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segunda-feira, julho 08, 2024

Miklós Nyiszli - Médico sobrevivente de Auschwitz



 

Miklós Nyiszli: Um Médico Sobrevivente de Auschwitz

Miklós Nyiszli nasceu em 17 de junho de 1901, em Oradea, uma cidade na região da Transilvânia, então parte do Império Austro-Húngaro (atualmente na Romênia).

Judeu de origem húngara, Nyiszli formou-se em medicina e especializou-se em patologia forense na Alemanha, onde adquiriu habilidades que, mais tarde, o colocariam em uma posição singularmente trágica no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau.

Em junho de 1944, aos 43 anos, Nyiszli, sua esposa Margareta e sua filha Susanna foram deportados de sua cidade natal para o infame campo de extermínio na Polônia ocupada pelos nazistas.

Chegada a Auschwitz e Trabalho Forçado

Ao chegar a Auschwitz, Nyiszli enfrentou a brutal seleção na rampa de desembarque, onde a maioria dos recém-chegados era imediatamente enviada para as câmaras de gás.

Por sua formação médica, ele se voluntariou como médico, na esperança de aumentar suas chances de sobrevivência e proteger sua família. Inicialmente, foi designado para trabalhar no barracão 12, um setor médico rudimentar onde tratava prisioneiros com recursos extremamente limitados.

As condições eram deploráveis: faltavam medicamentos, equipamentos esterilizados e até mesmo itens básicos, como bandagens. Apesar disso, Nyiszli se esforçava para aliviar o sofrimento dos pacientes, muitos dos quais padeciam de doenças infecciosas, desnutrição e ferimentos causados pela violência dos guardas.

Seu trabalho chamou a atenção de Josef Mengele, o notório oficial da SS conhecido como o "Anjo da Morte". Mengele, que conduzia experimentos pseudocientíficos em prisioneiros, reconheceu as habilidades de Nyiszli como patologista e o transferiu para um laboratório improvisado dentro do crematório 3, uma das instalações de extermínio de Auschwitz-Birkenau.

Esse espaço, ironicamente, oferecia condições ligeiramente melhores para realizar autopsias e outros procedimentos, mas estava localizado no coração do sistema de assassinato em massa do campo.

Nyiszli e outros prisioneiros médicos foram alojados no mesmo prédio, vivendo em constante proximidade com a morte.

Testemunha das Atrocidades

Durante os cerca de oito meses que passou em Auschwitz, Nyiszli testemunhou e foi forçado a participar de horrores inimagináveis. Sob as ordens de Mengele, ele realizou autopsias em prisioneiros, frequentemente gêmeos, anões e outras vítimas selecionadas para experimentos pseudocientíficos.

Mengele estava obcecado por estudos genéticos, buscando "provas" da suposta inferioridade racial dos judeus e outras minorias, além de investigar as causas do nanismo e do nascimento de gêmeos.

Nyiszli, como patologista, foi compelido a dissecar corpos, muitas vezes ainda quentes, e preparar relatórios detalhados para os estudos de Mengele. Um dos episódios mais perturbadores descritos por Nyiszli envolveu a dissecação de um pai e seu filho, ambos assassinados para que seus esqueletos fossem enviados ao Museu Antropológico de Berlim como parte da propaganda nazista.

Ele relatou no seu livro Auschwitz: A Doctor's Eyewitness Account: “Eu tive de examiná-los com métodos clínicos antes de morrerem, e, em seguida, realizar a dissecação com os corpos ainda quentes.”

Esse incidente reflete o conflito interno de Nyiszli, que, como médico, havia jurado salvar vidas, mas era forçado a participar de atos que violavam profundamente seus princípios éticos.

Outro momento marcante foi o caso de uma jovem encontrada viva sob uma pilha de corpos na câmara de gás. Nyiszli e seus colegas tentaram desesperadamente salvá-la, fornecendo cuidados médicos rudimentares.

Por um breve momento, a garota representou um lampejo de esperança em meio ao horror. Contudo, a SS descobriu a situação, e ela foi executada sumariamente.

