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sábado, dezembro 13, 2025

Sinéad O'Connor - Cantora


 

Sinéad O'Connor: Uma Vida de Talento, Controvérsia e Resiliência

Sinéad O'Connor (nascida Sinéad Marie Bernadette O'Connor, em 8 de dezembro de 1966 - falecida em 26 de julho de 2023) foi uma cantora, compositora e ativista irlandesa, conhecida pela voz poderosa, emotiva e pela postura rebelde contra injustiças sociais, especialmente abusos na Igreja Católica, direitos das mulheres e questões de saúde mental.

Ao longo da carreira, mudou de nome várias vezes refletindo buscas espirituais: em 2017, adotou Magda Davitt; em 2018, converteu-se ao Islã e passou a se chamar Shuhada' Sadaqat (ou Shuhada' Davitt inicialmente), embora continuasse a usar Sinéad O'Connor profissionalmente.

Início da Vida e Traumas

Sinéad nasceu em Dublin, filha de Sean O'Connor (engenheiro que virou advogado) e Marie O'Connor. Era a terceira de cinco filhos, incluindo o escritor Joseph O'Connor. Sua infância foi marcada por abusos físicos e emocionais graves por parte da mãe, o que ela revelou publicamente anos depois.

Esses traumas moldaram sua personalidade rebelde e contribuíram para lutas com saúde mental, incluindo tentativas de suicídio na adolescência, diagnóstico de transtorno bipolar (posteriormente revisado para PTSD e transtorno de personalidade borderline) e internações. Ela também se identificou como lésbica em certos períodos, mas mais tarde descreveu sua sexualidade como fluida.

Carreira Musical

Destacou-se pela voz doce e intensa, e pela cabeça raspada, sua marca registrada por décadas. Estreou em 1987 com The Lion and the Cobra, dedicado à mãe recém-falecida. O álbum trouxe visibilidade internacional, com turnês pela Europa e EUA.

O sucesso global veio em 1990 com I Do Not Want What I Haven't Got e a cover de "Nothing Compares 2 U" (original de Prince), que alcançou o topo das paradas em vários países e rendeu prêmios, incluindo indicações ao Grammy.

Em 1990, participou de The Wall - Live in Berlin, de Roger Waters, cantando "Mother". Em 1992, lançou Am I Not Your Girl?, com covers como "Don't Cry for Me Argentina”.

Lançou álbuns como Universal Mother (1994, com "Fire on Babylon" sobre abuso infantil), o EP Gospel Oak (1997, dedicado a causas humanitárias como Ruanda e Palestina), Faith and Courage (2000), Sean-Nós Nua (2002, folk irlandês), Throw Down Your Arms (2005, reggae), Theology (2007), How About I Be Me (and You Be You)? (2012) e I'm Not Bossy, I'm the Boss (2014).

Publicou memórias em Rememberings (2021). Controvérsias e Ativismo Em 1992, no Saturday Night Live, rasgou uma foto do Papa João Paulo II em protesto contra abusos sexuais na Igreja Católica, dizendo "Fight the real enemy".

A ação gerou boicotes, vaias (como em tributo a Bob Dylan) e impacto negativo na carreira nos EUA, mas anos depois foi reconhecida como profética, com escândalos confirmados.

Em 1999, foi ordenada sacerdotisa por um grupo católico independente, desejando ser chamada "Mother Bernadette Mary" - controverso, pois a Igreja Católica não reconhece ordenação feminina.

Após conversão ao Islã em 2018, postou declaração polêmica sobre não querer tempo com "pessoas brancas não muçulmanas", chamando-as de "nojentas"; depois explicou como reação a islamofobia e pediu desculpas.

Acusou Prince de comportamento violento em encontro (detalhado em memórias). Anunciou aposentadorias várias vezes, mas continuou. Era ativista por Irlanda unida, direitos humanos e contra abusos.

Vida Privada e Falecimento

Casou-se quatro vezes: primeiro com o produtor John Reynolds (pai de Jake Reynolds), depois com jornalistas e outros; teve quatro filhos de pais diferentes: Jake (1987), Roisin (1996), Shane (2004, com Donal Lunny) e Yeshua (2006).

Apenas um nasceu em casamento. Em janeiro de 2022, Shane, de 17 anos, cometeu suicídio após fugir de hospital onde estava em vigilância suicida. Sinéad ficou devastada, cancelou shows e lutou publicamente com luto.

Faleceu em 26 de julho de 2023, aos 56 anos, em Londres. A polícia não tratou como suspeita; em 2024, certidão revelou causas naturais: exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma brônquica e infecção respiratória.

Sinéad deixou legado de coragem, voz única e luta por justiça, inspirando gerações apesar das batalhas pessoais. Seu ativismo contra abusos foi vindicado pelo tempo, e sua música continua emocionando milhões.


Zenão de Cítio




Zenão de Cítio: O Naufrágio que Deu Origem ao Estoicismo

A história do estoicismo realmente começa de forma dramática, com um naufrágio - um obstáculo inesperado que transformou a vida de um comerciante em uma das filosofias mais influentes da Antiguidade.

Por volta de 334-330 a.C., Zenão de Cítio, nascido na ilha de Chipre, era um próspero mercador. Ele transportava uma carga valiosíssima: o precioso pigmento púrpura tiriano, extraído de milhares de moluscos marinhos, usado para tingir as vestes de reis e nobres.

Durante uma viagem da Fenícia para o Pireu, o porto de Atenas, seu navio foi atingido por uma tempestade e afundou. Zenão sobreviveu, mas perdeu toda a fortuna. Desorientado e arruinado em Atenas, Zenão consultou o Oráculo de Delfos para saber como viver a melhor vida possível.

A resposta enigmática da pitonisa foi: "tomar a cor, ou compleição dos mortos". Inicialmente confuso, Zenão interpretou isso como um conselho para "assimilar a cor dos homens mortos" - ou seja, estudar os antigos sábios através de seus escritos, em vez de se apegar a bens materiais perecíveis como o pigmento dos moluscos mortos.

Essa interpretação é relatada por fontes antigas, como Diógenes Laércio, e ecoada em obras modernas, como o livro de Donald Robertson Pense como um Imperador - sobre Marco Aurélio -, que menciona uma variação análoga.

