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quinta-feira, julho 11, 2024

Antônio Conselheiro



 

Antônio Conselheiro: O Peregrino de Canudos

Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro, nasceu em 13 de março de 1830, na Nova Vila de Campo Maior, localizada no município de Quixeramobim, sertão do Ceará.

Líder religioso carismático, autoproclamava-se "o peregrino" e alcançou dimensão messiânica ao liderar o arraial de Canudos, um pequeno vilarejo no sertão da Bahia, que se tornou um símbolo de resistência social e religiosa no final do século XIX.

Canudos atraiu milhares de sertanejos, incluindo camponeses, indígenas e ex-escravos recém-libertos, mas foi destruído pelo Exército da República na violenta Guerra de Canudos (1896-1897).

Por décadas, a imprensa e setores da elite republicana retrataram Conselheiro como um fanático religioso, louco e monarquista perigoso, justificando o massacre de Canudos.

Contudo, em 14 de maio de 2019, a Lei 13.829/19 reconheceu sua importância histórica, inscrevendo seu nome no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, no Panteão da Pátria, em Brasília.

Infância e Juventude no Ceará

Antônio Vicente nasceu em um pequeno povoado no coração da caatinga cearense, em uma região marcada pela pobreza e pela seca. Filho de Vicente Mendes Maciel, um comerciante local, e Maria Joaquina de Jesus, ele cresceu em um ambiente rural onde a religiosidade e a luta pela sobrevivência moldavam a vida cotidiana.

Seus pais almejavam que Antônio seguisse a carreira eclesiástica, vista como uma das poucas vias de ascensão social para os pobres no Brasil do século XIX.

No entanto, a morte de sua mãe, em 1834, quando Antônio tinha apenas quatro anos, interrompeu esses planos. Seu pai casou-se novamente, e relatos históricos indicam que a madrasta tratava o menino com severidade, submetendo-o a maus-tratos físicos e psicológicos.

Aos 25 anos, com a morte do pai em 1855, Antônio foi obrigado a abandonar os estudos e assumir o pequeno comércio da família em Quixeramobim. As dificuldades financeiras se agravaram, e ele enfrentou processos judiciais por dívidas não quitadas, o que marcou o início de uma trajetória de instabilidade.

Em 1857, casou-se com Brasilina Laurentina de Lima, sua prima, mas o casamento não trouxe estabilidade. Em busca de melhores oportunidades, o casal mudou-se para Sobral, onde Antônio trabalhou como professor primário, lecionando para os filhos de comerciantes e fazendeiros, e, posteriormente, como advogado prático, defendendo causas em troca de pequena remuneração.

A vida de Antônio era marcada por constantes mudanças. Ele passou por cidades como Campo Grande (atual Guaraciaba do Norte), Santa Quitéria e Ipu, na divisa entre os sertões pecuaristas e a Serra da Ibiapaba.

Em 1861, em Ipu, Antônio sofreu uma humilhação que marcaria sua vida: flagrou sua esposa em adultério com um sargento da polícia. Profundamente abalado, abandonou a cidade e iniciou sua trajetória como peregrino, buscando refúgio nos sertões do Cariri, uma região conhecida por atrair penitentes e religiosos.

Peregrinações e Ascensão como Líder Religioso

A partir da década de 1860, Antônio Conselheiro começou a ganhar notoriedade como um "homem santo" nos sertões do Nordeste. Sua aparência ascética - descrito com uma túnica azul surrada, cabelos longos e desgrenhados, olhos fundos e pés descalços - reforçava sua imagem de penitente.

Em 1874, o jornal O Rabudo, de Sergipe, publicou a primeira menção pública a Antônio, referido como "Antônio dos Mares", um "aventureiro santarrão" que atraía multidões com supostos milagres.

Apesar do tom pejorativo do jornal, que o descrevia como uma figura degradante e infestada de piolhos, sua fama como líder espiritual crescia entre os sertanejos.