Esse episódio, dramatizado no filme Cinzas da Guerra (2001), ilustra a brutalidade dos guardas e a impotência dos prisioneiros diante do sistema nazista. Nyiszli expressou profunda revolta com o desprezo pela vida humana e a falta de compaixão, sentimentos que permeiam seu relato escrito.

A Sobrevivência da Família

Enquanto enfrentava essas atrocidades, Nyiszli também lutava para proteger sua esposa e filha, que estavam em um subcampo separado de Auschwitz. Quando soube que as mulheres de seu setor seriam enviadas para as câmaras de gás, Nyiszli usou sua posição relativa de "privilégio" como médico do Sonderkommando (os prisioneiros forçados a trabalhar nas câmaras de gás e crematórios) para subornar um guarda da SS.

Com isso, conseguiu transferir Margareta e Susanna para um campo de trabalho feminino, aumentando suas chances de sobrevivência. Esse ato demonstra a determinação de Nyiszli em meio a circunstâncias desesperadoras.

A Marcha da Morte e a Libertação

Em janeiro de 1945, com a aproximação do Exército Soviético, os nazistas começaram a evacuar Auschwitz, forçando cerca de 66.000 prisioneiros a participar das chamadas "marchas da morte".

Nyiszli foi um dos muitos obrigados a marchar em condições desumanas, enfrentando frio extremo, fome e violência. Sua primeira parada foi o campo de concentração de Mauthausen, no norte da Áustria, onde passou três dias em quarentena.

Posteriormente, foi transferido para Melk an der Donau, um subcampo de Mauthausen, a cerca de três horas de trem. Após 12 meses de prisão, incluindo dois meses em Melk, Nyiszli foi finalmente libertado em 5 de maio de 1945, quando tropas americanas chegaram ao campo.

Sua esposa e filha também sobreviveram, tendo sido libertadas do campo de Bergen-Belsen. A reunião familiar foi um raro momento de alívio após anos de sofrimento.

A sobrevivência de Nyiszli e sua família é um testemunho de sua resiliência, mas também um lembrete do custo emocional e psicológico de sua experiência em Auschwitz.

Após a Guerra e Legado

Após a libertação, Nyiszli retornou à Romênia, onde retomou sua carreira médica e escreveu Auschwitz: A Doctor's Eyewitness Account, publicado em 1946. O livro é um dos testemunhos mais detalhados e chocantes sobre os horrores de Auschwitz, oferecendo uma perspectiva única de um médico forçado a colaborar com os nazistas para sobreviver.

O relato de Nyiszli não apenas documenta as atrocidades, mas também reflete sobre a perda da humanidade em um sistema desenhado para destruir tanto o corpo quanto o espírito.

Nyiszli morreu de um ataque cardíaco em 5 de maio de 1956, aos 54 anos. Sua esposa, Margareta, faleceu em 1970. Sua filha, Susanna, casou-se em 1952 com um não judeu e teve uma filha, Monica, garantindo a continuidade da família após o trauma do Holocausto.

Contexto Histórico e Relevância

A história de Miklós Nyiszli é um microcosmo dos horrores do Holocausto, mas também um exemplo da complexidade moral enfrentada por aqueles que, como ele, ocuparam posições ambíguas nos campos de concentração.

Como membro do Sonderkommando, Nyiszli teve acesso a condições ligeiramente melhores que outros prisioneiros, mas isso veio ao custo de participar, mesmo que sob coerção, dos experimentos de Mengele.

Seu relato levanta questões éticas profundas sobre colaboração forçada, sobrevivência e resistência em um ambiente de opressão absoluta. Além disso, o trabalho de Nyiszli contribuiu para a documentação histórica do Holocausto, fornecendo evidências cruciais usadas em julgamentos pós-guerra, como os de Nuremberg, onde médicos nazistas, incluindo Mengele (que escapou da justiça), foram expostos.

Seu livro permanece uma leitura essencial para compreender a desumanização sistemática promovida pelo regime nazista e a luta pela dignidade em meio ao caos.

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