Miklós Nyiszli: Um Médico Sobrevivente de Auschwitz
Miklós
Nyiszli nasceu em 17 de junho de 1901, em Oradea, uma cidade na região da
Transilvânia, então parte do Império Austro-Húngaro (atualmente na Romênia).
Judeu
de origem húngara, Nyiszli formou-se em medicina e especializou-se em patologia
forense na Alemanha, onde adquiriu habilidades que, mais tarde, o colocariam em
uma posição singularmente trágica no campo de concentração de
Auschwitz-Birkenau.
Em
junho de 1944, aos 43 anos, Nyiszli, sua esposa Margareta e sua filha Susanna
foram deportados de sua cidade natal para o infame campo de extermínio na
Polônia ocupada pelos nazistas.
Chegada a Auschwitz e Trabalho Forçado
Ao
chegar a Auschwitz, Nyiszli enfrentou a brutal seleção na rampa de desembarque,
onde a maioria dos recém-chegados era imediatamente enviada para as câmaras de
gás.
Por sua
formação médica, ele se voluntariou como médico, na esperança de aumentar suas
chances de sobrevivência e proteger sua família. Inicialmente, foi designado
para trabalhar no barracão 12, um setor médico rudimentar onde tratava
prisioneiros com recursos extremamente limitados.
As
condições eram deploráveis: faltavam medicamentos, equipamentos esterilizados e
até mesmo itens básicos, como bandagens. Apesar disso, Nyiszli se esforçava
para aliviar o sofrimento dos pacientes, muitos dos quais padeciam de doenças
infecciosas, desnutrição e ferimentos causados pela violência dos guardas.
Seu
trabalho chamou a atenção de Josef Mengele, o notório oficial da SS conhecido
como o "Anjo da Morte". Mengele, que conduzia experimentos
pseudocientíficos em prisioneiros, reconheceu as habilidades de Nyiszli como
patologista e o transferiu para um laboratório improvisado dentro do crematório
3, uma das instalações de extermínio de Auschwitz-Birkenau.
Esse
espaço, ironicamente, oferecia condições ligeiramente melhores para realizar
autopsias e outros procedimentos, mas estava localizado no coração do sistema
de assassinato em massa do campo.
Nyiszli
e outros prisioneiros médicos foram alojados no mesmo prédio, vivendo em
constante proximidade com a morte.
Testemunha das Atrocidades
Durante
os cerca de oito meses que passou em Auschwitz, Nyiszli testemunhou e foi
forçado a participar de horrores inimagináveis. Sob as ordens de Mengele, ele
realizou autopsias em prisioneiros, frequentemente gêmeos, anões e outras
vítimas selecionadas para experimentos pseudocientíficos.
Mengele
estava obcecado por estudos genéticos, buscando "provas" da suposta
inferioridade racial dos judeus e outras minorias, além de investigar as causas
do nanismo e do nascimento de gêmeos.
Nyiszli,
como patologista, foi compelido a dissecar corpos, muitas vezes ainda quentes,
e preparar relatórios detalhados para os estudos de Mengele. Um dos episódios
mais perturbadores descritos por Nyiszli envolveu a dissecação de um pai e seu
filho, ambos assassinados para que seus esqueletos fossem enviados ao Museu
Antropológico de Berlim como parte da propaganda nazista.
Ele
relatou no seu livro Auschwitz: A Doctor's Eyewitness Account: “Eu tive de
examiná-los com métodos clínicos antes de morrerem, e, em seguida, realizar a
dissecação com os corpos ainda quentes.”
Esse
incidente reflete o conflito interno de Nyiszli, que, como médico, havia jurado
salvar vidas, mas era forçado a participar de atos que violavam profundamente
seus princípios éticos.
Outro
momento marcante foi o caso de uma jovem encontrada viva sob uma pilha de
corpos na câmara de gás. Nyiszli e seus colegas tentaram desesperadamente
salvá-la, fornecendo cuidados médicos rudimentares.
Por um
breve momento, a garota representou um lampejo de esperança em meio ao horror.
Contudo, a SS descobriu a situação, e ela foi executada sumariamente.