Em Atenas, enquanto refletia sobre o ocorrido, Zenão entrou em uma livraria e começou a ler os Memoráveis de Xenofonte, que retratam a vida e os ensinamentos de Sócrates. Impressionado com a figura do filósofo sábio e virtuoso, perguntou ao livreiro onde poderia encontrar alguém como Sócrates.

Por uma coincidência notável, Crates de Tebas - o mais famoso filósofo cínico da época, discípulo de Diógenes de Sinope - passava exatamente naquele momento. O livreiro apontou para ele, e Zenão tornou-se seu aluno.

Zenão treinou com Crates e outros mestres - incluindo influências da Academia de Platão e da escola megárica - por cerca de 20 anos. Inicialmente, adotou o ascetismo rigoroso dos cínicos, mas achou-o extremo demais - Crates, por exemplo, o submeteu a testes humilhantes, como carregar uma panela de sopa de lentilhas pela cidade para curá-lo da vergonha social.

Zenão manteve o foco na virtude e na indiferença aos bens externos, mas moderou o estilo de vida, tornando-o mais acessível. Por volta de 300 a.C., aos cerca de 34 anos, Zenão fundou sua própria escola no Stoa Poikile (o "Pórtico Pintado"), um pórtico público no Ágora de Atenas, decorado com afrescos de batalhas.

Ali, ele e seus seguidores discutiam filosofia abertamente com qualquer interessado - mercadores, cidadãos ou estrangeiros. Inicialmente chamados de "zenonianos", os discípulos logo adotaram o nome "estoicos", em referência ao local de ensino.

O estoicismo baseou-se fortemente nas ideias éticas dos cínicos - virtude como o único bem verdadeiro, vida de acordo com a natureza - e em Sócrates - questionamento, autodomínio e foco na excelência moral -, mas incorporou elementos de outras escolas, como a lógica dos megáricos e influências acadêmicas de Platão.

Zenão dividiu a filosofia em três partes: física - o universo como ordenado por um Logos divino. Lógica - o raciocínio como ferramenta para a verdade. Ética - a virtude como suficiência para a felicidade, com paz de espírito - alcançada pela indiferença aos "indiferentes" como riqueza ou dor.

O estoicismo foi extremamente bem-sucedido, tornando-se a filosofia dominante no período helenístico e, especialmente, na era romana. Influenciou figuras como Sêneca, Epicteto e o imperador Marco Aurélio - cujo Meditações ainda inspira milhões hoje.

Seus sucessores, como Cleanto e especialmente Crisipo - considerado o "segundo fundador" -, sistematizaram e expandiram as doutrinas, dividindo a escola em fases antiga, média e tardia.

Zenão viveu até cerca de 262 a.C., morrendo em Atenas - nunca aceitou cidadania ateniense, permanecendo um estrangeiro respeitado. Os atenienses o honraram com uma coroa de ouro, uma estátua de bronze e chaves da cidade por sua integridade.

Ele costumava dizer aos alunos que havia aprendido a valorizar a sabedoria acima da riqueza ou reputação. Uma de suas frases mais famosas resume sua transformação: "Minha jornada mais lucrativa começou no dia em que naufraguei e perdi toda a minha fortuna".

Esse "naufrágio afortunado" ilustra um princípio central do estoicismo: os obstáculos podem ser oportunidades. O que parece uma catástrofe (perda material) levou Zenão a uma vida de virtude e influência eterna.

Hoje, o estoicismo renasce em contextos modernos, ajudando pessoas a lidar com adversidades, focar no controlável e buscar uma vida significativa - prova de que, às vezes, a Fortuna nos guia exatamente para onde precisamos estar.

sexta-feira, dezembro 12, 2025

Fresta de sol


 

Era só uma fresta de sol na janela. Mas era tão intensa, tão viva e tão bonita que parecia impossível vir de um único ponto. Por aquele fio dourado cruzava um mundo inteiro: o canto de um passarinho recém-acordado, o perfume leve das flores do campo, uma brisa fresca que parecia chegar de muito longe.

Por ali passava tudo o que ela precisava para despertar, agradecer, levantar e acreditar. Naquele instante, o quarto escuro se encheu de luz como um coração que volta a bater.

Ela abriu os olhos devagar, sentindo o calor dourado tocar sua pele como um carinho antigo, desses que ficam guardados na memória mesmo depois de desaparecerem da vida.

Lembrou-se dos dias cinzentos que haviam ficado para trás, daquelas manhãs pesadas em que até o ar parecia mais espesso, e das noites longas em que o silêncio pesava mais que as cobertas.

Mas agora, com aquela fresta insistente, o mundo lá fora parecia chamá-la pelo nome. Levantou-se devagar, descalça, e caminhou até a janela. A madeira rangia levemente sob seus passos, como se a casa também estivesse acordando.

Abriu a janela um pouco mais e deixou a brisa entrar sem pedir licença. O passarinho, que até então cantarolava tímido, aumentou o tom, como se comemorasse a vitória da luz sobre a sombra.

Lá embaixo, no jardim vizinho, as flores silvestres balançavam ao vento, espalhando seu perfume doce pelo ar. Ela sorriu. Agradeceu em silêncio por mais um dia - por aquela pequena brecha que, de tão simples, transformava tudo.

Vestiu-se sem pressa e saiu para a rua. O sol agora se espalhava por inteiro no céu, sem disfarces. O ar parecia mais leve, e os passos dela também. Na esquina, encontrou um velho amigo que não via havia anos. Ele a reconheceu de imediato.

- Não é possível, é você? - disse, abrindo um sorriso feito de surpresa e saudade.

- Sou eu - ela respondeu, e por um instante sentiu o passado chegar com o mesmo frescor da manhã.

Conversaram ali mesmo, de pé na calçada, como quem reencontra um pedaço importante de si. Trocaram palavras que curaram feridas antigas, relembraram histórias que tinham se perdido no tempo e prometeram não deixar tantos anos passar outra vez.

Seguindo seu caminho, viu crianças brincando na praça, correndo com uma alegria tão alta que parecia tocar o céu. Riam como se nada no mundo pudesse detê-las. E, ao vê-las, ela percebeu que a vida, apesar de tudo, ainda pulsava forte, teimosa e bonita.

Ao longo do dia, pequenas maravilhas continuaram acontecendo: um café quente servido com gentileza no balcão da padaria; uma conversa inesperada que trouxe novas ideias; um pôr do sol avermelhado que parecia prometer mais frestas amanhã.

