A Gripe Espanhola - A Tragédia Vivida por Nelson Rodrigues - Nelson
Rodrigues (1912 – 1980) tinha apenas seis anos de idade quando vivenciou a
tragédia da gripe espanhola no Rio de Janeiro. Em 1967, em suas crônicas
memorialísticas publicadas no jornal Correio da Manhã, externou a perplexidade
do menino diante daquela pandemia:
"Ora,
a gripe foi, justamente, a morte sem velório. Morria-se em massa. E foi de
repente. De um dia para o outro, todo mundo começou a morrer. Os primeiros
ainda foram chorados, velados e floridos. Mas quando a cidade sentiu que era
mesmo a peste, ninguém chorou mais, nem velou, nem floriu. O velório seria um
luxo insuportável para os outros defuntos.”
“Era em
1918. A morte estava no ar e repito: - difusa, volatizada, atmosférica; todos a
respiravam. Na minha janela, da rua Alegre, eu olhava a rua. As casas, tristes,
inconsoláveis.”
“Antes
da gripe, achava a morte rigorosamente linda. Linda pelos cavalos, e pelas
plumas negras, e pelos dourados, e pelas alças de prata. Lembro-me que, na
primeira morte adulta que vi, cravou-se em mim a lembrança dos sapatos, inconsoláveis,
tristíssimos sapatos. A espanhola arrancou tudo, pisou nas dálias, estraçalhou
as coroas.”
“Por
que a peste? Eu ouvia dizer que os culpados eram os mortos insepultos da
guerra. O nome ‘espanhola’ realmente era um mistério. Lá em casa, todos caíram
de cama, menos eu.”
"De
repente, passou a gripe. Ninguém pensava nos mortos atirados nas valas, uns por
cima dos outros. Lá estavam humilhados e ofendidos, numa promiscuidade abjeta.
A peste deixara nos sobreviventes, não o medo, não o espanto, não o
ressentimento, mas o puro tédio da morte. Eu me lembro de um vizinho
perguntando: -'Quem não morreu na espanhola? '
“E
ninguém percebeu que uma cidade morria que o Rio machadiano estava entre os
finados. Uma outra cidade ia nascer. Logo depois explodiu o carnaval. E foi um
desabamento de usos, costumes, valores, pudores.
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