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segunda-feira, novembro 17, 2025

Feridas que o Tempo Acaricia


 

Numa ferida aberta, até o mais leve carinho dói. A dor, nessa hora, não distingue intenções; ela apenas pulsa, viva e teimosa, lembrando-nos da fragilidade que carregamos por dentro.

Quando a alma está machucada, gestos de afeto, palavras gentis - ou até mesmo o silêncio - podem pesar como pedras, como se tocassem diretamente o que ainda não cicatrizou.

É um estado de vulnerabilidade em que o coração, temeroso, hesita entre acolher o amor e se proteger da exposição. Há momentos em que o mundo inteiro parece feito de sal sobre o nosso ferimento.

Uma lembrança, um cheiro, uma música - tudo parece reabrir o que tentamos, com tanto esforço, fechar. Imagine alguém que perdeu um ente querido: um abraço sincero pode, paradoxalmente, despertar mais lágrimas do que consolo, porque no toque há a lembrança viva da ausência.

Ou pense em quem enfrentou uma traição amorosa, onde as promessas quebradas ecoam em cada palavra doce, e até o amor parece um território perigoso.

Essas feridas não pertencem apenas ao indivíduo. Elas também se estendem aos laços coletivos - uma sociedade dilacerada por injustiças, preconceitos e divisões carrega no corpo social as mesmas dores silenciosas.

Gestos de união, por mais nobres que sejam, podem parecer frágeis diante de feridas históricas ainda não cicatrizadas. É preciso reconhecer a dor para que ela não se transforme em rancor. O silêncio que nega o sofrimento é o mesmo que impede a cura.

Mas há uma sabedoria profunda no tempo e na ternura. Feridas, por mais profundas que sejam, têm em si o instinto de fechar. O processo é lento, exige paciência, coragem e a disposição de se deixar tocar novamente - mesmo quando o toque ainda machuca.

Há um instante em que o carinho, antes insuportável, começa a aquecer em vez de ferir. E é nesse ponto, quase imperceptível, que a esperança renasce. Porque curar não é esquecer a dor, mas permitir que ela se transforme.

É quando o coração, cansado de se defender, se abre outra vez - não por ingenuidade, mas por sabedoria. Aprende que o amor, quando verdadeiro, não é o sal da ferida, e sim o bálsamo que, pouco a pouco, devolve a coragem de sentir.

Assim, até mesmo numa ferida aberta, há espaço para a luz, para o perdão e para o recomeço. O tempo, com suas mãos invisíveis, não apaga o que fomos, mas nos ensina a tocar nossas cicatrizes sem medo - e a reconhecer nelas o mapa daquilo que sobrevivemos.

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