E, quando a noite caiu, ela compreendeu com uma certeza tranquila: às vezes, basta uma pequena abertura, quase nada, para que o mundo inteiro entre - e mude tudo.

Tempestades


“Sabe, Sancho, todas essas tempestades que recaem sobre nós são sinais de que, em breve, o tempo há de se acalmar. Coisas boas estão destinadas a acontecer; porque não é possível que o bem e o mal durem para sempre. Assim, se o mal já se alongou por tanto tempo, é certo que o bem não pode estar longe.”

Dom Quixote fitou o horizonte enquanto falava, segurando firme as rédeas de Rocinante. O vento frio da madrugada soprava poeira pelo caminho de terra, mas seus olhos brilhavam como se vissem muito além das colinas sombrias à frente.

Sancho, montado em seu fiel jumento, ajeitou o chapéu e suspirou, meio desconfiado, meio esperançoso.

- Senhor - respondeu ele, com a voz arrastada e prática de sempre -, se esse bem estiver realmente por perto, que ele venha com pão quente e um teto seguro, porque minhas costas já não aguentam mais tanta desgraça seguida.

Quixote sorriu, aquele sorriso que misturava loucura, fé e nobreza.

- Ah, Sancho! - exclamou, erguendo o braço como se discursasse para um reino inteiro. - Não percebes que é justamente nas horas mais sombrias que o destino prepara seus melhores reveses? É preciso coragem para atravessar a noite, pois é ela que anuncia a aurora.

A estrada era longa, e o céu, ainda carregado de nuvens, ameaçava mais chuva. Os dois cavaleiros prosseguiram mesmo assim, lado a lado. O ranger das selas, o farfalhar dos arbustos e o trotar lento dos animais eram os únicos sons que lhes faziam companhia.

Por um momento, Sancho permaneceu em silêncio. Depois, olhando para o amigo, murmurou:

- Pois bem, meu amo, se a aurora está chegando, que ela venha depressa. Estou cansado de tempestades.

Quixote assentiu com gravidade.

- Ela virá, Sancho. A vida nunca permanece para sempre na mesma estação. Se hoje enfrentamos vendavais, amanhã haveremos de encontrar calmarias. Assim é o mundo: uma balança que insiste em se equilibrar, mesmo quando tudo parece perdido.

Seguiram adiante, envoltos pelo vento, pela incerteza e por aquela estranha esperança que apenas os verdadeiros sonhadores carregam.

Miguel de Cervantes em Dom Quixote

quinta-feira, dezembro 11, 2025

Viajante

 

Há quem passe como ventania que arranca telhados, vira tudo de cabeça para baixo e deixa ruídos de espanto por onde passou. E há quem passe como brisa mansa, que acaricia o rosto, desfaz dobras da alma e acalma o que o dia tentou endurecer.

Há quem chegue como a seca que racha a terra, que silencia os pássaros e torna o horizonte um pedido de socorro. E há quem chegue como chuva boa, daquela que não assusta, mas que desce devagar, infiltra-se no chão e faz brotar a esperança esquecida.

Há quem seja espinho que fere ao simples roçar, que exige cuidado até quando se aproxima. E há quem seja flor que perfuma mesmo depois de colhida, deixando lembranças suaves que persistem na ausência.

Há quem passe como inverno que congela rios, paralisa caminhos e faz a vida parecer suspensa num tempo frio. E há quem seja primavera pura, que devolve cor ao mundo, devolve som aos ninhos e renova o que se pensava perdido.

Há quem seja nuvem escura que encobre o sol, trazendo sombra até onde antes havia claridade. E há quem seja raio de luz que atravessa tempestades, rompendo o céu fechado e lembrando que a claridade sempre encontra um modo de voltar.

Há quem seja pedra solta que rola e machuca tudo o que encontra, sem direção, sem raiz. E há quem seja raiz forte, profunda, que sustenta o chão quando tudo ao redor parece desabar, evitando que o mundo ceda ao peso das incertezas.

Há quem passe como folha seca levada pelo vento, sem rumo, sem permanência, desaparecendo no próximo sopro. E há quem fique como carvalho antigo, testemunha de séculos, resistente às tempestades e generoso na sombra que oferece.

Há também aqueles que apenas atravessam a vida como rio que corre sem olhar as margens, apressado, indiferente às paisagens que abandona pelo caminho.

E há, por fim, aqueles que não deixam a vida passar sem tocar o mundo: transformam desertos em jardins, acendem fogueirinhas em noites de frio, oferecem abrigo quando o vento é forte e plantam amor onde antes só havia pedra. São esses que, mesmo após a partida, continuam a nascer dentro de nós.

Aparências




Nunca julgue pelas aparências. Elas quase sempre mentem - e, quando mentem, humilham quem acreditou nelas. Em 1884, um casal desceu do trem na estação de Boston. Ela usava um simples vestido de algodão estampado, ele um terno escuro já gasto nos punhos.

Caminharam tímidos até o prédio administrativo de Harvard e pediram para falar com o reitor. Não tinham hora marcada. A secretária os mediu de cima a baixo. Para ela, eram apenas “caipiras” perdidos na cidade grande.

- O reitor está ocupado o dia inteiro - respondeu, seca.

- Nós esperamos - disse a mulher, com voz calma.

Passaram-se horas. A secretária os ignorava, torcendo para que desistissem. Não desistiram. Irritada, foi até o reitor:

- São só uns minutos, senhor. Depois eles vão embora.

O reitor, homem vaidoso e apressado, apareceu com o rosto fechado. Nem se deu ao trabalho de cumprimentá-los direito. A mulher falou:

- Nosso filho estudou aqui apenas um ano. Ele amava Harvard. Era feliz. Mas morreu num acidente. Gostaríamos de deixar algo no campus em memória dele.

O reitor cortou, impaciente:

- Senhora, não podemos erguer uma estátua para cada aluno que morre. Isso aqui viraria cemitério.

- Oh, não é estátua - interrompeu ela, serena. - Pensamos em doar um prédio à universidade.

O reitor deu uma risadinha de deboche. Olhou o vestido barato dela, o terno puído dele, e disse:

- Um prédio? Vocês fazem ideia de quanto custa um prédio? Só os edifícios daqui já passaram de sete milhões e meio de dólares.

Silêncio. A mulher virou-se para o marido e falou, quase num sussurro:

- É só isso que custa criar uma universidade? Então por que não fazemos a nossa?

