eu
disse: "Preciso de um quarto. Vi que você tem um aviso de 'Quarto Para
Alugar'." E ele disse: "Você não me saca, portanto eu não quero ser
incomodado."
"Tudo que quero é um quarto", eu
disse. "Está muito frio. Vou lhe pagar. Pode ser que eu não tenha o
suficiente para uma semana, mas só quero sair do frio. Não é morrer que é ruim,
é estar perdido que é ruim.
"Ele me olhou por um momento, talvez
vendo o fantasma de si mesmo naquele vagabundo magro e sujo, e acabou cedendo.
Entrei, joguei minha mala velha no chão e me deitei na cama dura.
O quarto cheirava a cigarro velho e solidão,
mas pelo menos não era a rua. Naquela noite, pensei em todas as cidades que me
rejeitaram, em todas as mulheres que riram da minha cara, nos editores que
jogavam meus originais no lixo.
Mas eu ainda estava vivo, ainda escrevendo
nas sombras. Atlanta era só mais uma parada no inferno particular que eu
chamava de vida - e, de alguma forma, isso bastava para continuar.
Notas de um Velho Safado de Charles Bukowski.
Esse trecho reflete o período
"perdido" de Bukowski nos anos 1940-1950, quando ele abandonou a
escrita por quase uma década após rejeições constantes, virou um alcoólatra
nômade e viajou pelos EUA, incluindo Atlanta, onde viveu em extrema pobreza.
Ele mencionava frequentemente o "barraco
em Atlanta" como o ponto mais baixo de sua vida.
Notas de um Velho Safado é uma
coletânea de colunas cruas e autobiográficas publicadas em jornais insignificantes,
cheias de desespero, humor negro e observações sobre a marginalidade.
Bukowski transformava suas experiências reais em literatura sem filtros, capturando a essência do "laureado da baixa vida americana".









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