Quem tivesse um amor
Quem
tivesse um amor, nesta noite de lua, para tecer um pensamento tão belo quanto
as sombras prateadas que dançam sobre o chão, e lançá-lo ao vento, livre, como
uma prece silenciosa!
Quem
tivesse um amor - distante, certo, mas impossível - para se mirar no espelho
das lágrimas, e nelas encontrar consolo, e nelas se perder, até adormecer
envolto no luar, com o coração embriagado de saudade!
Quem
tivesse um amor, e, entre o mar que murmura segredos antigos e as estrelas que
guardam promessas eternas, partisse em um voo leve, por nuvens diáfanas, ora
sonhando, ora desperto, levado apenas pelo pulsar do amor, que não explica nem
se explica...
Quem
tivesse um amor, puro, sem dúvidas ou máculas, sem o peso do passado ou a
sombra do futuro: um amor que fosse ao mesmo tempo verdade e alegoria, um
instante suspenso onde o tempo não ousasse entrar.
Ah! Quem tivesse..., mas quem teve? Quem teria?
E,
nesta noite, sob o véu da lua cheia, o mundo parece conspirar para que o
coração sonhe. As ondas do mar, ao longe, cantam uma canção que ninguém
entende, mas que todos sentem.
As
estrelas, tão altas, parecem sussurrar que o amor, mesmo o impossível, é o que
faz a alma flutuar. E o vento, mensageiro incansável, leva os pensamentos dos
amantes para além do horizonte, onde talvez - quem sabe? - eles se encontrem,
ainda que só na esfera dos sonhos.
Quem
tivesse um amor assim, talvez visse, nas dobras do tempo, um instante em que o
mundo parou: uma tarde de outono em que duas mãos se tocaram, ou um olhar
trocado sob a chuva, ou uma palavra dita que nunca mais se apagou.
E,
nesse instante, o amor se fez eterno, mesmo que o corpo, frágil, tenha seguido
adiante, mesmo que a vida, cruel, tenha traçado outros caminhos.
Mas
o amor, esse amor sonhado, não vive de certezas. Ele é feito de ausências, de
silêncios, de esperas. É o vazio que se enche de poesia, é a dor que se
transforma em luz.
Quem
o teve, talvez não saiba que o teve. Quem o terá, talvez nunca o reconheça. E,
no entanto, é ele quem move as marés, quem acende as estrelas, quem faz o
coração insistir, mesmo quando tudo parece perdido.
Ó
lua, testemunha de tantos amores, conta-nos: quantos já sonharam assim?
Quantos, sob teu brilho, imaginaram um amor que não se explica, que não se
prende, que apenas é?
E
quantos, ao amanhecer, guardaram esse sonho no peito, para que ele os
acompanhe, como uma chama que não se apaga, mesmo quando o dia insiste em ser
comum?
Quem
tivesse um amor... Quem o tivesse, talvez não o soubesse. Mas, ao fechar os
olhos nesta noite de lua, sentiria, ainda que por um instante, que o universo
inteiro conspirou para que esse amor, mesmo impossível, fosse real.
(Baseado no texto de Cecília Meireles)
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