O marido assentiu apenas com a cabeça. O reitor ficou pálido. Pela primeira vez percebeu que estava diante de Leland Stanford e Jane Stanford, um dos casais mais ricos da Califórnia, donos de ferrovias, minas e latifúndios imensos.

Os Stanford saíram sem mais uma palavra. Foram para Palo Alto, compraram 8.180 acres de terra e, em 1891, abriram a Leland Stanford Junior University - em memória do filho que Harvard desprezou.

Hoje, a Universidade Stanford é consistentemente uma das três melhores do mundo (em muitos anos a número 1 ou 2 ou 3), superando Harvard em diversos rankings globais.

Seu patrimônio ultrapassa 42 bilhões de dólares, o quarto maior entre universidades. Moral da história (curta e forte):Roupas velhas não dizem quem a pessoa é.

Arrogância, sim, revela tudo. Quem julga pela casca pode perder a árvore inteira - e, às vezes, ajudar a plantar a floresta do concorrente.

quarta-feira, dezembro 10, 2025

O Especialista



Para você que chegou agora - justamente agora - apenas para criticar o que já está feito: onde estava quando tudo era poeira no chão e esboço no papel? Onde estava quando a gente segurava prego com a mão e esperança com a outra? Onde estava quando precisávamos de ideias - não prontas, não copiadas - mas inventadas ali, no improviso, quando ainda não existia modelo nenhum?

É muito confortável aparecer depois que o prédio está de pé para dizer que a cor da parede poderia ser outra, que a porta não está perfeitamente alinhada ou que o evento teria ficado melhor com música ao vivo.

Conveniente ser especialista quando o risco já passou, o esforço já foi gasto e o tempo já foi consumido. Difícil mesmo é estar lá no dia em que faltou energia no meio do processo, no dia em que um fornecedor cancelou de última hora, no dia em que a equipe era meia dúzia, mas o problema era do tamanho de cem.

Criticar sem jamais ter sujado as mãos é o refúgio preferido de quem não quer assumir responsabilidade. E responsabilidade não é sobre discurso, é sobre presença: é estar no sábado à noite quando ninguém quer estar, é abrir mão de descanso quando o prazo encurta, é reconhecer que talvez fique imperfeito - e fazer mesmo assim.

Quem fez, fez com as ferramentas que tinha, não com as que gostaria de ter. Fez com orçamento contado, com dúvidas penduradas nos ombros e com a coragem mínima necessária para não desistir. Fez sem manual, sem mapa e sem plateia.

Às vezes fez no escuro - literalmente - com lanterna emprestada e café frio. Fez porque alguém precisava tomar a decisão, assinar o documento, puxar o primeiro tijolo, sacrificar o último minuto de energia.

E ainda assim, sabia que você viria depois - você e o seu olhar técnico, retroativo, cirúrgico - e apontaria falhas. Porque crítico nunca falta. É como sombra: aparece quando o sol já brilhou e a obra já está construída.

Antes de abrir a boca para julgar, pergunte-se: Eu teria feito melhor com o que havia disponível naquele momento?

Eu teria feito alguma coisa, ao menos uma, se estivesse no lugar de quem fez?
Ou teria feito aquilo que sempre faço - observar, comentar, esperar o esforço alheio e opinar depois?

Quem critica sem nunca ter construído nada não está colaborando: está apenas anestesiando a própria ausência, justificando sua distância, consolando-se por não ter participado. É a tentativa de transformar falta de ação em superioridade intelectual.

O mundo já tem críticos suficientes. Especialistas em defeitos, consultores da obviedade, guardiões do “se fosse comigo”. O que falta - e falta muito - é gente que faça apesar das incertezas, que construa com o que existe, que assuma riscos e aceite a possibilidade de não ser aplaudida.

Assina com carinho, com algumas cicatrizes e com um pouco de orgulho ferido,
aquele que fez - quando ninguém sabia como fazer, quando ninguém queria fazer, quando todos esperavam que alguém começasse. E alguém começou.

Não Digas Nada!



"Não digas nada. Nem mesmo a verdade. Porque há uma suavidade quase sagrada em nada se dizer e, ainda assim, tudo se compreender - um entendimento suspenso entre o que se vê e o que apenas se pressente; metade de gesto, metade de arrepio.

Não digas nada agora. Deixa que o tempo dissolva, que a memória reencontre o seu lugar. Talvez amanhã - noutra paisagem, noutra claridade, quando o corpo já estiver longe da ferida e da saudade - digas que foi vã toda essa viagem.

Talvez então percebas que o caminho foi feito com passos cansados, mas também com passos de luz. Até onde pude ser quem te agradava; e mesmo assim, mesmo ali, mesmo imperfeita, fui feliz. Por isso, não digas nada."

Este poema, frequentemente lembrado apenas pelo primeiro verso - “Não digas nada” - é um dos segredos mais delicados da obra de Florbela Espanca. Escrito entre 1922 e 1923, pertence ao período em que a autora, já ferida por perdas consecutivas, tentava reinventar-se na escrita porque na vida já não encontrava abrigo.

Florbela vivia um tempo em que quase tudo lhe fugia das mãos: o corpo instável, a saúde mental frágil, os amores breves que nunca bastavam, os sucessivos casamentos que se esvaziavam antes mesmo de amadurecer. As crises nervosas, tratadas com Veronal - medicamento que mais tarde selaria a tragédia final - intensificavam as sensações de inadequação e exílio emocional.

Enquanto escrevia esses versos, ela ainda tentava acreditar na promessa do terceiro casamento com o médico Antônio Guimarães, mas a sombra do fracasso rondava tudo.

As perdas anteriores não haviam cicatrizado: a morte da mãe quando ainda era criança; o divórcio traumático de Alberto Moutinho; as tentativas frustradas de ser mulher e artista em um país que recusava a sua flamboyância emocional.

Quando Florbela diz “talvez amanhã, noutra paisagem”, não fala apenas de um amanhã real, mas de um amanhã impossível - um amanhã onde tudo se explicaria, onde não haveria mais dever, nem dívida emocional, nem inquietação. Na sua escrita, esse amanhã era o lugar da absolvição.

O verso “até onde quis ser quem me agrada” revela uma confissão silenciosa: Florbela sempre se moldou à expectativa do outro. Tentou ser a esposa ideal, a musa ideal, a mulher controlada, pura, discreta - mas nenhuma dessas versões lhe servia. E essa inadequação era, para ela, a ferida que mais doía.

