Numa ferida aberta, até o mais leve carinho dói. A
dor, nessa hora, não distingue intenções; ela apenas pulsa, viva e teimosa,
lembrando-nos da fragilidade que carregamos por dentro.
Quando a alma está machucada, gestos de afeto,
palavras gentis - ou até mesmo o silêncio - podem pesar como pedras, como se
tocassem diretamente o que ainda não cicatrizou.
É um estado de vulnerabilidade em que o coração,
temeroso, hesita entre acolher o amor e se proteger da exposição. Há momentos
em que o mundo inteiro parece feito de sal sobre o nosso ferimento.
Uma lembrança, um cheiro, uma música - tudo parece
reabrir o que tentamos, com tanto esforço, fechar. Imagine alguém que perdeu um
ente querido: um abraço sincero pode, paradoxalmente, despertar mais lágrimas
do que consolo, porque no toque há a lembrança viva da ausência.
Ou pense em quem enfrentou uma traição amorosa, onde
as promessas quebradas ecoam em cada palavra doce, e até o amor parece um
território perigoso.
Essas feridas não pertencem apenas ao indivíduo. Elas
também se estendem aos laços coletivos - uma sociedade dilacerada por
injustiças, preconceitos e divisões carrega no corpo social as mesmas dores
silenciosas.
Gestos de união, por mais nobres que sejam, podem
parecer frágeis diante de feridas históricas ainda não cicatrizadas. É preciso
reconhecer a dor para que ela não se transforme em rancor. O silêncio que nega
o sofrimento é o mesmo que impede a cura.
Mas há uma sabedoria profunda no tempo e na ternura.
Feridas, por mais profundas que sejam, têm em si o instinto de fechar. O
processo é lento, exige paciência, coragem e a disposição de se deixar tocar
novamente - mesmo quando o toque ainda machuca.
Há um instante em que o carinho, antes insuportável,
começa a aquecer em vez de ferir. E é nesse ponto, quase imperceptível, que a
esperança renasce. Porque curar não é esquecer a dor, mas permitir que ela se
transforme.
É quando o coração, cansado de se defender, se abre
outra vez - não por ingenuidade, mas por sabedoria. Aprende que o amor, quando
verdadeiro, não é o sal da ferida, e sim o bálsamo que, pouco a pouco, devolve
a coragem de sentir.
Assim, até mesmo numa ferida aberta, há espaço para a luz, para o perdão e para o recomeço. O tempo, com suas mãos invisíveis, não apaga o que fomos, mas nos ensina a tocar nossas cicatrizes sem medo - e a reconhecer nelas o mapa daquilo que sobrevivemos.









0 Comentários:
Postar um comentário