Em 1876, Antônio foi preso na Bahia sob a acusação de ter assassinado sua mãe e esposa. Levado ao Ceará para julgamento, foi absolvido, pois as acusações careciam de provas: sua mãe havia falecido quando ele tinha seis anos, e não havia evidências contra ele.

Libertado, retornou à Bahia, onde continuou suas peregrinações. Durante a Grande Seca de 1877-1879, uma das piores da história do Nordeste, Antônio Conselheiro emergiu como uma figura de esperança para os flagelados.

Em um contexto de fome, miséria e abandono estatal, ele pregava a solidariedade e a fé, sendo chamado por muitos de "Bom Jesus". Para os sertanejos, Conselheiro era um profeta enviado por Deus para guiá-los em tempos de desespero.

Com a abolição da escravidão em 1888, muitos ex-escravos, sem terras ou meios de subsistência, juntaram-se a ele, atraídos por sua mensagem de igualdade e redenção.

Conselheiro tornou-se um símbolo de resistência contra a exclusão social e a opressão dos latifundiários, que exploravam os trabalhadores rurais.

O Arraial de Canudos: Um Refúgio Igualitário

Em 1893, após anos de peregrinações, Antônio Conselheiro fixou-se às margens do rio Vaza-Barris, no sertão baiano, em um pequeno povoado chamado Canudos. Ele rebatizou o local como Belo Monte, transformando-o em um refúgio para os desamparados.

A comunidade cresceu rapidamente, atraindo milhares de seguidores, incluindo camponeses, indígenas, ex-escravos e vítimas da seca. Em seu auge, Canudos abrigou cerca de 25 mil pessoas, organizadas em uma sociedade igualitária baseada nos preceitos cristãos que Conselheiro pregava.

Belo Monte desafiava a ordem estabelecida. A comunidade era autossustentável, com agricultura, pecuária e artesanato organizados coletivamente. Não havia capatazes ou exploração, e todos tinham acesso à terra e ao trabalho.

A religião era o alicerce da comunidade, mas também um instrumento de libertação social. Conselheiro escreveu os Apontamentos dos Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação dos Homens, uma coletânea de reflexões religiosas que orientava a vida em Canudos.

A comunidade construía igrejas, promovia orações coletivas e vivia sob uma ética de solidariedade, contrastando com a violência e a desigualdade das fazendas da região.

Para as elites republicanas, Canudos representava uma ameaça. A recusa dos conselheiristas em pagar impostos, sua rejeição à autoridade do governo republicano e rumores de que defendiam a restauração da monarquia alimentaram a hostilidade contra o arraial.

A imprensa da época, alinhada aos interesses da elite, retratava Conselheiro como um fanático perigoso, enquanto os latifundiários viam na comunidade uma afronta ao seu poder.

A Guerra de Canudos

A tensão entre Canudos e as autoridades culminou na Guerra de Canudos (1896-1897), um dos episódios mais sangrentos da história brasileira. Em 24 de novembro de 1896, a primeira expedição militar, liderada pelo tenente Pires Ferreira, foi enviada contra o arraial. Surpreendidos por um ataque dos conselheiristas em Uauá, os militares sofreram baixas e recuaram, deixando para trás cerca de 150 mortos entre os seguidores de Conselheiro.

Uma segunda expedição, em dezembro de 1896, também foi derrotada pelos conselheiristas, que usavam táticas de guerrilha e conheciam bem o terreno árido do sertão.

Em 1897, o governo intensificou a repressão, enviando a terceira expedição, comandada pelo coronel Antônio Moreira César, conhecido como "Corta-Cabeças" por sua brutalidade na Revolução Federalista. Apesar de sua reputação, Moreira César subestimou a resistência de Canudos.

Em março de 1897, ele foi morto em combate, e suas tropas, desorientadas, abandonaram armamentos e fugiram. Para os conselheiristas, a vitória reforçava a crença na santidade de Antônio Conselheiro.

A quarta e última expedição, iniciada em abril de 1897, foi implacável. Sob o comando do general Artur Oscar, o Exército mobilizou milhares de soldados, canhões e armamento pesado. O cerco a Canudos durou meses, com combates intensos e massacres indiscriminados.