Esse
episódio, dramatizado no filme Cinzas da Guerra (2001), ilustra a brutalidade
dos guardas e a impotência dos prisioneiros diante do sistema nazista. Nyiszli
expressou profunda revolta com o desprezo pela vida humana e a falta de
compaixão, sentimentos que permeiam seu relato escrito.
A Sobrevivência da Família
Enquanto
enfrentava essas atrocidades, Nyiszli também lutava para proteger sua esposa e
filha, que estavam em um subcampo separado de Auschwitz. Quando soube que as
mulheres de seu setor seriam enviadas para as câmaras de gás, Nyiszli usou sua
posição relativa de "privilégio" como médico do Sonderkommando (os
prisioneiros forçados a trabalhar nas câmaras de gás e crematórios) para
subornar um guarda da SS.
Com
isso, conseguiu transferir Margareta e Susanna para um campo de trabalho
feminino, aumentando suas chances de sobrevivência. Esse ato demonstra a
determinação de Nyiszli em meio a circunstâncias desesperadoras.
A Marcha da Morte e a Libertação
Em
janeiro de 1945, com a aproximação do Exército Soviético, os nazistas começaram
a evacuar Auschwitz, forçando cerca de 66.000 prisioneiros a participar das
chamadas "marchas da morte".
Nyiszli
foi um dos muitos obrigados a marchar em condições desumanas, enfrentando frio
extremo, fome e violência. Sua primeira parada foi o campo de concentração de
Mauthausen, no norte da Áustria, onde passou três dias em quarentena.
Posteriormente,
foi transferido para Melk an der Donau, um subcampo de Mauthausen, a cerca de
três horas de trem. Após 12 meses de prisão, incluindo dois meses em Melk,
Nyiszli foi finalmente libertado em 5 de maio de 1945, quando tropas americanas
chegaram ao campo.
Sua
esposa e filha também sobreviveram, tendo sido libertadas do campo de
Bergen-Belsen. A reunião familiar foi um raro momento de alívio após anos de
sofrimento.
A
sobrevivência de Nyiszli e sua família é um testemunho de sua resiliência, mas
também um lembrete do custo emocional e psicológico de sua experiência em
Auschwitz.
Após a Guerra e Legado
Após a
libertação, Nyiszli retornou à Romênia, onde retomou sua carreira médica e
escreveu Auschwitz: A Doctor's Eyewitness Account, publicado em 1946. O livro é
um dos testemunhos mais detalhados e chocantes sobre os horrores de Auschwitz,
oferecendo uma perspectiva única de um médico forçado a colaborar com os
nazistas para sobreviver.
O relato
de Nyiszli não apenas documenta as atrocidades, mas também reflete sobre a
perda da humanidade em um sistema desenhado para destruir tanto o corpo quanto
o espírito.
Nyiszli
morreu de um ataque cardíaco em 5 de maio de 1956, aos 54 anos. Sua esposa,
Margareta, faleceu em 1970. Sua filha, Susanna, casou-se em 1952 com um não
judeu e teve uma filha, Monica, garantindo a continuidade da família após o
trauma do Holocausto.
Contexto Histórico e Relevância
A
história de Miklós Nyiszli é um microcosmo dos horrores do Holocausto, mas
também um exemplo da complexidade moral enfrentada por aqueles que, como ele,
ocuparam posições ambíguas nos campos de concentração.
Como
membro do Sonderkommando, Nyiszli teve acesso a condições ligeiramente melhores
que outros prisioneiros, mas isso veio ao custo de participar, mesmo que sob
coerção, dos experimentos de Mengele.
Seu
relato levanta questões éticas profundas sobre colaboração forçada,
sobrevivência e resistência em um ambiente de opressão absoluta. Além disso, o
trabalho de Nyiszli contribuiu para a documentação histórica do Holocausto,
fornecendo evidências cruciais usadas em julgamentos pós-guerra, como os de
Nuremberg, onde médicos nazistas, incluindo Mengele (que escapou da justiça),
foram expostos.
Seu
livro permanece uma leitura essencial para compreender a desumanização
sistemática promovida pelo regime nazista e a luta pela dignidade em meio ao
caos.
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