“Eu
morri ao dar à luz. Deixei três filhos e um marido em Mathura. Quero voltar
para casa.”
A frase, dita com serenidade desconcertante, fez
a mãe paralisar. Não sabia se ria, se repreendia, se se preocupava. Crianças
pequenas inventam histórias -, mas não daquela forma. Não com tamanha firmeza,
nem com um peso de verdade que parecia vir de um lugar distante demais para a
imaginação infantil.
No início, tudo foi tratado como fantasia.
Contudo, Shanti Devi, uma menina de apenas quatro anos, nascida em Delhi em
1926, não falava como quem brinca. Falava como quem recorda.
Mathura
não era para ela um lugar imaginário, mas um lar perdido. Corrigia a comida
preparada por sua mãe atual, reclamando que não tinha o mesmo sabor da comida
feita em sua “casa verdadeira”.
Descrevia
receitas que jamais aprendera naquela vida, mencionava utensílios, temperos e
hábitos domésticos com uma naturalidade impossível de explicar. Shanti afirmava
ter sido Lugdi Devi, casada com um comerciante de tecidos chamado Kedar Nath
Chaubey, proprietário de uma loja em Mathura.
Citava
nomes de ruas, parentes, vizinhos e episódios cotidianos com precisão
inquietante. Falava dos três filhos que deixará para trás com uma saudade
profunda - uma saudade que não cabia no corpo pequeno de uma criança tão nova.
Não havia teatralidade em suas palavras, apenas melancolia e certeza.
Os pais tentaram ignorar. Depois, atribuíram tudo
a coincidências, a histórias ouvidas ao acaso, à sugestão inconsciente. Por
fim, buscaram ajuda médica. O diagnóstico foi ainda mais perturbador: nenhuma
doença mental, nenhum sinal de delírio ou histeria.
Os
médicos encontraram apenas uma menina calma, lúcida e coerente, absolutamente
convicta de estar relatando uma vida anterior - uma vida que, segundo ela, havia
terminado em 1925, dez dias após o parto de seu terceiro filho, quando Lugdi
Devi morrera em decorrência de complicações pós-parto.
A história ultrapassou os limites da família
quando o diretor da escola de Shanti, intrigado, decidiu investigar. Localizou
Kedar Nath em Mathura e organizou testes para verificar a veracidade das
afirmações da menina.
Um
primo do comerciante foi enviado a Delhi disfarçado, sem revelar sua
identidade. Shanti o reconheceu imediatamente. Pouco depois, o próprio Kedar
Nath viajou até a cidade, acompanhado do filho que tivera com Lugdi - então com
cerca de dez anos - fingindo ser apenas um “irmão” da falecida.
Mais
uma vez, Shanti não se deixou enganar. Identificou-o na hora, abraçou o menino
como seu filho e revelou detalhes íntimos do casamento, incluindo segredos que
apenas o casal conhecia e promessas feitas no leito de morte.
A repercussão foi imediata. A história
espalhou-se pela Índia como um incêndio, atravessando jornais, vilarejos e
círculos intelectuais. Chegou aos ouvidos de Mahatma Gandhi, que, longe de
descartar o caso, decidiu tratá-lo com seriedade.
Fascinado,
formou uma comissão de quinze pessoas eminentes - entre parlamentares,
jornalistas, líderes religiosos e figuras públicas - para investigar o fenômeno
com rigor.
Em novembro de 1935, a comissão levou Shanti
Devi, então com nove anos, a Mathura pela primeira vez “nesta vida”. Diante de
uma multidão curiosa, ela guiou o grupo sem hesitação pelas ruas da cidade,
conduziu-os diretamente à antiga residência de Lugdi, reconheceu parentes,
inclusive o sogro, descreveu reformas recentes na casa e surpreendeu a todos ao
indicar o local exato onde Lugdi afirmava ter escondido 150 rúpias antes de
morrer.
Confrontado,
Kedar Nath admitiu que realmente encontrara e retirara o dinheiro após a morte
da esposa.
Em 1936, a comissão publicou um relatório oficial
concluindo que não havia explicação convencional capaz de invalidar o
testemunho de Shanti Devi. O documento afirmava, de forma direta, que ela era,
de fato, a reencarnação de Lugdi Devi.
Décadas
depois, pesquisadores independentes continuaram a estudar o caso. Entre eles,
destacou-se o psiquiatra Ian Stevenson, da Universidade da Virgínia, que
documentou e confirmou ao menos 24 declarações específicas feitas por Shanti
que coincidiam com fatos verificáveis.
Mesmo críticos severos foram impactados. O
jornalista sueco Sture Lönnerstrand viajou à Índia com o objetivo declarado de
desmascarar o caso como fraude. Após meses de investigação, voltou atrás e
declarou: “Este é o caso de reencarnação mais completo e bem documentado que já
existiu.”
Curiosamente, Shanti Devi nunca se casou nesta
vida. Viveu de forma discreta até sua morte, em 1987, dedicando-se ao ensino da
filosofia hindu e ao relato de suas experiências, sempre com sobriedade e sem
buscar fama ou benefício pessoal.
Nunca
tentou explorar sua história comercialmente, o que reforçou ainda mais a
credibilidade atribuída ao seu testemunho. O caso de Shanti Devi permanece, até
hoje, como um dos episódios mais intrigantes da história moderna.
Para
alguns, é uma prova contundente da reencarnação; para outros, um desafio ainda
não resolvido pela psicologia e pela ciência. Seja qual for a interpretação,
sua história continua a provocar perguntas fundamentais sobre memória, identidade,
consciência e a possibilidade de que a vida - de alguma forma - não termine com
a morte.
Mais do que uma curiosidade sobrenatural, o caso Shanti Devi permanece como um lembrete inquietante de que há aspectos da experiência humana que ainda escapam às explicações racionais mais consolidadas.









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