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sexta-feira, dezembro 19, 2025

Manshiyat Nasser, Egito – A Cidade da Reciclagem



Manshiyat Nasser: O Distrito e a "Cidade do Lixo" no Cairo

Manshiyat Nasser é um dos distritos que compõem a Área Oeste do Cairo, no Egito. Com uma área de aproximadamente 5,54 km², abrigava cerca de 258.372 habitantes segundo o censo de 2017, embora estimativas mais recentes indiquem um crescimento para cerca de 278.970 pessoas em 2024.

O distrito faz fronteira com a Cidade de Nasr a leste, os distritos centrais do Cairo histórico a oeste e o distrito de Mokattam ao sul. É conhecido mundialmente pelo bairro conhecido como "Garbage City" (Cidade do Lixo), uma favela localizada no extremo sul de Manshiyat Nasser, na base das colinas de Mokattam, nos arredores da capital egípcia.

Essa área é a maior concentração de coletores de lixo conhecidos como Zabbaleen (palavra árabe para "pessoas do lixo"), cuja economia gira em torno da coleta, separação e reciclagem do lixo produzido por todo o Cairo.

Embora Manshiyat Nasser possua ruas, lojas e apartamentos como outras regiões da cidade, ainda enfrenta desafios significativos de infraestrutura. Muitas áreas carecem de água potável confiável, sistemas de esgoto adequados ou eletricidade estável, embora melhorias graduais tenham ocorrido nas últimas décadas, incluindo conexões à rede elétrica e de água desde os anos 1980.

O distrito abrange oito subdistritos (shiakhas), incluindo al-Mujawirin, Sultan Qaytbay e Sultan Barquq, localizados no cemitério histórico do Cairo oriental (conhecido como Cidade dos Mortos); al-Kahzzan (popularmente chamado de Zabbalin ou Garbage City); al-Mahagir (literalmente "pedreiras", também conhecida como Ezbet Bekheit), que ocupam pedreiras abandonadas no sopé ocidental do planalto de Mokattam; e al-Duweika (Al-Doweiqa), na extremidade norte do planalto.

População e Comunidade Copta

Originalmente, os cristãos coptas eram os habitantes predominantes de Manshiyat Nasser, migrando principalmente do Alto Egito nas décadas de 1940 e 1950. Nas últimas décadas, a população muçulmana cresceu expressivamente. Os coptas são famosos por criar porcos na área, alimentando-os com resíduos orgânicos do lixo, e comercializando a carne para estabelecimentos cristãos em todo o Cairo.

No entanto, em 2009, durante o pânico global pela gripe suína (H1N1), o governo egípcio ordenou o abate massivo de todos os porcos do país - cerca de 350 mil animais apenas no Cairo.

Essa medida, criticada por não ter base científica real (o Egito não registrou casos humanos da doença na época), devastou a economia dos Zabbaleen, pois os porcos eram essenciais para processar resíduos orgânicos.

Como consequência imediata, pilhas de lixo orgânico apodrecido acumularam-se nas ruas do Cairo, piorando a limpeza da cidade. Muitos Zabbaleen reconstruíram seus rebanhos ao longo dos anos, adaptando-se com compostagem ou outras alternativas.

Outro evento trágico foi o desmoronamento de rochas em al-Duweika, em 6 de setembro de 2008, quando enormes blocos de pedra do planalto de Mokattam caíram sobre casas na favela de Ezbet Bekhit, matando pelo menos 119 pessoas e deixando centenas de famílias desabrigadas.

O desastre destacou a vulnerabilidade das construções informais e levou a evacuações forçadas e realocações para moradias distantes.

A Igreja da Caverna

Um dos marcos mais impressionantes é o Mosteiro de São Simão, o Curtidor (conhecido como Catedral da Caverna ou Igreja de São Samaano). Escavada diretamente nas falésias de Mokattam, é a maior igreja do Oriente Médio, com capacidade para até 20 mil pessoas em seu anfiteatro natural.

Dedicada a São Simão, um santo copta do século X que, segundo a lenda, realizou o milagre de mover a montanha, o complexo inclui várias igrejas e capelas em cavernas. Tornou-se um símbolo de resiliência para a comunidade copta e atrai turistas.

Lixo e Reciclagem: Um Sistema Eficiente e Informal

Os Zabbaleen coletam o lixo porta a porta em todo o Cairo, cobrando uma taxa simbólica, e o transportam para Manshiyat Nasser em caminhões ou carroças. Lá, famílias especializadas separam manualmente os materiais: plásticos, papel, vidro, metais e orgânicos.

Estima-se que processem mais de 14 mil toneladas por dia, reciclando até 85-90% do lixo coletado - uma taxa muito superior à de sistemas formais ocidentais (geralmente 20-30%). Produtos reciclados, como papel, vidro e plásticos granulados, são fabricados localmente ou vendidos para indústrias, inclusive exportados para Europa, América do Norte e Ásia.

Nos últimos anos, com a demanda global por plásticos reciclados (como PET), a comunidade tem prosperado: empresas multinacionais como Nestlé, Pepsi e Heineken firmaram parcerias desde 2019 para coletar garrafas específicas, trazendo renda adicional.

Em 2003, o governo tentou privatizar a coleta com empresas multinacionais, o que reduziu a eficiência e causou acúmulo de lixo nas ruas. Hoje, o sistema informal dos Zabbaleen coexiste com o formal, e ONGs como a Association for the Protection of the Environment apoiam educação, saúde e projetos de artesanato com materiais reciclados.

Visão Geral

Manshiyat Nasser exemplifica resiliência: uma comunidade marginalizada transformou o lixo alheio em sustento, alcançando taxas de reciclagem invejáveis globalmente.

O documentário Garbage Dreams (2009), de Mai Iskander, retrata a vida de jovens Zabbaleen enfrentando mudanças no sistema de coleta. Apesar dos desafios - saúde precária, estigma social e riscos ambientais -, a área evoluiu, tornando-se até ponto turístico responsável, com visitas guiadas à igreja da caverna e projetos de reciclagem.

Hoje, em um mundo preocupado com sustentabilidade, os Zabbaleen são vistos como modelo de economia circular informal, provando que inovação surge muitas vezes das margens.

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