Os Tuaregues: História, Cultura e Identidade
Os tuaregues são um povo berbere composto por
pastores seminômades, agricultores e comerciantes. Durante séculos, controlaram
algumas das mais importantes rotas de caravanas no deserto do Saara, ligando o
norte da África às regiões subsaarianas.
Majoritariamente muçulmanos, são hoje os
principais habitantes da vasta região saariana, distribuindo-se pelo sul da
Argélia, norte do Mali, Níger, sudoeste da Líbia, partes do Chade e, em menor
número, em Burkina Faso e no leste da Nigéria. Na prática, podem ser
encontrados em praticamente todo o Saara.
Falam línguas berberes - sobretudo o
tamaxeque e suas variantes - e preservam um dos sistemas de escrita mais
antigos da região: o tifinague, ainda utilizado em inscrições, tatuagens, arte
e, mais recentemente, em ensino formal. Estima-se que a população tuaregue
atual varie entre 1 e 1,5 milhão de pessoas.
Origem do Nome
A palavra árabe “tuaregue” deriva de Targa, o
nome berbere da região da Fazânia, no sul da Líbia. Originalmente, o termo
designava os habitantes daquela área. Depois, foi incorporado às línguas
europeias durante o período colonial.
Targa significa “canal de drenagem”, e por
extensão, “terra arável” ou “jardim”, fazendo referência à região fértil de
Wadi al-Hayat. Nos registros árabes, o termo aparece como Bilad al-Khayr, a
“boa terra”.
Adalberto Alves, em seu Dicionário de
Arabismos da Língua Portuguesa, aponta outra possibilidade: a origem viria de ṭwâriq, “salteadores”, referência aos antigos
ataques contra caravanas que se recusavam a pagar tributos.
Há ainda a versão folclórica que relaciona
“tuaregue” a tawariq, “abandonados por Deus”, interpretação pejorativa usada
por muçulmanos mais ortodoxos que desaprovavam elementos animistas presentes
nos costumes tuaregues.
Outra autodesignação moderna é Kel Tamasheq,
“os que falam tamaxeque”. Na etnografia do início do século XX, são chamados de
Kel Tagelmust - “o povo do véu” ou “homens azuis”.
Origens e Expansão
O principal elo entre os diferentes grupos
tuaregues não é a linhagem genética, mas a língua tamaxeque. Pesquisas
genéticas e arqueológicas sugerem ligação antiga com populações berberes do
Marrocos, Argélia e até com grupos do Egito, refletida em tradições culturais,
no uso de amuletos e na própria escrita ancestral.
Originalmente, habitavam áreas próximas à
costa mediterrânea. A domesticação do dromedário por povos asiáticos permitiu a
expansão berbere rumo ao Saara profundo. Os tuaregues tornaram-se então
especialistas em navegação do deserto, estabelecendo reinos, confederações
tribais e pontos de controle de rotas de sal, ouro, escravos e tecidos.
A presença do tipo sanguíneo A em regiões do
Chade, Nigéria e Camarões é frequentemente citada como um eco dessa antiga
mobilidade.
Costumes, Vestimentas e Estrutura Social
Apesar de seguirem a linhagem materna -
heranças e títulos passam pela ascendência feminina - os tuaregues não são uma
sociedade matriarcal. As mulheres têm grande prestígio social, podem possuir
bens e têm autonomia incomum em sociedades muçulmanas tradicionais.
Já os homens são conhecidos pelo tagelmust, o
famoso véu azul-índigo que cobre cabeça, rosto e pescoço, deixando apenas os
olhos à mostra.
Eles acreditam que o véu protege contra maus espíritos, mas ele também reduz os
efeitos do sol, da areia e das tempestades do Saara. O pigmento índigo
impregnava a pele, originando a célebre alcunha “homens azuis”.
A hierarquização social tradicional é complexa:
Imajeren - a casta nobre, antiga aristocracia
guerreira. São os portadores da espada Takoba, de lâmina larga e punho em forma
de cruz estilizada.
Ineselmen - responsáveis pela religião;
seguem o Islã sunita da escola Maliki, misturado a crenças pré-islâmicas como
os espíritos Kel Asuf.
Imrad - “povo das cabras”, maioria da
população, pastores e aliados dos nobres.
Iklan - escravos e descendentes de escravos.
A escravidão foi formalmente proibida no período colonial francês, mas seus
ecos sociais persistem.
As comunidades mantêm o hábito de oferecer chá
de menta a viajantes e turistas, parte de sua etiqueta de hospitalidade (tegehelt).
História Recente
No passado, os tuaregues cobravam pedágios
altos de caravanas e puniam com violência os que tentavam atravessar seu
território sem autorização. A partir do século XIX, com a expansão colonial
europeia, muitos grupos se revoltaram, resultando em massacres e perdas
populacionais significativas.
No século XX, conflitos com governos do Mali
e do Níger marcaram movimentos por autonomia e preservação cultural. As secas
severas dos anos 1970 e 1980 devastaram seus rebanhos e intensificaram tensões
políticas.
Atividades Contemporâneas
Atualmente, muitos tuaregues se dedicam ao
pastoreio, ao comércio, ao artesanato de prata e couro, e à música. Uma das
mais famosas expressões modernas dessa cultura é a banda Tinariwen,
internacionalmente reconhecida pelo estilo desert blues.










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