Manshiyat Nasser: O Distrito e a "Cidade do Lixo" no Cairo
Manshiyat Nasser é um dos distritos que
compõem a Área Oeste do Cairo, no Egito. Com uma área de aproximadamente 5,54
km², abrigava cerca de 258.372 habitantes segundo o censo de 2017, embora
estimativas mais recentes indiquem um crescimento para cerca de 278.970 pessoas
em 2024.
O distrito faz fronteira com a Cidade de Nasr
a leste, os distritos centrais do Cairo histórico a oeste e o distrito de
Mokattam ao sul. É conhecido mundialmente pelo bairro conhecido como
"Garbage City" (Cidade do Lixo), uma favela localizada no extremo sul
de Manshiyat Nasser, na base das colinas de Mokattam, nos arredores da capital
egípcia.
Essa área é a maior concentração de coletores
de lixo conhecidos como Zabbaleen (palavra árabe para "pessoas do
lixo"), cuja economia gira em torno da coleta, separação e reciclagem do
lixo produzido por todo o Cairo.
Embora Manshiyat Nasser possua ruas, lojas e
apartamentos como outras regiões da cidade, ainda enfrenta desafios
significativos de infraestrutura. Muitas áreas carecem de água potável
confiável, sistemas de esgoto adequados ou eletricidade estável, embora melhorias
graduais tenham ocorrido nas últimas décadas, incluindo conexões à rede
elétrica e de água desde os anos 1980.
O distrito abrange oito subdistritos
(shiakhas), incluindo al-Mujawirin, Sultan Qaytbay e Sultan Barquq, localizados
no cemitério histórico do Cairo oriental (conhecido como Cidade dos Mortos);
al-Kahzzan (popularmente chamado de Zabbalin ou Garbage City); al-Mahagir
(literalmente "pedreiras", também conhecida como Ezbet Bekheit), que
ocupam pedreiras abandonadas no sopé ocidental do planalto de Mokattam; e
al-Duweika (Al-Doweiqa), na extremidade norte do planalto.
População e Comunidade Copta
Originalmente, os cristãos coptas eram os
habitantes predominantes de Manshiyat Nasser, migrando principalmente do Alto
Egito nas décadas de 1940 e 1950. Nas últimas décadas, a população muçulmana
cresceu expressivamente. Os coptas são famosos por criar porcos na área,
alimentando-os com resíduos orgânicos do lixo, e comercializando a carne para
estabelecimentos cristãos em todo o Cairo.
No entanto, em 2009, durante o pânico global
pela gripe suína (H1N1), o governo egípcio ordenou o abate massivo de todos os
porcos do país - cerca de 350 mil animais apenas no Cairo.
Essa medida, criticada por não ter base
científica real (o Egito não registrou casos humanos da doença na época),
devastou a economia dos Zabbaleen, pois os porcos eram essenciais para
processar resíduos orgânicos.
Como consequência imediata, pilhas de lixo
orgânico apodrecido acumularam-se nas ruas do Cairo, piorando a limpeza da
cidade. Muitos Zabbaleen reconstruíram seus rebanhos ao longo dos anos,
adaptando-se com compostagem ou outras alternativas.
Outro evento trágico foi o desmoronamento de
rochas em al-Duweika, em 6 de setembro de 2008, quando enormes blocos de pedra
do planalto de Mokattam caíram sobre casas na favela de Ezbet Bekhit, matando
pelo menos 119 pessoas e deixando centenas de famílias desabrigadas.
O desastre destacou a vulnerabilidade das
construções informais e levou a evacuações forçadas e realocações para moradias
distantes.
A Igreja da Caverna
Um dos marcos mais impressionantes é o
Mosteiro de São Simão, o Curtidor (conhecido como Catedral da Caverna ou Igreja
de São Samaano). Escavada diretamente nas falésias de Mokattam, é a maior
igreja do Oriente Médio, com capacidade para até 20 mil pessoas em seu
anfiteatro natural.
Dedicada a São Simão, um santo copta do
século X que, segundo a lenda, realizou o milagre de mover a montanha, o
complexo inclui várias igrejas e capelas em cavernas. Tornou-se um símbolo de
resiliência para a comunidade copta e atrai turistas.
Lixo e Reciclagem: Um Sistema Eficiente e Informal
Os Zabbaleen coletam o lixo porta a porta em
todo o Cairo, cobrando uma taxa simbólica, e o transportam para Manshiyat
Nasser em caminhões ou carroças. Lá, famílias especializadas separam
manualmente os materiais: plásticos, papel, vidro, metais e orgânicos.
Estima-se que processem mais de 14 mil
toneladas por dia, reciclando até 85-90% do lixo coletado - uma taxa muito
superior à de sistemas formais ocidentais (geralmente 20-30%). Produtos
reciclados, como papel, vidro e plásticos granulados, são fabricados localmente
ou vendidos para indústrias, inclusive exportados para Europa, América do Norte
e Ásia.
Nos últimos anos, com a demanda global por
plásticos reciclados (como PET), a comunidade tem prosperado: empresas
multinacionais como Nestlé, Pepsi e Heineken firmaram parcerias desde 2019 para
coletar garrafas específicas, trazendo renda adicional.
Em 2003, o governo tentou privatizar a coleta
com empresas multinacionais, o que reduziu a eficiência e causou acúmulo de
lixo nas ruas. Hoje, o sistema informal dos Zabbaleen coexiste com o formal, e
ONGs como a Association for the Protection of the Environment apoiam educação,
saúde e projetos de artesanato com materiais reciclados.
Visão Geral
Manshiyat Nasser exemplifica resiliência: uma
comunidade marginalizada transformou o lixo alheio em sustento, alcançando
taxas de reciclagem invejáveis globalmente.
O documentário Garbage Dreams (2009), de Mai
Iskander, retrata a vida de jovens Zabbaleen enfrentando mudanças no sistema de
coleta. Apesar dos desafios - saúde precária, estigma social e riscos
ambientais -, a área evoluiu, tornando-se até ponto turístico responsável, com
visitas guiadas à igreja da caverna e projetos de reciclagem.
Hoje, em um mundo preocupado com
sustentabilidade, os Zabbaleen são vistos como modelo de economia circular
informal, provando que inovação surge muitas vezes das margens.









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