Quando o irmão Apeles morre em 1927 - já depois da composição do poema - a ferida transforma-se em abismo. Ela chamava o irmão de “meu filho, meu pai, meu tudo”. Sua morte trágica num acidente de aviação desfaz o pouco de chão que restava.

A viagem, então, torna-se definitivamente “vã”.

Em dezembro de 1930, no dia em que completava 36 anos, Florbela decide partir. Não há grito, não há escândalo. Apenas silêncio. O mesmo silêncio que o poema suplica. Toma Veronal - o mesmo remédio que a mantinha adormecida - e deixa cartas que nunca foram plenamente reveladas. O livro que seria publicado naquele mesmo dia - Dominó Preto - sairia sem sua presença.

Não apenas se despede. Silencia. Desaparece como quem fecha uma porta por dentro. Esse poema é, portanto, uma espécie de bilhete antecipado - um pedido final que atravessa o tempo: não digam nada.

Nem os jornais, nem os críticos, nem os amantes anteriores, nem os curiosos, nem os que a julgavam exagerada, nem os que confundiam intensidade com escândalo. Não digam nada.

E, ao mesmo tempo, digam tudo através do silêncio. Por isso estes versos, tão breves e tão límpidos, funcionam como epitáfio emocional: Florbela pede que ninguém a explique, ninguém lhe devolva interpretação, ninguém prolongue a dor com justificativas. Nem mesmo a verdade importa.

O que importa é que, por um instante fugaz - nesse poema, nesse fragmento - ela confessa: fui feliz. E essa felicidade, desmontada, insuficiente, tardia, foi suficiente para que pedisse apenas quietude.

Assim termina uma das despedidas mais sublimes da literatura portuguesa: não com ruído, mas com um convite ao silêncio que ainda hoje ecoa.

terça-feira, dezembro 09, 2025

A Paixão de Cristo


 

O famoso filme "A Paixão de Cristo", dirigido por Mel Gibson e lançado em 2004, reconta os eventos das últimas horas da vida de Jesus Cristo, com base nos relatos bíblicos dos Evangelhos.

Uma das cenas mais impactantes e controversas ocorre durante a flagelação de Jesus, quando ele é brutalmente espancado enquanto amarrado a um tronco pelos soldados romanos.

Nesse momento, um personagem misterioso surge na multidão, carregando um bebê nos braços. Essa figura, interpretada pela atriz italiana Rosalinda Celentano, é o próprio Satanás, retratado com uma aparência andrógina para enfatizar a natureza espiritual e sem gênero dos anjos caídos, conforme tradições teológicas.

A cena é extremamente estranha e sombria: Satanás não profere uma única palavra, mas seu aspecto sinistro - com pele pálida, olhos penetrantes e uma expressão de malícia sutil - combinado à aparência grotesca do bebê, que parece um homem adulto envelhecido e deformado, com cabelos nas costas, desperta questionamentos profundos.

Filmada em câmera lenta, ela intensifica o horror, contrastando com a violência gráfica sofrida por Jesus, interpretado por Jim Caviezel. Esse trecho, que dura apenas alguns segundos, tem um significado simbólico que muitos espectadores não captaram imediatamente na época do lançamento, gerando debates e interpretações variadas.

De acordo com o próprio Mel Gibson, o diretor do filme, a intenção era ilustrar como o mal distorce o que é bom e puro. Em entrevistas, Gibson explicou que a imagem representa uma paródia invertida da Virgem Maria carregando o Menino Jesus - um "anti-Madona e Criança".

Satanás, ao segurar um bebê feio e maduro, zomba da encarnação divina de Cristo, sugerindo uma versão pervertida da maternidade e da inocência. Ele descreveu: "É o mal distorcendo o que é bom. O que há de mais terno e belo do que uma mãe e uma criança?

Então, o Diabo pega isso e distorce um pouco. Em vez de uma mãe normal e uma criança, você tem uma figura andrógina segurando um 'bebê' de 40 anos com cabelos nas costas.

É estranho, chocante, quase demais - assim como virar Jesus para continuar açoitá-lo quando seu corpo já está dilacerado."

Essa simbologia reforça a ideia de que Satanás tenta quebrar a convicção de Jesus em seu sacrifício, insinuando que até o Diabo "cuida" de seu "filho" (possivelmente uma alusão ao Anticristo, conforme interpretações apocalípticas na Bíblia, como no Livro do Apocalipse), enquanto Deus permite que seu Filho único seja humilhado e torturado.

Para contextualizar os acontecimentos, a flagelação de Jesus é descrita nos Evangelhos (como em Mateus 27:26 e João 19:1), onde Pôncio Pilatos ordena que Jesus seja açoitado antes da crucificação, uma punição romana comum que envolvia chicotes com pontas de metal ou ossos para rasgar a carne.

No filme, Gibson amplifica essa violência para enfatizar o sofrimento físico e espiritual de Cristo, o que gerou controvérsias: críticos acusaram o longa de ser excessivamente gráfico e até antissemita, por retratar os líderes judeus como principais instigadores da crucificação.

Apesar disso, "A Paixão de Cristo" foi um sucesso de bilheteria, arrecadando mais de US$ 600 milhões mundialmente, e inspirou reflexões teológicas em audiências religiosas.

Nos bastidores, a produção foi marcada por desafios, incluindo lesões reais no set - Caviezel sofreu hipotermia, deslocamento de ombro e foi atingido por um raio durante as filmagens.

É certamente uma cena com um significado profundo, que muitos não perceberam à primeira vista, destacando temas como a tentação, o mal disfarçado e a redenção através do sofrimento.

O filme como um todo é peculiar e vale a pena ser assistido com atenção aos detalhes, desde as línguas originais (aramaico, latim e hebraico) até os simbolismos visuais, como o corvo bicando o ladrão na cruz ou a lágrima de Deus caindo do céu após a morte de Jesus.

Eu assisti a esse filme apenas uma vez e, apesar de ter a película em meu computador, nunca mais o revi, talvez pelo impacto emocional intenso. Não sei como o homem, criado - segundo a Bíblia - à imagem e semelhança de Deus, pode também manifestar tanta violência prazerosa, como vista na multidão que assiste à tortura.

