“Contei meus anos e
descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até
agora.
Sinto-me como aquele menino
que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas
percebendo que faltavam poucas, rói o caroço. Já não tenho tempo para
lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões
onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho
tempo para projetos megalomaníacos.
Já não tenho tempo para
conversas intermináveis para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que
nem fazem parte da minha. Já não tenho tempo para administrar melindres de
pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas.
Detesto fazer acareação de
desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral ou
semelhante bobagem, seja ela qual for. Meu tempo tornou-se escasso para
debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na
bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus
tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja
tão somente andar ao lado de deus.
Caminhar perto de coisas e
pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será
perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena. Basta o essencial!"
Rubem Alves, 1933-2014: a
arte continuará.
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