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sexta-feira, dezembro 19, 2025

Eu Já Vivi Antes – A História de Shanti Devi


 

“Eu morri ao dar à luz. Deixei três filhos e um marido em Mathura. Quero voltar para casa.”

A frase, dita com serenidade desconcertante, fez a mãe paralisar. Não sabia se ria, se repreendia, se se preocupava. Crianças pequenas inventam histórias -, mas não daquela forma. Não com tamanha firmeza, nem com um peso de verdade que parecia vir de um lugar distante demais para a imaginação infantil.

No início, tudo foi tratado como fantasia. Contudo, Shanti Devi, uma menina de apenas quatro anos, nascida em Delhi em 1926, não falava como quem brinca. Falava como quem recorda.

Mathura não era para ela um lugar imaginário, mas um lar perdido. Corrigia a comida preparada por sua mãe atual, reclamando que não tinha o mesmo sabor da comida feita em sua “casa verdadeira”.

Descrevia receitas que jamais aprendera naquela vida, mencionava utensílios, temperos e hábitos domésticos com uma naturalidade impossível de explicar. Shanti afirmava ter sido Lugdi Devi, casada com um comerciante de tecidos chamado Kedar Nath Chaubey, proprietário de uma loja em Mathura.

Citava nomes de ruas, parentes, vizinhos e episódios cotidianos com precisão inquietante. Falava dos três filhos que deixará para trás com uma saudade profunda - uma saudade que não cabia no corpo pequeno de uma criança tão nova. Não havia teatralidade em suas palavras, apenas melancolia e certeza.

Os pais tentaram ignorar. Depois, atribuíram tudo a coincidências, a histórias ouvidas ao acaso, à sugestão inconsciente. Por fim, buscaram ajuda médica. O diagnóstico foi ainda mais perturbador: nenhuma doença mental, nenhum sinal de delírio ou histeria.

Os médicos encontraram apenas uma menina calma, lúcida e coerente, absolutamente convicta de estar relatando uma vida anterior - uma vida que, segundo ela, havia terminado em 1925, dez dias após o parto de seu terceiro filho, quando Lugdi Devi morrera em decorrência de complicações pós-parto.

A história ultrapassou os limites da família quando o diretor da escola de Shanti, intrigado, decidiu investigar. Localizou Kedar Nath em Mathura e organizou testes para verificar a veracidade das afirmações da menina.

Um primo do comerciante foi enviado a Delhi disfarçado, sem revelar sua identidade. Shanti o reconheceu imediatamente. Pouco depois, o próprio Kedar Nath viajou até a cidade, acompanhado do filho que tivera com Lugdi - então com cerca de dez anos - fingindo ser apenas um “irmão” da falecida.

Mais uma vez, Shanti não se deixou enganar. Identificou-o na hora, abraçou o menino como seu filho e revelou detalhes íntimos do casamento, incluindo segredos que apenas o casal conhecia e promessas feitas no leito de morte.

A repercussão foi imediata. A história espalhou-se pela Índia como um incêndio, atravessando jornais, vilarejos e círculos intelectuais. Chegou aos ouvidos de Mahatma Gandhi, que, longe de descartar o caso, decidiu tratá-lo com seriedade.

Fascinado, formou uma comissão de quinze pessoas eminentes - entre parlamentares, jornalistas, líderes religiosos e figuras públicas - para investigar o fenômeno com rigor.

Em novembro de 1935, a comissão levou Shanti Devi, então com nove anos, a Mathura pela primeira vez “nesta vida”. Diante de uma multidão curiosa, ela guiou o grupo sem hesitação pelas ruas da cidade, conduziu-os diretamente à antiga residência de Lugdi, reconheceu parentes, inclusive o sogro, descreveu reformas recentes na casa e surpreendeu a todos ao indicar o local exato onde Lugdi afirmava ter escondido 150 rúpias antes de morrer.

Confrontado, Kedar Nath admitiu que realmente encontrara e retirara o dinheiro após a morte da esposa.

Em 1936, a comissão publicou um relatório oficial concluindo que não havia explicação convencional capaz de invalidar o testemunho de Shanti Devi. O documento afirmava, de forma direta, que ela era, de fato, a reencarnação de Lugdi Devi.

Décadas depois, pesquisadores independentes continuaram a estudar o caso. Entre eles, destacou-se o psiquiatra Ian Stevenson, da Universidade da Virgínia, que documentou e confirmou ao menos 24 declarações específicas feitas por Shanti que coincidiam com fatos verificáveis.

Mesmo críticos severos foram impactados. O jornalista sueco Sture Lönnerstrand viajou à Índia com o objetivo declarado de desmascarar o caso como fraude. Após meses de investigação, voltou atrás e declarou: “Este é o caso de reencarnação mais completo e bem documentado que já existiu.”

Curiosamente, Shanti Devi nunca se casou nesta vida. Viveu de forma discreta até sua morte, em 1987, dedicando-se ao ensino da filosofia hindu e ao relato de suas experiências, sempre com sobriedade e sem buscar fama ou benefício pessoal.

Nunca tentou explorar sua história comercialmente, o que reforçou ainda mais a credibilidade atribuída ao seu testemunho. O caso de Shanti Devi permanece, até hoje, como um dos episódios mais intrigantes da história moderna.

Para alguns, é uma prova contundente da reencarnação; para outros, um desafio ainda não resolvido pela psicologia e pela ciência. Seja qual for a interpretação, sua história continua a provocar perguntas fundamentais sobre memória, identidade, consciência e a possibilidade de que a vida - de alguma forma - não termine com a morte.

Mais do que uma curiosidade sobrenatural, o caso Shanti Devi permanece como um lembrete inquietante de que há aspectos da experiência humana que ainda escapam às explicações racionais mais consolidadas.

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