A imagem de Satanás com o bebê é particularmente apavorante, especialmente em câmera lenta, evocando um terror psicológico que persiste. Na verdade, todos os filmes dirigidos por Mel Gibson, como "Coração Valente" (1995), "Apocalypto" (2006) e "Até o Último Homem" (2016), são marcados por elementos controversos ou simbólicos que convidam a pesquisas mais profundas para entender suas motivações.

Em "A Paixão de Cristo", Gibson, que é católico devoto, incorporou influências de visões místicas, como as de Ana Catarina Emmerich, uma freira do século XIX cujas descrições de visões da Paixão inspiraram partes do roteiro.

Essa abordagem torna o filme não apenas uma narrativa histórica, mas uma meditação visual sobre fé, pecado e salvação, que continua a dividir opiniões duas décadas após seu lançamento.

O Retrato de Dorian Gray




O romance O Retrato de Dorian Gray (1891), única obra de ficção longa de Oscar Wilde, é considerado um dos maiores clássicos da literatura inglesa e uma das críticas mais devastadoras à hipocrisia da sociedade vitoriana, ao culto da beleza e ao hedonismo sem limites.

A história começa num ensolarado dia de verão em Londres, na Era Vitoriana. O pintor Basil Hallward, um artista sensível e idealista, está terminando o retrato de Dorian Gray - um jovem de beleza quase sobrenatural que se tornou sua musa e obsessão artística.

Enquanto pinta, Basil recebe a visita de seu amigo Lord Henry Wotton, um aristocrata cínico, brilhante e extremamente articulado, que defende uma filosofia de vida hedonista: “O único modo de livrar-se de uma tentação é ceder a ela”.

Fascinado e influenciado pelas ideias de Lord Henry, Dorian faz um desejo impulsivo e fatal: que o retrato envelheça e sofra no seu lugar, enquanto ele conservaria para sempre a juventude e a beleza. O desejo é misteriosamente atendido.

A tragédia de Sibyl Vane

Encantado com sua própria beleza e com as ideias de Lord Henry, Dorian começa a explorar plenamente os prazeres da vida. Num teatro pobre do East End, conhece a jovem atriz Sibyl Vane, que representa heroínas de Shakespeare com paixão incandescente.

Dorian apaixona-se perdidamente - ou pelo menos pelo reflexo da arte na moça - e pede-a em casamento. Sibyl, extasiada, chama-o de “Príncipe Encantado” (ou “Príncipe Formoso”, em algumas traduções). Seu irmão mais velho, James Vane, um marinheiro rude e protetor, parte para a Austrália, mas antes jura vingar-se caso Dorian magoe a irmã.

Na noite em que Dorian leva Basil e Lord Henry para ver Sibyl atuar em Romeu e Julieta, tudo desmorona. Apaixonada de verdade, Sibyl decide que o amor real é superior à arte fingida e representa mal de propósito. Furioso por perder a “arte” que amava nela, Dorian rejeita-a cruelmente: “Você matou o meu amor”.

Desesperada, Sibyl suicida-se naquela mesma noite ingerindo ácido prussiano (cianídrico). Ao voltar para casa, Dorian nota a primeira mudança no retrato: um traço sutil de crueldade nos lábios. Em vez de horrorizar-se, ele decide esconder o quadro num quarto trancado da casa e abraçar plenamente a vida de prazeres - agora sabendo que nenhum pecado deixará marcas em seu rosto.

Os dezoito anos de corrupção

Nos dezoito anos seguintes, Dorian mergulha numa existência de excessos que a sociedade londrina sussurra, mas nunca ousa condenar abertamente, graças à sua aparência angelical e à sua fortuna. Drogas, orgias, manipulação emocional, destruição de reputações - tudo fica oculto atrás de sua máscara de juventude eterna.

O grande catalisador intelectual dessa fase é um livro francês que Lord Henry lhe dá (nunca nomeado no romance, mas que Wilde, em seu julgamento de 1895, confirmou ser À rebours - “Contra a Natureza”, 1884 - de Joris-Karl Huysmans), uma bíblia do decadentismo e do esteticismo extremo.

O assassinato de Basil Hallward

Anos depois, na véspera de uma viagem a Paris, Basil visita Dorian para confrontá-lo sobre os boatos escandalosos. Dorian, num acesso de raiva e hipocrisia, leva o pintor ao sótão e revela o retrato - agora uma visão grotesca, putrefata, carregada de todos os seus crimes e vícios.

Enfurecido por ser “culpado” da própria danação, Dorian pega uma faca e assassina Basil com várias facadas. Depois, friamente chantageia um antigo amigo cientista, Alan Campbell, obrigando-o a dissolver o corpo em ácido nítrico.

A perseguição de James Vane

Procurando esquecer o crime, Dorian vai a um antro de ópio. Por coincidência, James Vane - que voltou da Austrália ao saber da morte da irmã - está lá. Ao ouvir alguém chamar Dorian de “Príncipe Encantado”, James tenta matá-lo.

Dorian salva-se mentindo que é jovem demais para ser o homem que conheceu Sibyl dezoito anos antes. Uma prostituta do local, porém, reconhece Dorian e revela a James que ele “vendeu a alma ao diabo” para nunca envelhecer.

James corre atrás dele, mas já é tarde. Dias depois, durante uma caçada na propriedade rural de um duque amigo de Dorian, James, escondido num matagal à espreita, é acidentalmente baleado e morto por um dos caçadores.

O fim: a facada no retrato

Com a última ameaça eliminada, Dorian sente, por um breve instante, o desejo de regeneração. Conhece uma jovem pura chamada Hetty Merton e, pela primeira vez, decide não a corromper. Corre ao sótão para ver se o retrato mostra sinais de melhora.

Encontra-o ainda mais horrendo e percebe que até seu “arrependimento” foi motivado apenas por vaidade e curiosidade estética - mais uma sensação nova a experimentar.

Compreendendo que nunca poderá escapar da própria consciência enquanto o retrato existir, Dorian decide destruí-lo. Pega a mesma faca que matou Basil e apunhala o quadro no coração.

Os criados ouvem um grito terrível. Quando arrombam a porta do sótão, encontram um velho cadavérico, enrugado e irreconhecível, esfaqueado no peito - é Dorian Gray, finalmente carregando no corpo toda a podridão de sua alma. Ao lado do corpo, o retrato voltou à sua beleza original, intocado e radiante.

