Wilhelm Canaris: O Espião que Desafiou Hitler Dentro do Próprio Regime Nazista
O
almirante Wilhelm Franz Canaris (1887-1945), chefe da Abwehr - o serviço de
inteligência militar da Alemanha nazista -, ocupava um dos cargos mais altos e
estratégicos do Terceiro Reich.
Nascido
em Aplerbeck, na Westfália, Canaris teve uma carreira militar precoce e brilhante:
serviu na Marinha Imperial durante a Primeira Guerra Mundial, participando de
ações de submarinos e inteligência, e escapou dramaticamente de um campo de
prisioneiros no Chile em 1915.
Sua
ascensão no regime nazista começou cedo; ele apoiou Hitler desde os anos 1920,
ajudando a suprimir opositores comunistas e contribuindo para a remilitarização
da Alemanha.
Da Lealdade Inicial à Repulsa Profunda
Inicialmente,
Canaris foi um fiel apoiador de Hitler. Ao assumir o comando da Abwehr em 1º de
janeiro de 1935, demonstrou grande competência, reorganizando o serviço em uma
das redes de espionagem mais eficientes da Europa.
Sob sua
liderança, a Abwehr expandiu operações em todo o continente, infiltrando
agentes na Espanha durante a Guerra Civil (1936-1939), onde Canaris
pessoalmente coordenou apoio logístico aos nacionalistas de Franco, e coletando
inteligência crucial para a Blitzkrieg inicial.
Contudo,
tudo mudou após a invasão da Polônia em 1º de setembro de 1939. Canaris
acompanhou as tropas alemãs e testemunhou pessoalmente a brutalidade: massacres
de civis em vilarejos como Bydgoszcz, execuções sumárias por Einsatzgruppen
(unidades móveis de extermínio) e a destruição sistemática de cidades.
Relatos
históricos, como os de seu biógrafo Richard Bassett em Hitler's Spy Chief
(2005), descrevem como ele viu corpos de mulheres e crianças alvejados à
queima-roupa.
Chocado
com essa "guerra de aniquilação" - termo usado pelo próprio Hitler em
ordens secretas -, seu entusiasmo pelo regime transformou-se em repulsa moral.
Ele confidenciou a aliados: "Isso não é guerra; é assassinato em
massa."
A Sabotagem Discreta e os Contatos com os Aliados
Discretamente,
Canaris passou a sabotar ordens nazistas. Usando sua posição, ele retardava
relatórios de inteligência para atrasar invasões, como na planejada Operação
Leão-Marinho contra a Grã-Bretanha em 1940, exagerando a força da RAF para
desencorajar Hitler.
Protegeu
judeus e opositores: em 1941, ajudou a evacuar centenas de judeus da Alemanha
via Abwehr, disfarçando-os como agentes. Seus protestos contra atrocidades -
como o massacre de Babi Yar na Ucrânia (1941), onde 33 mil judeus foram
fuzilados - chamaram atenção.
Ele
enviou memorandos furiosos a generais como Wilhelm Keitel, chefe do OKW,
denunciando as SS como "bandidos". Logo, foi rotulado
"politicamente não confiável" por Himmler e Heydrich, que o vigiavam
de perto.
Ainda
assim, Canaris arriscou missões secretas para contatar os Aliados. Em 1940, via
neutra Espanha, enviou emissários a Londres para sondar termos de paz condicional
à deposição de Hitler.
Em
1943, durante viagens à Espanha e à Turquia, encontrou agentes britânicos e
americanos, incluindo o embaixador britânico em Madri, Samuel Hoare. Stewart
Menzies, chefe do MI6, descreveu-o em memorandos desclassificados como “um
homem de consciência, disposto a arriscar tudo para encurtar a guerra”.
Canaris
propôs um golpe interno para derrubar o Führer, mas os Aliados, temendo uma
repetição do "golpe da faca nas costas" de 1918, hesitaram.
A Conspiração do 20 de Julho e o Fim Trágico
Canaris
foi um pilar da resistência alemã, ligando-se ao Kreisau Circle e a figuras
como Hans von Dohnányi (seu subordinado na Abwehr) e Claus von Stauffenberg.
Ele
forneceu inteligência vital para o atentado de 20 de julho de 1944, quando uma
bomba explodiu na Wolfsschanze, quase matando Hitler. Embora não diretamente
envolvido na explosão, documentos da Abwehr - incluindo diários codificados
descobertos pela Gestapo - o incriminaram.
Demiti-lo
em fevereiro de 1944 por "incompetência" (pretexto para encobrir
suspeitas), Hitler o prendeu após o atentado. Torturado em Flossenbürg, Canaris
manteve silêncio heroico.
Em 9 de
abril de 1945, dias antes da libertação aliada, foi enforcado nu, em um piano
de arame, por ordem de Hitler. Seu último ato: bater mensagens em código Morse
na cela para encorajar companheiros.
Legado e Lições
Canaris
permanece um enigma: patriota alemão que traiu o regime por humanidade. Sua
rede salvou milhares, mas falhou em derrubar Hitler mais cedo devido à
desconfiança aliada e à paranoia nazista.
Historiadores como Ian Kershaw (Hitler: A Biography, 2008) o veem como prova de que resistência interna existiu, mesmo no coração da besta. Hoje, sua história inspira debates sobre ética em tempos de tirania - um lembrete de que coragem moral pode surgir nos lugares mais improváveis.









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