Muitos conselheiristas que se rendiam eram executados sumariamente. A resistência de Canudos tornou-se um símbolo de resiliência, mas também uma obsessão para o Exército, que via na destruição do arraial uma questão de honra.

Morte de Antônio Conselheiro e a Destruição de Canudos

Antônio Conselheiro morreu em 22 de setembro de 1897, em circunstâncias incertas. As causas mais citadas são ferimentos causados por uma granada ou uma grave disenteria, agravada pelas condições de fome e cerco.

Sua morte enfraqueceu a resistência, mas os conselheiristas lutaram até o fim. Em 5 de outubro de 1897, os últimos defensores de Canudos foram mortos, e o arraial foi completamente destruído.

No dia seguinte, o cadáver de Conselheiro foi exumado no Santuário de Canudos, e sua cabeça foi cortada e enviada à Faculdade de Medicina de Salvador.

O médico Raimundo Nina Rodrigues, influenciado pelas teorias raciais e psiquiátricas da época, examinou o crânio em busca de supostos sinais de "loucura" e "fanatismo". Em 1905, um incêndio na faculdade destruiu a cabeça de Conselheiro, apagando esse vestígio macabro da guerra.

A Suposta Loucura e o Legado de Conselheiro

A imagem de Antônio Conselheiro como um louco fanático foi construída pela elite republicana e reforçada por intelectuais como Nina Rodrigues, que o diagnosticou com "psicose sistemática progressiva".

Inspirados por teorias da época, como as de Gustave Le Bon e Henry Maudsley, esses relatos associavam revoltas populares à ignorância, pobreza e degeneração racial. Essa narrativa serviu para justificar o genocídio de Canudos, que resultou na morte de cerca de 15 mil pessoas, entre combatentes e civis.

No entanto, a historiografia moderna tem reavaliado a figura de Conselheiro, reconhecendo-o como um líder comunitário que organizou uma sociedade igualitária em um contexto de extrema adversidade.

Canudos foi um experimento social que desafiou a ordem latifundiária e o abandono estatal, oferecendo dignidade e esperança aos marginalizados. A inclusão de Conselheiro no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, em 2019, reflete essa revisão histórica, destacando sua luta por justiça social e sua relevância como símbolo de resistência.

Memoriais e Lenda

Dois centros culturais preservam a memória de Antônio Conselheiro. Em Quixeramobim, a Casa de Cultura e Memorial do Sertão Cearense, instalada na casa onde ele nasceu, foi tombada pelo Ministério da Cultura em 2006.

Em Canudos, o Memorial Antônio Conselheiro, criado em 1986 e administrado pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), mantém viva a história do arraial e da guerra. Ambos os espaços são pontos de referência para estudiosos e visitantes interessados no legado de Conselheiro.

Na cultura popular, a casa de Conselheiro em Quixeramobim ganhou contornos lendários. Histórias de assombrações e tesouros escondidos em vasos de barro fazem parte do folclore local, reforçando o caráter mítico do "peregrino".

Essas narrativas refletem a força de sua imagem no imaginário nordestino, onde ele permanece como um símbolo de fé, resistência e luta contra a opressão.

Impacto Histórico e Cultural

A Guerra de Canudos, imortalizada na obra Os Sertões (1902), de Euclides da Cunha, é um marco na história brasileira. O livro, embora influenciado pelas ideias positivistas e raciais da época, trouxe visibilidade à tragédia de Canudos e à complexidade do sertão nordestino.

A resistência de Canudos inspirou movimentos sociais e culturais, influenciando a literatura, o cinema (como o filme Guerra de Canudos, de 1997) e até o cordel nordestino. A luta de Conselheiro ecoa em debates contemporâneos sobre desigualdade, exclusão social e o papel da religião como força de mobilização.

Antônio Conselheiro, longe de ser apenas um "fanático", foi um líder visionário que desafiou as estruturas de poder de seu tempo. Sua vida e sua obra continuam a inspirar reflexões sobre justiça, solidariedade e resistência no Brasil.

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