Curiosidades e contexto histórico

Publicado inicialmente em 1890 na revista Lippincott’s Monthly Magazine, o romance causou escândalo imediato. Críticos acusaram-no de imoralidade, e a versão revista de 1891 (com seis capítulos novos e um prefácio famoso defendendo a arte pela arte) foi usada como prova no julgamento de Wilde por “indecência grave” em 1895 - o que acabou levando-o a dois anos de trabalhos forçados e à sua ruína.

Oscar Wilde afirmou que Basil representa o que ele achava que era, Lord Henry o que o mundo pensava que ele era, e Dorian o que ele gostaria de ter sido em outras épocas.

O livro é considerado um dos precursores da literatura gótica moderna, do horror psicológico e até da estética “faustiana” do século XX. O Retrato de Dorian Gray permanece uma das mais perturbadoras fábulas morais da literatura: a beleza sem consciência é o mais terrível dos monstros.

segunda-feira, dezembro 08, 2025

A Origem do Nome do Vaticano


 O Vaticano: o menor e um dos mais singulares países do mundo

O Estado da Cidade do Vaticano (em italiano: Stato della Città del Vaticano) é, simultaneamente, um país independente, o menor do planeta em área (44 hectares, ou 0,44 km²) e em população (cerca de 800 habitantes permanentes em 2025), e a sede mundial da Igreja Católica Romana.

Apesar do tamanho minúsculo, possui todos os atributos de um Estado soberano: bandeira, hino, moeda (euro, com cunhagem própria), correios, rádio, jornal oficial, força de segurança (Guarda Suíça), diplomacia própria e até um pequeno exército cerimonial.

Embora seja frequentemente chamado de “o país mais rico do mundo per capita”, essa afirmação é relativa: o Vaticano não divulga todas as suas finanças, mas administra um patrimônio histórico-artístico incalculável (Museus Vaticanos, Basílica de São Pedro, Biblioteca Apostólica, etc.) e possui investimentos globais através do IOR (Instituto para as Obras da Religião, o chamado “Banco do Vaticano”).

Não é, porém, o Estado mais rico do planeta nem em termos absolutos nem per capita (países como Luxemburgo, Qatar, Singapura e Noruega superam-no largamente em PIB per capita).

A ideia de que o Vaticano “põe e destrona reis e presidentes” ou “financia guerras” pertence mais à literatura conspiratória do que à história documentada contemporânea.

Durante a Idade Média e Renascimento, a Santa Sé realmente exerceu enorme influência política (ex.: coroação de imperadores, Cruzadas, excomunhões que derrubavam monarcas), mas desde o século XIX essa influência é sobretudo moral, cultural e diplomática.

Qual é a verdadeira origem do nome “Vaticano”?

O nome “Vaticano” não vem do latim cristão nem da Bíblia. Sua origem é bem mais antiga e remonta à época pré-romana. A colina onde hoje está o Vaticano chamava-se, em latim, Mons Vaticanus (“Colina Vaticana”).

Antes da ascensão de Roma, a região era habitada pelos etruscos, um povo que dominou o centro da Itália entre os séculos IX e III a.C. (não “há 3000 anos”, pois isso seria cerca de 1000 a.C.; os etruscos florescem a partir de ≈800 a.C.). Existem três explicações etimológicas principais para o nome, todas pré-cristãs:

A mais aceita academicamente: vem do etrusco “Vatica” ou “Vatika”, nome de uma antiga divindade feminina menor do submundo e das necrópoles. Os etruscos tinham horror a enterrar mortos dentro das cidades e construíam enormes cemitérios fora das muralhas.

A colina Vaticana era precisamente uma dessas grandes necrópoles etruscas. A deusa Vatika era a guardiã dos mortos e do local. Uma segunda teoria, defendida por linguistas clássicos (Plínio, o Velho e Varrão), liga o nome à palavra latina vaticinĭum ou vates (“profeta”, “adivinho”).

Na colina cresciam espontaneamente certas plantas e uvas silvestres de sabor muito amargo que, segundo a tradição popular romana, provocavam visões ou estados alterados de consciência. Por isso o lugar era associado a oráculos e profecias (daí “vaticinar” = profetizar em português). Essa explicação é a que deu origem ao verbo “vaticinar”.

Uma terceira hipótese, menos aceita, sugere que havia uma antiga cidade ou povoado etrusco chamado Vaticum, hoje desaparecido, cujo nome teria sido transferido para a colina.

O local onde Pedro foi martirizado

No tempo do imperador Nero (64 d.C.), após o grande incêndio de Roma, o Circo de Nero (uma enorme arena de corridas de cavalos) ocupava exatamente a área onde hoje está a Basílica de São Pedro.

Segundo a tradição cristã antiga (atestada desde o século II), o apóstolo Pedro foi crucificado de cabeça para baixo nesse circo, a pedido próprio, por não se julgar digno de morrer como Jesus. Seu túmulo teria ficado ali mesmo, na encosta da colina Vaticana.

Escavações arqueológicas realizadas sob a basílica entre 1939 e 1949 (por ordem de Pio XII) encontraram de fato uma necrópole romana do século I–IV e, abaixo do altar-mor, um pequeno monumento do século II que a tradição Constantina identificava como túmulo de Pedro.

Ossos de um homem robusto de 60-70 anos foram encontrados em 1968 próximos desse local, e exames de carbono-14 e análise antropológica são compatíveis com o século I, embora a Igreja nunca tenha declarado oficialmente “estes são os ossos de São Pedro”.

Resumo atualizado e preciso Portanto, o Vaticano está literalmente construído sobre: Uma antiga necrópole etrusca e romana; O local tradicional do martírio de São Pedro; Uma colina cujo nome já era “Vaticano” séculos antes de Cristo existir, com raízes pagãs ligadas a profecias ou a uma deusa do mundo dos mortos.

Esse contraste entre raízes pagãs profundas e a centralidade do cristianismo mundial é uma das ironias mais fascinantes da história de Roma. 

Meritocracia



A meritocracia como ideologia da desigualdade disfarçada

Por trás da aparente nobreza da “ética do merecimento”, a meritocracia esconde uma ética muito mais crua: a do desempenho mensurável. Em uma sociedade marcada por desigualdades estruturais de classe, raça, gênero, região e acesso à educação, merecimento e desempenho raramente coincidem.

Mário de Andrade e Drummond mereciam cadeiras na Academia Brasileira de Letras por sua contribuição à literatura. Não as tiveram em vida. Já José Sarney, Roberto Marinho, Paulo Coelho e dezenas de políticos, empresários e celebridades de ocasião ocuparam (ou ocupam) aquelas poltronas - não exatamente por genialidade literária, mas por desempenho político, midiático e comercial.

Mario Quintana, um dos maiores poetas brasileiros do século XX, morreu pobre, morando de favor no Hotel Majestic, em Porto Alegre. Paulo Coelho, autor de frases de calendário, é um dos escritores mais ricos do planeta.

Um produziu obra de valor literário inquestionável; o outro produziu desempenho de mercado estratosférico. O menino nota 10 que mora debaixo da ponte da BR-116 talvez mereça ser médico mais do que muitos filhos de classe média alta que entram na faculdade por cotas de escola privada cara ou por cursinho de elite.

Mas as chances dele são quase nulas. O vestibular, o Enem, o Fies, a residência médica - tudo foi desenhado para premiar quem já teve condições de “performar” desde o berço.

Na música popular a distância é abissal: Anitta, Ludmilla e Gusttavo Lima dominam as paradas porque investem milhões em payola, playlists editoriais do Spotify, jabá modernizado e estratégias de algoritmo.

Enquanto isso, artistas como Belchior, Itamar Assumpção ou Douglas Germano - de valor artístico incomensuravelmente superior - morreram (ou vivem) na penúria ou no esquecimento.

O que realmente se mede na meritocracia?

A meritocracia precisa de números. Merecimento, porém, é um juízo subjetivo de valor - e valor não cabe em planilha. Então mede-se o que é mensurável: vendas, citações, notas, likes, faturamento, índice h, aprovação no vestibular, pontuação na CAPES.

Supõe-se que desempenho seja espelho fiel do merecimento. É uma das maiores falsificações ideológicas da modernidade. Na prática, tanto os critérios de avaliação quanto os meios para se obter bom desempenho são moldados por relações de poder. Alguns exemplos concretos:

Os critérios da CAPES para ranquear programas de pós-graduação privilegiam publicação em inglês em revistas indexadas por grandes editoras multinacionais (Elsevier, Springer, Wiley).

Isso beneficia as áreas e as universidades que já têm dinheiro para pagar article processing charges (APCs) de até R$ 60 mil por artigo e para mandar professores para congressos nos EUA e na Europa.

Programas de excelência em regiões periféricas ou em áreas críticas (como estudos de gênero, raça ou decoloniais) são punidos por não “performarem” nesses circuitos globais brancos e ricos.

No mercado editorial brasileiro, quem decide quais livros chegam às livrarias das grandes redes e aos clubes de assinatura são quatro ou cinco grandes grupos (Companhia das Letras, Record, Intrínseca, Rocco etc.). Eles investem pesado em marketing para seus autores “comerciais”. Um romance literário de uma autora negra periférica quase nunca recebe o mesmo tratamento.

O ENEM e os vestibulares mais concorridos continuam privilegiando quem pode pagar 10-15 mil reais por ano de cursinho + escola privada de elite. As cotas ajudaram, mas não resolvem o abismo de capital cultural acumulado ao longo de gerações.

A despolitização como arma política

O maior golpe da meritocracia é apresentar-se como técnica, neutra, apolítica. “Aqui só vale o mérito objetivo”, diz o discurso. Mas critérios nunca são neutros: são sempre produzidos por alguém, em algum lugar, com interesses definidos.

Quando o poder se esconde atrás de rankings, notas de corte, métricas bibliométricas e “dados objetivos”, torna-se quase impossível combatê-lo. É a forma mais sofisticada que a dominação encontrou no século XXI para se legitimar: não mais pela força ou pela tradição, mas pela suposta racionalidade científica.

Como disse o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a meritocracia é a forma pela qual a classe dominante consegue fazer com que os dominados aceitem a dominação como justa: “Você não chegou lá porque não se esforçou o suficiente, não porque o jogo estava viciado desde o início”.

A racionalidade instrumental contra a racionalidade de valores. A meritocracia substitui a pergunta “Isto tem valor em si?” pela pergunta “Isto performa bem nas métricas vigentes?”. Assim: Estudantes não estudam para se tornar cidadãos cultos, mas para passar no vestibular.

Professores universitários não pesquisam para transformar a realidade brasileira, mas para publicar em revistas Qualis A1 e subir no Lattes.

Escritores não escrevem para expressar uma visão de mundo profunda, mas para vender 100 mil exemplares no primeiro mês.

Pais escolhem escola pelo ranking do ENEM, não pelo projeto pedagógico.

O resultado é uma sociedade que premia a adaptação cínica ao sistema em vez da excelência humana genuína. Exemplos recentes que escancaram o mecanismo (2020-2025)

Durante a pandemia, o Brasil viu médicos cubanos do Mais Médicos serem expulsos por “falta de revalidação performática” do diploma, enquanto filhos de deputados entravam em medicina por cotas de escola privada ou por decisões judiciais.

O caso da influenciadora Virginia Fonseca, que em 2024 lançou um livro infantil que vendeu 300 mil exemplares em pré-venda só com divulgação no Instagram, enquanto Conceição Evaristo, uma das maiores escritoras vivas do Brasil, luta para ter seus livros adotados em escolas.

A ascensão meteórica de cantores de “piseiro” e “agronejo” que pagam milhões para entrar nas playlists do Spotify, enquanto artistas como Baco Exu do Blues ou Rico Dalasam precisam se matar de trabalhar para conseguir 1% dessa visibilidade.

Conclusão

A meritocracia não é apenas uma forma de organizar a sociedade. É a ideologia mais bem-sucedida do capitalismo tardio porque transforma desigualdade estrutural em fracasso individual e dá à dominação uma aparência racional, científica e, portanto, inquestionável.

Enquanto acreditarmos que quem está por cima chegou lá “porque mereceu” e quem está por baixo ficou lá “porque não se esforçou”, o sistema seguirá reproduzindo-se sozinho - sem precisar de tanques na rua, apenas de rankings, notas de corte e currículos Lattes.

O maior ato revolucionário hoje talvez seja lembrar que nem tudo que performa, mas nem tudo que tem valor precisa performar. Se quiser, posso aprofundar algum ponto específico (a crítica de Bourdieu e Passeron, o caso da pós-graduação brasileira, o mercado editorial etc.).